Soneto de Giuseppe Gioachino Belli -
Tradução de Alexandre O'Neill
LA VITA DELL'OMO
Nove mesi a la puzza: poi in fasciola
tra sbaciucchi, lattime e lagrimoni:
poi p'er laccio, in ner crino, e in vesticciola,
cor torcolo e l'imbraghe per carzoni.
Poi comincia er tormento de la scola,
l'abbeccé, le frustate, li geloni,
la rosalía, la cacca a la sediola,
e un po' de scarlattina e vormijoni.
Poi viè l'arte, er diggiuno, la fatica,
la piggione, le carcere, er governo,
lo spedale, li debbiti, la fica,
er zol d'istate, la neve d'inverno...
per urtimo, Iddio ce' benedica,
è la morte, e finisce co l'inferno.
A VIDA DO HOMEM
Nove meses no fedor, depois nas faixas,
por entre crostas, beijocas, lagrimonas.
Depois à trela, na andadeira, em camisinha,
pára-turras na testa, cueiros por calções.
Depois começa o tormento da escola,
o á-bê-cê, a vergasta e as frieiras,
a rubéola, a caca na cagadeira
e um pouco de escarlatina e de bexigas.
Depois o ofício, o jejum, a trabalheira,
a pensão a pagar, as prisões, o governo,
o hospital, as dívidas, a crica,
o sol no verão, a neve no inverno...
E por último- e que Deus nos abençoe!-
vem a morte, e acaba no inferno.
Estátua do nosso Giuseppe Gioachino Belli
em Roma (na frente da casa de Dante)
(foto: arquivo de João de Belli)
Família
Belli - Genealogia
HISTÓRICO
Destino:
Brasil
Giuseppe
Antonio “Mezzano” Belli, 35 anos, carpinteiro, nascido e domiciliado em San
Vito di Cadore, Itália, extraiu seu passaporte em 08/12/1896 para viajar para a
Argentina. Maria Angélica Belli, 17 anos,
cabelos louro-cinza, olhos cinza, “stiratrice” (passadeira de roupas), nascida
e domiciliada em San Vito di Cadore, Itália, obteve seu passaporte em
25/02/1897, para vir ao Brasil.
Ambos os
passaportes foram extraídos em Pieve di Cadore, provavelmente capital da
província naquela época.
Não obstante
os destinos diferentes, obtiveram um documento da Igreja, ainda na Itália, onde
seu casamento já estava previsto; diz a tradição oral da família que se trata
da bênção papal, imprescindível para a união de primos-irmãos. Eram certamente parentes, pois traziam o
mesmo sobrenome; o grau de parentesco, entretanto, ainda não pode ser
apurado. Mas as pesquisas continuam. E ficaríamos imensamente agradecidos a quem
pudesse traduzir do latim o fragmento de documento.
Destinos
Diferentes
Mas fica a
pergunta: porque destinos diferentes nos passaportes?
A
possibilidade, antes levantada, de que planejassem casar-se no Brasil, mas lá
precisassem manter o relacionamento em segredo (extrair os passaportes com
destinos diferentes seria um bom despiste) caiu por terra quando o documento da
Igreja, acima citado, foi encontrado: é totalmente improvável que também esse
documento fosse secreto!
Pode ser que
cada um, antes do início do relacionamento amoroso, estivesse planejando sua
viagem separadamente. Ou que, a
princípio, ela não tivesse planos de sair de lá.
Ou ainda, o
que parece mais plausível, ela – por ser menor de idade – dependia de
autorização dos pais e estes, inicialmente, talvez estivessem relutantes. O documento da igreja, acima citado – que soa
como uma promessa de casamento – poderia ter sido suficiente para acabar com
essa relutância. Adicionalmente, talvez
já houvesse parentes diretos dela residindo no Brasil, o que seria mais um
fator tranquilizador para seus pais e demais familiares – além de também
caracterizar, por si só, uma facilitação (para dizer o mínimo) para o
estabelecimento deles no novo mundo.
Isso, sem dúvida, contribuiria decisivamente para o consentimento e,
certamente, constituiria argumento suficiente para fazer Giuseppe desistir da
Argentina.
Mas, então,
seria de se esperar que esses parentes e/ou seus descendentes fossem
encontrados no Brasil.
Ariosto de
Belli
De fato,
sabemos da existência de Ariosto de Belli, funcionário do Banco do Brasil, já
falecido, que, pelo que ouvimos de nossos pais, era sobrinho de Maria
Angélica. Conforme nos informou
recentemente Lucas de Belli, neto de Ariosto, Felice de Belli migrou para o
Brasil por volta de 1880-1890 (portanto pelo menos sete anos antes de Giuseppe
e Maria Angélica), trazendo o filho, Nicola de Belli, ainda pequeno. Nicola veio a casar-se com Antonia da Franca
Ramiro com quem teve nove filhos, um dos quais era Ariosto de Belli (todos
esses dados já constam da árvore genealógica disponível neste site). Há também o caso da família de Francisca,
Henriqueta e Diomar de Belli (avó do escritor recifense, pesquisador e professor
Moisés Neto).
Infelizmente
os dados que possuímos a respeito dos familiares de Maria Angélica estão ainda
incompletos; não temos, por exemplo, os nomes de seus irmãos (se os havia) o
que nos impossibilita – por ora – confirmar o parentesco.
Ariosto de Belli e família (em João Pessoa)
il Vappore
Bearn
Mas voltemos
à história: eles partiram do porto de Gênova, em 08/03/1897 (pouco mais de uma
semana após a data de emissão do passaporte de Maria Angélica: 25/02/1897), a
bordo do Vappore BEARN, com destino ao Porto de Santos, Brasil, o qual contava
então apenas 5 anos de existência (o Porto de Santos foi inaugurado em
2/02/1892).
O BEARN era
um navio de 4.134 toneladas, 121,57m de comprimento por 12,25m de largura
máxima, uma chaminé, dois mastros, armação férrea, hélice única, velocidade de
14 nós. Construído pela Barrow Shipbuilding Co., Barrow, Inglaterra, foi
lançado às águas em 25 de Outubro de 1881 para serviço da SGTM - Societe
Generale de Transportes Maritimes de Marselha, França. A viagem inaugural de Marselha para portos sul-americanos começou
em 15 de Maio de 1882 e o navio continuou nesse serviço até 1901 quando foi
“aposentado” em Marselha. [South Atlantic Seaway por N.R.P.Bonsor, p.136].
A SGTM
operava nessa época, dentre outras, as seguintes rotas: – Marselha / Gênova /
Nápoles; e – Marselha / Dakar / Salvador / Rio de Janeiro / Santos / Montevidéu
/ Buenos Aires.
Portanto
eles sairam de Gênova e foram para Marselha, de onde partiram no dia 10/03/1897
para a escalas de Dakar, Salvador e Rio de Janeiro. Chegaram em Santos no dia 04/04/1897,
conforme cópia da lista de passageiros obtida junto ao Arquivo Nacional.
O Casamento
Entretanto,
em 15/05/1897, eles se encontravam no Rio de Janeiro, formalizando seu
matrimônio (V. Certidão original, pág. 1, pág. 2, pág.3) na sala de audiências
da Quinta Pretoria, na presença do Dr. José Ovídio dos Santos, sub-pretor da
Quinta Pretoria e das testemunhas “Mansueto Fabrici, natural da Áustria,
casado, industrial, morador a Rua da Ajuda numero cincoenta e trez e Sylvio
Pellico Fabrici, natural da Áustria, Machinista Naval da Armada, solteiro,
morador a casa acima”.
Ele,
“natural de Itália, trinta e cinco annos de idade, solteiro, commerciante,
morador a Rua dos Inválidos Avenida Ruy Barbosa...”.
Alto
lá! “Commerciante”!? Teria ele já se estabelecido no Rio de
Janeiro?
Ela,
“natural de Itália, de Vinte e Um annos de idade, solteira, moradora a casa
acima...” .
Ooops! “Vinte e Um annos”? Provavelmente uma mentirinha (una piccola
bugia) para contornar a ausência do responsável legal. Pois ainda que estivesse acompanhada de algum
irmão mais velho ou outro parente, este poderia ser responsável na prática mas
não legalmente.
De qualquer
forma, o mais importante é que já moravam juntos na mesma casa.
E juntos
viveram até o fim de seus dias.
Família Belli
- Genealogia
HISTÓRICO
A História
da Família
O livro “San
Vito di Cadore con il diario della invasione austro-tedesca del 1917-1918 del
Maestro Matteo Del Favero Goluto”, de autoria de Mario Ferruccio Belli, tem um
capítulo só para contar a história dos Belli.
Infelizmente, não conseguimos encontrar o livro nas livrarias onde
procuramos, mas eu tive oportunidade de ler parte daquele capítulo (e fazer
algumas anotações) en la casa de Flávio Belli, el hermano del autor. O próprio Mário tem apenas um exemplar
remanescente.
Portanto,
ressalvados eventuais erros de anotação e as inevitáveis falhas da memória –
carregada de fortíssimas emoções – eis, a seguir, o que pudemos apurar.
Os
Sobrenomes
O primeiro
tabelião a utilizar o sobrenome nos livros de registros de San Vito di Cadore
foi Giovanni Antonio Belli (09/03/1769 – 17/08/1850). Entretanto, havia tantos Giuseppe, Giovanni,
Maria, etc. - todos Belli - que se fez necessário adotar alguma forma adicional
de identificar a qual Giuseppe, Giovanni ou Maria se estava referindo.
Como é de
hábito também en algunas regiões brasileiras, as pessoas referiam-se ao
Giuseppe “el Celeste”, ao Giovanni “do Fulano”, ao Antonio “da casa grande”,
etc., associando a pessoa referida ao nome ou apelido del padre ou da mãe ou do
lugar onde nasceu ou ao nome da casa, etc.
Os registros
da Igreja, em contrapartida, já utilizavam sobrenome desde muito antes e sua
forma de organização, apesar de simples, era – e ainda é – capaz de identificar
cada indivíduo de forma bastante eficiente.
No mesmo livro onde é registrado o nascimento de uma pessoa são também
feitos os assentos de casamento e óbito.
E o próprio
nome do livro também ajuda a identificar cada pessoa. Existe um livro para o bairro – ou fração
(frazione) – de Serdes (reduto dos Belli em San Vito di Cadore); um livro
específico para a casa Mezzana (casa do meio), ainda que também localizada em
Serdes; um livro específico para “il Vecchio”, com o registro dos descendentes
de Giovanni Battista Belli, chamado “il Vecchio”; un libro para os nascidos na
casa chamada “il Palazzo”; e assim por diante.
Desta forma,
por exemplo, poderiam haver vários Giuseppe Belli: um da casa Mezzana, outro
“Del Vecchio”, outro “de chi de Palazze”; e por aí vai.
Esse
complemento identificador em alguns casos passou a ser adotado como sobrenome e
é também o nome do ramo ou sub-ramo dos Belli ao qual cada um pertence, sendo
todos, provavelmente, ligados a um mesmo tronco.
O Ramo
Celeste
Consta do
livro de Mario F. Belli, acima citado, que o ramo do Celeste está praticamente
extinto uma vez que em San Vito remanesce apenas uma senhorajá idosa e que,
portanto, não deixará filhos – e “los que emigraron para a América do Sul devem
estar todos mortos pois deixaram de dar notícias durante casi un siglo”!
É de se
imaginar a sensação quando lá cheguei, em 1990, com cópia dos documentos
originais.
Foi um
rebuliço!
Foram
imediatamente chamados vários Belli da vizinhança (aliás, quase toda a
vizinhança é Belli), os documentos eram lidos e relidos eo Mário Ferruccio
Belli, que estava de férias em alguma cidade praiana (no verão italiano os que
moram nas montanhas vão passar férias en la playa y os que moram en la playa,
vão passar férias nas montanhas) foi contatado por telefone.
Iniciou-se
então, ao telefone, uma conversa que eu ouvia mas não podia compreender. Algo mais ou menos assim: “– mas é verdade,
Mário, estou dizendo, estou com o documento aqui nas minhas mãos. Ele está aqui do meu lado, en carne e osso!
Você quer falar com ele, para ter certeza que não é alucinação minha? Eu sei que tem quase cem anos, mas é
verdade!” – e aí por diante.
Mas eu só
entendi o que estava acontecendo quando alguém me trouxe o livro (prova
documental de que eu não podia estar ali) e me explicou que yo era um ser extinto!
O Mário,
ainda ao telefone, não queria que eu saísse de lá: no dia seguinte partiria de
volta e em 1 ou 2 dias estaria em S. Vito.
Infelizmente, naquela ocasião não pude esperá-lo, mas tive o prazer e a
honra de conhecê-lo en otra ocasión, quando lá voltei. Prometi escrever-lhe contando a história do
ramo “extinto”, de forma que ele pudesse, en una nueva edición do livro,
atualizar as informações. Espero
cumprir a promessa tão logo conclua a tradução, para o italiano, destes textos.
Giuseppe Antonio
“Mezzano” Belli, nosso avô, pertencia ao ramo “Celeste”, sub-ramo da casa
“Mezzana”. Nossa avó, Maria Angélica
Belli, era do ramo “Del Vecchio”.
Na mesma medida em que as coisas iam se
esclarecendo a emoção ia impregnando o ambiente e logo todos os presentes
estavam chorando. Inclusive – e
principalmente – eu, claro.
Sentia-me,
finalmente, em casa.
Junto aos
meus.
Família
Belli - Genealogia
HISTÓRICO
As Viagens a
San Vito di Cadore
Estivemos
outras vezes em San Vito di Cadore, mas este relato contempla apenas as duas
primeiras viagens.
Primeira
visita a San Vito di Cadore
Da primeira vez resolvemos parar para dormir
em Pieve di Cadore, poucos quilômetros antes de San Vito. No hotel, peguei a lista telefônica de S.
Vito para ver se achava algum Belli.
Achei:
metade da lista é Belli!
No dia
seguinte pela manhã seguimos para S. Vito.
Lá chegando estacionei bem no centro do vilarejo exatamente em frente a
uma tabacaria onde já aproveitamos para comprar alguns postais.
Enquanto
minha esposa escolhia os postais, reparei que havia uma igreja a poucos metros;
resolvemos aproveitar a proximidade e olhar logo a igreja, onde normalmente as
antiguidades estão bem conservadas. A
primeira coisa que vi quando entrei na igreja, foi o busto do Padre Pio Belli;
já fiquei todo arrepiado. Sobre uma
mesinha peguei o programa religioso da semana: outros Belli. Fiquei mais arrepiado.
No monumento
ao lado da prefeitura, erigido aos herois de San Vito, mais um Belli (Enrico,
nome de guerra “Luchetta”).
A emoção ia
aumentando cada vez mais.
O lugar é
muito bonito; as casas, quase todas com varandas e sacadas plenas de flores; o
dia radiante, o ar puro, as cores nítidas; a montanha, imensa, onipresente, ao
invés de me amedrontar mais me parecia uma asa protetora.
Formou-se um
nó na garganta.
Contra-senso
Entretanto a
sensação, ilógica, paradoxal, era de uma imensa alegria. Mais tarde entendi:
era a alegria de retornar – retornar a um lugar onde jamais havia estado!
Não aguentei:
entrei no carro e, sob os protestos de minha esposa, fui embora! Na saída da cidade, uma madeireira, de Vido
& Belli. Por insistência dela,
parei. Lembro-me de detalhes: por detrás
do portão aberto, lá no fundo, uma nuvem de serragem; o cheiro gostoso da
madeira chegava até mim.
“-Vamos lá, vamos perguntar para alguém!”,
dizia ela.
Enrolei:
para ganhar tempo atravessei a estrada para fotografar a placa com o nome da
madeireira. Enquanto isso pensava: – perguntar? perguntar o quê? (e com que
voz?) E qual poderá ser a resposta? E,
afinal de contas, o que eu vim fazer aqui?
E, de
repente, me deu o estalo. Eu já cumpri a
missão: eu retornei!
Mas na
segunda curva da estrada já estava com saudades de novo.
Segunda
visita a San Vito di Cadore
Da segunda
vez eu estava mais preparado psicologicamente (ou, pelo menos, era o que eu
achava).
Chegamos em
San Vito já no final da tarde.
Hospedamo-nos no Hotel Nevada, ao que pude perceber, uma empresa
familiar. O dono do hotel, que nos
recepcionou, quando viu o nome no passaporte já começou a fazer perguntas. Respondi às que pude. Uma não consegui: “-de qual ramo?”. Não entendi.
Ele repetiu.
Fiquei
achando que “ramo” em italiano não era o mesmo ramo do português.
Ele
encontrou uma solução para o problema de comunicação: mandou chamar um velho que
já havia morado na Argentina e, portanto, poderia me explicar tudo. O velho não estava em casa no momento, mas
iria chegar logo e, imediatamente, viria ao hotel. Dava tempo de subirmos aos quartos, tomar um
banho, trocar de roupa, etc; foi o que fizemos.
Mal havíamos
descido chegou o velho Sr. Menegús, que havia morado na Argentina.
Consegui
entender tudo o que ele falava em italiano e nadinha do que dizia em
castelhano. Quem conseguiu conversar com
ele foi minha esposa: mas teve que ouvir toda a história dele, de como foi
parar na Argentina, como retornou, até o momento presente. Eu fazia perguntas em italiano e ele
respondia em “espanhol”. Ficamos sabendo
que em frente ao hotel seria construído um shopping. Conhecemos, em detalhes, como seria o referido
shopping. Por fim, combinamos de nos
encontrar novamente no dia seguinte, quando, então, ele nos levaria a fazer
contatos que nos esclareceriam, afinal, a que ramo eu pertencia.
Fosse lá
isso o que fosse.
“per il
naso”
O dia
seguinte começou com a decisão de trocar de hotel. Lembrei-me de que na entrada da cidade havia
uma placa com várias setas indicando hoteis.
Voltei lá: em cada seta, ao lado do nome do hotel, havia a
classificação. O primeiro, lá em cima,
cheio de estrelas (e, provavelmente, bem caro).
Baixei os olhos para o último: Vila Belli! E nenhuma estrela.
Seguindo as
placas, encontrei: tratava-se de uma pensão, localizada num lugar muito
aprazível, no outro lado do pátio fronteiro à antiga e formosa estaçãozinha de
trem de S. Vito. A pensão, porém, só
funciona na alta temporada e já estava fechada; estava lá apenas uma empregada
que não soube nos dar outras informações.
Voltei à
placa na entrada da cidade. De baixo
para cima (ou seja, do menor para o maior preço), a segunda seta indicava uma
Pensione Cadore. Comecei a seguir as
placas, mas, lá pelas tantas, havia um desvio em função de obras na estrada;
dali em diante não vi outras placas indicativas da pensão. Continuei subindo por um tempo e, como ainda
não achasse outras indicações, resolvi voltar.
Manobrei,
coloquei o carro de frente para onde vínhamos e estacionei à beira da calçada:
a vista era lindíssima e merecia ser fotografada. Após as fotos, voltamos ao carro e, num
impulso, manobrei de novo e voltei a subir. Logo adiante a estrada
bifurcava. Nenhuma placa indicativa.
Num segundo
impulso, tomei a rua da esquerda; uns cem metros adiante, com mais um movimento
brusco do volante, entrei em um pequeno estacionamento no lado esquerdo da rua
e parei.
– O que
houve? – perguntou minha esposa. Eu já
ia responder que não sabia porque tinha feito aquilo mas, pelo espelho
retrovisor, percebi: em frente ao estacionamento, do outro lado da rua (e,
portanto, atrás de mim), estava a Pensione Cadore.
Como sempre,
fui na frente, com os passaportes na mão.
A jovem senhora que nos recebeu, muito simpática, pegou os passaportes
para fazer o registro; o primeiro era o meu.
Quando ela
leu o meu nome perguntou:
- Quem é Belli?
Respondi:
- Belli sono io.
Ela
retrucou:
- Io sono Belli.
Não entendi:
porque ela fica repetindo o que digo? Será que ela não compreendeu a resposta
ou eu não entendi a pergunta? Ah, talvez
ela esteja me corrigindo, me falando a maneira certa de responder à pergunta. Tudo bem, não seja por isso:
- Io sono Belli, falei.
- E eu também! - respondeu ela.
E aí
desandamos a conversar: ela é casada com Flavio Belli (irmão de Mario Ferruccio
Belli), descendente direto. Fiquei
sabendo que o bairro (Serdes) é o reduto dos Belli, a casa onde nosso avô
morava é bem próxima dali e a Pensione Cadore funciona ao lado da casa que foi
do tabelião Giovanni Antonio Belli.
Ou seja,
como não havia placas de trânsito indicando, os genes se manifestaram e me
levaram ao lugar certo. Ou, como disse
alguém, “per il naso!”.
Petrarca de Belli (em João Pessoa)
Saudades
Quando o
Flavio chegou, mostrei-lhe os documentos de nossos avós e foi assim que logo
depois, já rodeado de vários Belli e com o Mario Ferruccio ao telefone, vim a
descobrir – já aos prantos – que eu deveria estar extinto! [V. A História da
Família].
Mas, para
alegria geral – manifestada sinceramente nas lágrimas de quase todos os
presentes – eu estava ali – desafogando as saudades de ambos os lados.
De um lado,
preenchendo para os presentes a ausência de tantos que partiram em busca de uma
vida melhor. “– Não se preocupem, nós sobrevivemos. Estamos lá no Brasil, na América do Sul,
muitos de nós, descendentes. Estamos bem
e não esquecemos de nossas origens!”
De outro,
representando (ainda que não expressamente autorizado) todos os descendentes
que, como eu, parecem sofrer dessa saudade hereditária ou determinação genética
de, um dia, retornar às raízes e ao seio da família.
No dia
seguinte fomos ciceroneados por Gianni Belli, também ele descendente de Celeste
Belli. E aqui vale a pena uma pequena
interrupção para o relato de uma passagem pitoresca.
Sangue Azul
Quando eu
era ainda menino meus pais e meus tios diziam, em tom divertido, que tínhamos
sangue azul. Mas eu sabia que eles
estavam me enganando, pois eu já havia me cortado várias vezes e sabia muito
bem que meu sangue era vermelho.
Um pouco
mais tarde, porém, quando entendi o significado da expressão “sangue azul”,
fiquei intrigado. Mas como não
conseguisse descobrir porque eles diziam aquilo acabei deixando pra lá e
esqueci completamente.
Até que,
décadas depois, nessa ocasião em San Vito di Cadore, ouço o Gianni dizer –
também em tom divertido – que dentre todos os Belli ali reunidos apenas eu e
ele tínhamos sangue azul!
A frase soou
em minha memória como um estampido.
Mas dessa
vez a frase foi dita em italiano e, então, segundos depois, “caiu a
ficha”. Claro: azul em italiano é
CELESTE!
A coisa toda
não passava de um trocadilho.
Serdes
Voltando ao
assunto, Gianni nos levou a conhecer o bairro de Serdes e as casas dos nossos
antepassados.
Mostrou-nos
a casa Mezzana, a casa dos Vecchio, a casa do tabelião Giovanni Antonio e a
igrejinha de São Roque (Chiesa di San Rocco), construída em 1640 pelos próprios
habitantes de Serdes em agradecimento ao Santo por preservar, da peste que
assolou a Europa, todos os moradores do bairro (foi quando compreendi, também,
porque minha avó, Maria Angélica, era devota de São Roque).
Em frente à
igrejinha uma árvore muito antiga e frondosa em cujo enorme tronco,
explicou-nos Gianni, antiga tradição infantil determina que cada criança,
quando tiver habilidade para tal, fixe um prego!
Pois bem,
dentre todos aqueles pregos estão lá, com absoluta certeza, dois que sabemos
quem pregou...
San Vito di
Cadore – A Cidade
Localização
San Vito di
Cadore está situada nos Alpes Dolomíticos, norte da Itália, a mais de 1200
metros de altitude, no vale do Cadore, e é circundada por altíssimas montanhas,
que nos fazem meditar sobre a nossa insignificância.
A cidade
mais conhecida nas proximidades é (ao norte de S. Vito) Cortina D´Ampezzo, na
fronteira com a Áustria. Cento e poucos
quilômetros ao sul, está Vittorio Veneto; outro tanto mais para baixo, Treviso,
que fica logo acima de Veneza.
A Geografia
A geografia
é impressionante e acidentada, com inúmeras montanhas, lagos, picos, rios,
córregos, chamados “torrenti”, vales e pequenas mas surpreendentes planícies
que tiram o fôlego pela sua beleza, ao se descortinarem de forma repentina no
final das curvas acentuadas entre as muralhas das montanhas.
O confronto
fotográfico entre San Vito de hoje e de 30 anos atrás causa surpresa pela
grande quantidade de casas surgidas nos prados; se o confronto se faz com os
outros trinta ou cinquenta anos precedentes, não se notam praticamente
diferenças. Na verdade, se confrontamos
S. Vito dos anos da primeira guerra mundial com o que aparece nos mapas
napoleônicos de 1815, isto é, um século antes, não vemos variações
urbanísticas.
Acerca do
tempo do nascimento das principais frações ou bairros, nada se sabe. Serdes, acredita-se, graças ao riacho de água
potável, sepultado não faz muitos anos; Resinego porque circundado pelos mais
belos campos cultiváveis; o centro pela presença das igrejas. Aliás, a propósito das igrejas devemos supor
que foram construídas depois do surgimento do povoado, não antes.
O tabelião
Giovanni Antonio Belli construiu sua casa no bairro de Serdes. É uma grande casa, de pedra, em torno à qual
seus filhos construíram suas próprias moradias; os netos construíram as suas em
torno às dos pais e assim por diante.
Esta “geografia” que lá se vê e a posição privilegiada da primeira casa
leva a supor que o tabelião tenha sido um dos pioneiros no bairro.
A casa de
habitação
Cada uma das
casas apresentava, em seu interior, um mesmo idêntico módulo, com a repartição
de casa-depósito de feno(feneiro): pequena aquela, grande este. A parte da casa destinada à habitação era,
normalmente, em pedra e o depósito de feno em madeira.
Na verdade,
a parte de madeira não era só depósito de feno, o qual ocupava apenas a parte
de cima; o térreo servia de estábulo.
Essa arquitetura aparentemente estranha mostrava-se bastante apropriada
durante os rigorosíssimos invernos.
A população
vivia de maneira deveras pouco confortável, para não dizer apinhada, em
pequenos cômodos em uma promiscuidade que dificilmente podemos imaginar. Entre as casas havia estreitos caminhos ou
picadas; cada espaço era ocupado ou pelas hortas ou pelas esterqueiras. A entrada das habitações fazia frente
indiferentemente a um feneiro ou um estábulo.
No interior,
as casas continham esta série de cômodos: no térreo, a “stua” (espécie de sala
de estar) com um fogãozinho (ou lareira) redondo para o aquecimento, coligado
através da parede divisória, à cozinha.
A cozinha era um local escuro, com o grande fogão ao canto, ao lado do
qual estava o (considerável) depósito de lenha.
O pavimento era calcetado de pedra ou mesmo de terra nua, nunca de
madeira, para evitar o perigo de incêndio.
Na parede
uma prateleira, sobre a qual -ou pendurados sob ela - descansavam os baldes de
água e de leite. O queijo, a manteiga, o
pão e os poucos outros víveres eram guardados em bancos-baú ou sob a escada.
O “Conforto”
A “stua”,
local habitual de reunião da família, era frequentemente revestida no interior
por pranchetas de madeira; um banco ocupava praticamente todo o perímetro; em
um canto ficava um móvel “em cantoneira” no qual se guardava os livros da casa,
as lâmpadas a óleo, a garrafinha de aguardente, as poucas preciosidades
(corais, relógio, broches...).
No pavimento
superior, os quartos de dormir, alcançáveis antigamente através de escadas
externas, ao relento, como se vê em algumas velhíssimas fotos; em épocas mais
recentes com escadas internas.
Os quartos
tinham janelas minúsculas para evitar o frio; eram despojados de mobília, salvo
a cama com o colchão de palha de milho ou de crina - nunca de lã - e um baú
para as poucas vestimentas e para a roupa de cama. O pavimento era de pedras irregulares; assim
como o teto que, frequentemente, servia de divisória entre a casa e o
feneiro. Somente as casas dos abastados
tinham tetos verdadeiros, isolados por tábuas e uma espécie de argamassa
misturada com palha para proteger do ruído e do frio. Próximo à porta dos quartos de dormir havia
sempre a pia de água benta, de cerâmica, enquanto sobre a cabeceira da cama
eram sempre penduradas imagens santas e o crucifixo.
Os serviços
higiênicos eram de dois tipos. Os
abastados tinham um “quartinho” em comunicação com os quartos de dormir, que
podia acomodar 2 ou 3 ao mesmo tempo. Em
dialeto era chamado precisamente de “comodo”.
Os menos favorecidos tinham o “quartinho” (“cesso”), feito de poucas
pedras irregulares e bem arejado, no fundo do quintal, separado da casa. Os ainda mais pobres, não tendo o comodo nem
o cesso no quintal, serviam-se do estábulo juntamente com seus animais. Não obstante a matéria pareça hostil,
pertence à história da cidade e ajuda a entender como eram poucas as
comodidades e quão escassa a higiene.
Nas casas
não havia água corrente, mas somente baldes de cobre, pendurados em ganchos sob
a prateleira da cozinha, e uma concha para servir.
Água
Corrente
E a água,
onde se encontrava? Em Serdes, no riacho
entre as casas – e no riacho as mulheres pegavam água, lavavam roupa e os
animais bebiam. Perto do ano de 1700
foram cavados poços, aproveitando os veios subterrâneos; em Serdes chegou-se a
ter treze poços, que ainda existem, mas foram cobertos por razões de segurança.
Nas outras
frações era necessário buscar a água fora do bairro. Recorde-se, entretanto, que por breves
trechos do percurso, alguns grupos de casas construíam seus aquedutos, em
madeira, com tubos de pinho escavados no interior.
Quando, no
final do século passado, a tecnologia forneceu os primeiros tubos de ferro,
foram, finalmente, construídos aquedutos completos. A possibilidade de haver água nos bairros
favoreceu, finalmente, também o turismo, com o surgimento das primeiras pensões
e dos hoteis.
Às casas, a
água corrente só chegou em torno de 1930, enquanto os serviços higiênicos
começaram a ser construídos, de modo geral, somente neste pós-guerra.
As
Emigrações
Em menos de
cem anos, S. Vito di Cadore perdeu mais do que o dobro de sua população através
da emigração.
Sazonais
Nos tempos
em que o Cadore fazia parte da República Sereníssima, isto é, até 1797, de San
Vito se emigrava unicamente para Veneza, com fluxos invernais constantes.
Em Veneza os
homens encontravam ocupação principalmente no comércio, como garçons e
ajudantes, ou nas serrarias, onde se preparava a lenha; as mulheres buscavam
trabalho nas casas dos nobres. Alguma,
de vez em quando, se casava, não retornando mais.
A maioria,
entretanto, retornava com a primavera, para o início dos trabalhos campestres.
Quando o
Vêneto passou para a Áustria (Lombardo-Veneto), os fluxos migratórios pegaram
também a via do Norte. Naqueles anos,
com o surgimento das ferrovias, e além disso, explodindo a primeira
industrialização (risorgimento), tanto esta como aquelas requeriam grandes
massas de trabalhadores.
De San Vito
iniciaram-se as partidas para os canteiros das ferrovias. Partiam grupos inteiros, com chefes e
hierarcas, e se tratava, em geral, de carpinteiros especializados em trabalhos
de madeira e ferro.
Os
sanvitenses trabalharam na ferrovia do Brennero (Brenner), sobre a transversal
de Klagenfurt a Fortezza, ferrovia de Semmering e no trecho Viena-Trieste e por
fim, na Hungria e Romênia.
Quase épicos
foram os trabalhos para a ponte de ligação entre Buda e Pest, sobre o Danúbio,
onde os sanvitenses construíram por inteiro os altíssimos guindastes de
madeira, inventando artifícios e máquinas engenhosas que lhes valeram elogios e
prêmios.
Daquela época
vale recordar que, da Romênia e Hungria, muitos sanvitenses importaram não
somente economias, mas também vícios e doenças até então desconhecidas no
lugar: sejam estas ou aqueles propiciados pela afirmada liberdade de costumes
por lá imperante. Nas pias casas
sanvitenses se murmurava com desaprovação sobre este estado de coisas que
fascinava, como é óbvio, especialmente os jovens.
Quando em
1866 o Veneto foi anexado à Itália e a Áustria se tornou inimiga, as correntes
migratórias para o Império cessaram quase de todo. A emigração procurou então outros alvos; e
assim foi “descoberta” a América.
Definitivas
Os
sanvitenses não tinham nunca sido marinheiros.
Inicialmente não ficou claro onde se localizava a América e nem menos
quanto fosse distante.
A América se
configurou como a Áustria e a Hungria, e por algum tempo, se continuou a
emigrar sazonalmente, partindo no outono, ao término dos trabalhos da forragem,
para retornar na primavera. Entretanto
eis que logo se deram conta que a viagem não durava três ou quatro dias, mas
sim semanas.
Então a
emigração para a América torna-se definitiva. Os primeiros que atravessaram o
oceano a bordo dos veleiros empregaram mais de 5 semanas; mais tarde, com o
advento dos vapores o tempo se reduziu para cerca de 3 semanas, e depois até
para duas ou menos.
Os embarques
ocorriam predominantemente nos portos do Norte da Europa; Cherbourg, Le Havre,
Anversa, Amburgo, alcançados com o trem do Brennero.
No final do
século XIX e no século XX partia-se também de Gênova. Nunca porém de Veneza ou Trieste, já que
alcançar Gênova de trem era mais econômico que com o navio que contornava toda
a Itália.
As
Descoberta da América
Não se sabe
quem foi o primeiro a descobrir a rota americana.
Sabemos, por
outro lado, que no final do século XIX, havia já sanvitenses que, conhecendo a
língua e havendo realizado mais de uma travessia, serviam de guia a grupos de
compatriotas, acompanhando-les até Nova Iorque.
Um destes
guias que ficou famoso foi Antonio Belli Mus´cio, de Serdes, cujo vulto sério
aparece en numerosas fotos de grupos de emigrantes.
O idioma
Um problema
angustiante de enfrentar foi o de inglês, uma língua então desconhecida no
Cadore, onde, por outro lado, muitos falavam o alemão; e esta foi, com frequência,
a escapatória usada.
Na América
já se eram criados os estereótipos sobre italianos que não gostavam de
trabalhar, que eram porcos, que se marginalizavam en las pandillas criminosos,
etc.. Se isto era em parte verdade para
certas correntes de emigrantes, não o era para os nossos.
Assim, frequentemente
falando alemão, eventualmente de cabelos louros, ou castanhos, provenientes
enfim de lugares que se não pertenciam mais à Áustria, de qualquer modo a
confinavam, tais sanvitenses se qualificavam por tiroleses, encontrando com
isso mais facilmente oportunidades de trabalho.
Mas um
problema restava.
Não podendo
frequentar a escola, ou pela idade, ou pelo custo, ou pela falta de tempo, os
emigrantes costumavam escribir en sus agendinhas (algumas conservadas
religiosamente!) as frases idiomáticas de maior uso, os nomes próprios, as
medidas, com grafia igual à falada.
Por exemplo
a pergunta: “Você tem trabajo para mí” era escrita “ev iu uorc for mi!” ou
““venho do Tirol e me chamo Giovanni” tornava-se “ai cam from tairol finales de
mayo neim is gian!” Assim, “pés” eram
“fute”, etc..
O êxodo
Desde mais
ou menos 1870 até 1932, ano em que cessou a emigrar a os EUA, deixaram San Vito
talvez mais de 2 mil pessoas, reduzindo à metade a população local.
A primeira
guerra mundial interrompeu o êxodo; aliás, houve vários retornos. Alguns sanvitenses retornaram exatamente para
combater ao lado da Itália. Recorda-se,
dentre muitos, Amedeo Palatini Zotelo, Piero Pampanin, Vito de Vido, ferido
sobre o Tofane, Ercole de Martin, que morreu sobre as rochas do Sonpauses.
Algum outro
retornou à Europa, mas envergando o uniforme americano; cita-se Gregorio Belli
Paneto que desembarcou en Francia.
Ao fim da
guerra ocorreu a última grande onda de partidas; acentuada pelas desastrosas
condições em que se encontrava a região, dominada por más de un año pelos
alemães e, logo após, dilacerada pelas desavenças políticas.
Os últimos a
partirem para a América zarparam en 1930; pouco depois, por notórias razões, o
fascismo fechou as fronteiras.
Nos anos
1945/1955 a emigração pareceu se retomar para a América, mas desta vez para o
Canadá ou América do Sul.
Mas mesmo
nos tempos heroicos houve la emigración a o Brasil e Argentina, provavelmente,
em alguns casos, por causa da ignorância em geografia. Os navios zarpavam, é verdade, para a
América, mas quem sabia aonde era Buenos Aires ou o Rio de Janeiro? E depois, uma vez na América, pensavam, seria
mais fácil alcançar Nova Iorque...
Da primeira
emigração não resta mais ninguém, algum ainda sobrevive da segunda, e de vez em
quando volta a S. Vito maravilhando-se com as mudanças que encontra.
Os filhos e
netos todos - perfeitamente integrados e frequentemente en niveles elevados nos
EUA, estão redescobrindo as suas raízes e se fazem ver, como turistas, na
cidade.
Nada os liga
a San Vito, salvo uma vaga lembrança...
Mais Um
Pouco de História
Quando
nasceu a cidade de San Vito di Cadore ninguém sabe.
Alguns
estudiosos de arquivos acreditam que S. Vito não remonta ao Império Romano mas,
muito provavelmente, ao tempo das invasões bárbaras, época de alguns séculos
posteriores, quando em sequência à fuga frente aos invasores surgiram Veneza,
Grado e outras cidades marítimas.
É porém, por
outro lado, provável que naqueles vales, ao tempo de Roma, existissem já
habitantes, ainda que não organizados em comunidades. A chegada dos fugitivos falando latim e
portadores de indubitáveis qualidades cívicas foi, talvez, a centelha que fez
surgir los povoados do Vale do Cadore, San Vito entre los primeros.
De certo, o
nome Cadore aparece sobre uma lápide romana do século I depois de Cristo,
descoberta em Belluno (mas, para ser exato, cita-se os “cadorinos” ditos “
catubrinorum”).
O nome só
reaparece em 923, em um ato escrito em Verona, no qual o imperador Berengario I
concede ao bispo Aimone as décimas de Agordo e do Cadore. Significa que, naqueles anos, existia já uma
sociedade organizada em condições de pagar impostos; portanto, haviam povoados
e habitantes estavelmente residentes.
Depois deste
documento, precisamos saltar outros trezentos anos para volver a descubrir o
nome Cadore, em um testamento, no qual Alberto, conde de Collalto, deixa
Guecello, de Camino, herdeiro, dentre outros, de uma “corte em Cadore”. É 30 de janeiro de 1138.
Agora a
história corre mais depressa.
Menos de
vinte anos depois encontramos gente que compra e vende; eo respectivo registro
aparece nos arquivos de San Vito, que, porém, ainda não consigna sobrenomes.
1156
em 18 de
outubro é contratada a compra e venda de um terreno situado “in Ampicio”
(Ampezzo). O pergaminho se encontra no
arquivo municipal de San Vito.
1203
em 15 de
junho, festa patronal de S. Vito, se compra um terreno fazendo referência:
“actum Cadubrii sub porticu ecclesie Sancti Viti”. Finalmente aparece, pela primeira vez, o nome
da cidade.
1239
a Regola de
Festornigo (Valesella Resinego e Serdes) regulamenta as atividades agrícolas e
de pastoreio.
1331
É redigida a
primeira sentença de fronteira entre Mondeval (Chiapuzza e Costa) e Ambrizzola
d’Ampezzo. É favorável aos sanvitenses e
esse documento será desde então usado como referência.
1338
em Pieve,
capital do Cadore, se vota o Estatuto, lei fundamental para os cadorinos. Permanecerá em vigor até Napoleão.
1420
neste ano
Veneza já dominava Treviso, Udine, Belluno e Feltre, isolando quase o Cadore,
região de montanheses pobres, é verdade, pero el territorio estrategicamente
importante para as comunicações com a Alemanha. O Cadore delibera a união com
Veneza; entre os embaixadores está também Bartolomeo Sala, deputado de San Vito
no Conselho. Os cadorinos propõem a
própria subordinação ao Doge, mediante inúmeras condições, entre as quais a
manutenção de seu Estatuto, isenção de impostos, etc.. Com a adesão, graciosamente aceita pelo
Doge, o Cadore começa um período de quatro séculos sob as asas do “leão”.
1490
nasce a
igreja da Defesa (“Madonna della Defesa” ou Nossa Senhora da Defesa). Os trabalhos, logo interrompidos, serão
retomados em 1512 para cumprir uma promessa à Virgem durante uma invasão
austríaca.
1508
depois de
infinitos alarmes, o exército de Maximiliano I, imperador da Áustria e do
Império Sacro Romano, ataca Veneza, invadindo o Cadore. Dizem as crônicas que S. Vito foi poupada de
ser saqueada e queimada, por uma aparição da Virgem.
1511
Maximiliano
bate em retirada, deixando o Cadore, mas mantendo Cortina D´Ampezzo em seu
poder. San Vito passa a ser limite da
República de Veneza com o Império da Áustria.
Os ampezzanos, que até agora tinham sido irmãos en una só comunidade,
ora em diante tornam-se estrangeiros e até inimigos, com todas as incalculáveis
consequências que se seguiram nos séculos posteriores.
1640
O bairro de
Serdes constroi sua própria igrejinha, dedicada a São Roque (ninguém em Serdes
foi atingido pela peste que assolou a Europa).
1730
Avalanche do
pico Marcora sobre Chiapuzza; são sepultadas 57 pessoas e a igreja.
1743
O Marigo e
os Laudatori, de Festornigo, de acordo com o pároco Nicolò Pellegrinetti, cedem
a Borca di Cadore o bosque de Valsandolera, obtener a precedência nas
procissões.
1752
Em Rovereto,
a Comissão Veneto-Austríaca para as Fronteiras, estuda o assunto do Giau. Defende San Vito o tabelião Lorenzo Ossi da
Costa.
1753
Em noventa
dias os sanvitenses constroem o muro do Giau.
1758
Nasce nosso
tataravô, Pietro “Mezzana” Belli, trisavô de Giuseppe Antonio Mezzano Belli.
1760
Se dá início
aos trabalhos de construção da nova igreja paroquial, sob desenho do arquiteto
Schiavi, demolindo uma igreja pré-existente.
A nova igreja será inaugurada em 1764 por Mons. Bartolomeo Gradenigo.
1769
em 9 de
março nasce Giovanni Antonio Belli, futuro tabelião e prefeito de San Vito di
Cadore.
1783
Nasce nosso
trisavô, Giovanni Battista Belli, avô de Giuseppe Antonio “Mezzano” Belli.
1792
Nasce Giovanni
Battista Belli, avô de Maria Angélica Belli, que será chamado “il Vecchio”.
1794
Nasce
Domenica Ossi, di Natale, futura esposa de Giovanni Battista Belli e mãe de
Celeste Belli.
Nasce Lucia
Palatini, avó de Maria Angélica Belli, que irá casar-se com “il Vecchio”.
1809
Invasão dos
franceses: o tabelião Giovanni A. Belli, de Serdes, é prefeito e defende como
pode os sanvitenses dos maus tratos e da opressão.
1814
Avalanche
repentina do Antelao (21 de abril) sobre os bairros de Taulén e Marceana: 257
mortos.
1818
Abre-se a
primeira escola pública, chamada Elementar Inferior. São admitidos somente alunos do sexo
masculino. Assim quer a ÁUSTRIA.
1820
Nasce
Celeste Belli, nosso bisavô, pai do vô Giuseppe.
1822
Borca,
Caucia e Villanova são separadas de S. Vito para formar a nova comuna de Borca
de Cadore. O tabelião Giovanni Antonio
Belli lavra os atos de separação.
1823
Nasce
Giovanni Baptista Belli, pai de Maria Angélica Belli.
1830
Em 10 de
maio nasce Maria Rachele Belli, futura esposa de Celeste Belli e mãe de nosso
avô.
1833
Morre
Giovanni Battista Belli, nosso trisavô, pai de Celeste Belli.
1842
Morre Pietro
“Mezzana” Belli, nosso tataravô, pai de Giovanni Battista Belli.
1846
O papa
bellunense Gregório XVI separa o Cadore da diocese de Udine agregando-o à
diocese de Belluno. Fim de uma época.
1848
Em Chiapuzza
(2 de maio) batalha entre austríacos e os voluntários de Pier Fortunato
Calvi. Morre um sanvitense: Bortolo De
Sandre.
1849
Morre Lucia
Palatini, avó de Maria Angélica Belli.
1850
em 17 de
agosto morre o tabelião Giovanni Antonio Belli.
1859
Morre
Domenica Ossi, di Natale, nossa bisavó.
1861
em 23 de
janeiro nasce nosso avô, Antonio Giuseppe “Mezzano” Belli, filho de Celeste e
de Maria Rachele.
1863
Matteo Ossi
Polonia sobe sozinho, pela primeira vez, o Antelao.
1866
Vai-se a
Áustria. Chegam os Savoia, os
Carabineiros Reais, a Guarda Alfandegária e a Aduana “Velha”. Nosso avô está
com 5 anos de idade.
1870
é aberta a
primeira escola elementar feminina.
1880
em 5 de janeiro
nasce Maria Angélica Belli, nossa avó, registrada no “Registro dos Atos de
Nascimento” de San Vito di Cadore sob Número 1, Parte I, Série U. Pelo número
do registro, deduzo que tenha sido o primeiro nascimento do ano. Nosso avô está com 19 anos de idade.
morre
Giovanni Battista Belli, “il Vecchio”.
1882
no outono
uma enxurrada tremenda leva embora todas as pontes sobre o rio Boite; quatro
serrarias e três moinhos desaparecem, um deles da família Belli de “chi de
Andel”. Nosso avô está com 21 anos de
idade; nossa avó nem tomou conhecimento: estava com 2 anos.
1886
morre
Celeste Belli, di Giobatta, nosso bisavô.
1887
é fundada a
Sociedade dos Bombeiros Voluntários, com fanfarra, agregada à Federação dos
Bombeiros Cadorinos. Nosso avô tem 26
anos e a avó, com sete, deve ter ficado maravilhada com a festa.
1889
198
criadores, proprietários de 1036 bovinos entre os quais 436 vacas leiteiras;
2500 ovelhas; e 70 cabras, fundam a Leiteria Social, que inicia as atividades
en un edificio comunitário em Valesella.
No pavimento superior estão as escolas.
Nosso avô, com 28 anos, talvez fosse um dos 198 criadores; nossa avó,
com 9 anos, não deve ter entendido nada.
1894
é fundada a
Sociedade Operária Cooperativa de Consumo da Defesa (até hoje existente). O avô estava com 33 anos e a avó com 14.
1896
em 8 de
dezembro nosso avô, com 35 anos, obtém o passaporte: “O Ministro para os Negócios Exteriores
solicita às Autoridades Civis e Militares de Sua Majestade e das Potências
amigas e aliadas de deixar passar livremente Belli Giuseppe Mezzano, filho de
Celeste, que vai à América do Sul (República Argentina)”. Sua Majestade era Humberto I, “pela graça de
Deus e pela vontade da nação”, rei da Itália.
1897
em 25 de
fevereiro nossa avó, com 17 anos de idade, filha de “Gió Batta” (João Batista),
obtém passaporte para viajar à América do Sul (Brasil).
em 08 de
março, do porto de Gênova, nossos avós partem em busca da felicidade e da terra
prometida.
em 15 de
maio casam-se, no Rio de Janeiro, perante as testemunhas Monsueto Tabuci e
Silvio Pelico Fabricci. Na certidão de
casamento consta que ela tinha 21 anos; provavelmente uma “mentirinha”, pois se
dizesse que era menor de idade (17), com certeza seria exigido algum tipo de
autorização dos pais!
1905
Resinego,
Serdes e Chiapuzza constróem um aqueduto em ferro. Antes as poucas fontes públicas eram servidas
por tubos de madeira.
em 16 de
outubro morre Maria Rachele Belli, mãe de Giuseppe Antonio “Mezzano” Belli.
1906
o Banco
Cadorino abre uma pequena agência em S. Vito.
Que após a Primeira Guerra Mundial será absorvida pelo Banco Católico.
1908
Inaugura-se
a “nova” Prefeitura, para onde são transferidas as escolas elementares e a
agência dos correios.
morre
Giovanni Baptista Belli, pai de Maria Angélica Belli.