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sábado, 12 de abril de 2014

Esboço para um mergulho na obra de Jomard Muniz de Britto





por MOISÉS NETO

Recife


Ivonete Melo (Sated, Vivencial Diversiones)
Jomard Muniz de Britto, Eliane, Guilherme Coelho, Moisés Neto
Teatro do Parque (Recife)


“Não guardar rancores nem resguardar amores: Tudo pela Fruição da Carne do Mundo”

                                                                                     Jomard Muniz de Britto


Esse esboço tem como objetivo destrinchar a obra deste controverso escritor pernambucano que é marcado pela polêmica e que vem através de quatro décadas agitando nossa vida cultural com projetos que questionam o convencional a ponto de torná-lo absurdo, irreconhecível, dinâmico.
Alguns dos seus livros:
“Terceira Aquarela do Brasil” 
 “Inventário de um Feudalismo Cultural” (em parceria com o artista plástico Sérgio Lemos)
 “Escrevivendo” 
“Bordel Brasilírico Bordel”
 “Outros Orfeus”
 “Arrecife de Desejo” 
“Contradições do homem brasileiro” (seu primeiro livro onde já tem como guia o binômio filosofia e educação paulofreiriano)

Quando a lendária revista “Mapa”, dirigida por ninguém menos que Glauber Rocha e no seu 3° número em 1958, publicou um artigo de 13 páginas da autoria de Jomard, intitulado “De Poesia” que durante anos serviu de base para diversas discussões, estava lançada a pedra fundamental de uma obra que a Academia deve analisar em seus aspectos fragmentados. Hoje Jomard diz que este artigo é apenas ingênuo demais.

JMB esquentando Regina Casé na Globo

JMB com a poeta e professora da UFPE Lucila Nogueira
que orientou tese de doutorado sobre ele

Pensemos na questão do artista “Multimídia”  e da incessante busca da contemporaneidade, o Neo­concretismo, o Poema-processo, Tropicalismo, Vanguarda Permanente (como sugere Décio Pignatari) eixo da obra de JMB,  os experimentos conceituais, minimalismos performáticos, a paródia/ bricolagem, a sátira contundente, a  “Psicanálise Selvagem”, enfim: nesse “escrevivendo”, assim no particípio presente,  que é a obra jomardiana rompendo as paredes que dividem o erudito do popular em criações intersemióticas que reaproximam arte e vida, cidade (O Recife) e o Cosmos numa corrente libidinal, política, rigorosamente intuitiva, nessa poeticidade tenra que mostra o “reciverso” da cultura pernambucana, com trocadilhos que só os iniciados entendem como por exemplo “A deseducação pelas pedras e perdas da marginália”, (referindo-se ao livro de João Cabral de Melo Neto) e suas interpenetrações que vêm de “Interpretação do Brasil” de Gilberto Freyre.
É uma poética que desmistifica, propõe um conflito dialógico, uma releitura, é metalinguístico; é Pop Filosofia que nos leva a Andy Warhol ou até a Tropicália a quem se interliga. Além das misérias e transpirações do mundo num raro equilíbrio entre o riso e o choro.
 São poemas como “A morte da cultura popular” em “Bordel Brasilírico Bordel” página 203, que motivou o recolhimento da edição inteira de um jornal para que se evitasse a divulgação de algo tão “perigoso”. É um hipertexto que nos faz pensar no semiótico-semiológico barthesiano, explícito em “Aula”,  e que inevitavelmente traz intersecções com a história (e a teatralização da mesma em Jomard).Um “jogo de linguagem”, de inconformismo desejo, desrepressão, o eclipse do sentimento trágico do mundo pelo gozo na travessia do grande Ser – tão (desautorizado) . 
Chave para entender a palavra maior na lira de JMB: paradoxo. É Poeticidade como diálogo de múltiplas  ambiguidades: filosofia e literatura, prosa do cotidiano  e reflexão emotiva, entre conceitos e afeto, ilusionismo e distanciamento. Reflexão emotiva+ conceitos e afetos, como resgate da intuição do artista e o encontro da plenitude no mistério da criação. A revelação amorosa do que estava oculto. Lirismo carregado de enigmas e ambiguidade traz a poesia é falsa. A reinauguração da palavra.
É a expressão da angústia do poeta ao atravessar, ao ir além da palavra, do som, da tensão, da polaridade, da estrutura significativa. Isso nos traz à mente Merleau Ponty, tão estudado por Marilena Chauí, que interpreta a ambiguidade, e talvez Derrida com sua “lógica do sensível”.
Pensemos na desconstrução barthesiana, no lugar comum  questionado nessa poesia jomardiana que festeja a libertação , a autonomia, o paradoxo abissal, as novas relações e aproximações, destilando, vivificando o ser e o nada num campo dinâmico onde as letras tripudiam. Poesia como num espaço plástico onde mudando de configuração as palavras do verso diminuem, crescem, cruzam-se, deixam de ser os registros passivos. A elaboração do “poema-quadro” que busca o poema audível, musical. Um “Enigma Plástico”, onde a poeticidade jomardiana se aproxima do cinema: fusão de imagem e som. Voz, ritmo na “pronúncia do ser”, da “Voz interior”. “Frevo e merengue na beira dos mangues, maracatu de Maria Aparecida no cume dos morros, anjo avesso pelas avenidas do mundo.

Jomard e o cinema: uma longa história 

Na lira jomardiana Brasil é Brasil em qualquer língua, sem cercas. São Arlequimacunaímicos; pulam nus, em rios, cidades e florestas de letras e desenhos numa espécie de “justiça com as próprias mãos”. 
 Jomard não exalta a pátria: exorta a pátria. Animando-a, incitando-a, encorajando-a, estimulando-a sempre mais. Sempre muito.
É uma obra de fartura e petulância (no sentido da fartura de imagem e profusão da exuberância). Bloquearam todas as saídas. Jomard escapou por uma entrada. Seus escritos são como um chapéu mágico.
Sua estratégia são exercícios estruturais de modelação de substituição, de repetição. Ele é o “solitário coletivo”, que não consegue tirar determinada música da cabeça durante muito tempo. 
No seu CD “Pop Filosofia – o que é isto?” ele deixa despido o filósofo-poeta.  Lá o palhaço degolado gargareja:

“É preciso e urgentíssimo
Que alguém escreva
Para não salvar nada
Nem mesmo a alegria
Conto se fosse
Como se estivesse
Como se desejasse
Aproximando-se Afastando-se
Sem jamais recuar
Eu não quero nada
Porque não posso nem pretendo
Falar escreviver
A não ser como se
A não ser como sim
Como se fosse possível
Como se estivesse perto
Próximo parente próximo
Como se desejasse
A intimidade do futuro mais próximo
Como se fosse possível falar
Sem pretensão de dizer
Verdades verídicas
Verdadeiras verdadeiramente
Como se como sim
Como assim e afim
Como se desejasse
Apenas mente ou
Apenas o corpo
Do verossímil
Da verdade possível
Muito mais do que
Da verdade pretensamente
Verdadeiramente, unicamente
Do único verdadeiro
É preciso... (“Como se fosse possível” do CD Pop Filosofia – o que é isso?)

Ainda no CD “Pop Filosofia – o que é isso?”, temos:

“Algo é o nome da poesia
Coisa é o nome do poema
Texto é o nome da escritura
Poética é o nome do fazer
Poeticidade é o nômade
Da outra, escritura não,
Escridura”. (trecho do poema “Nome ou Nume”)

            Panfletário astronauta/argonauta, ou Pré-Histórico camaleão de um só mote? Que mistérios tem Jomard?

Poesia percorrida em poemação
           A imprópria OBRABERTAFECHABERTA...
Letras móveis, teclas mut antes...
Câmaras ardentes
... Cenas da vida brasileira
Expoética
... Versos sujos roubados
... Transados em proezia.
... Rara rarefeita
 “Queremos menos canaviais e muitos outros carnavais sou o reverso dos poetas fingidores” (em “Leoa desnorteada”)
“Piada ou Picardias da Internet ...
Popular ou pra pular...
Abismos brasilíricos...
Flores do medo sem medo...
Inexatamente...
Nada...
Carne do mundo”
                        (trechos de “Colagens e Bricolagens Sonoras” no CD Pop­Filosofia).




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