Pesquisar este blog

quarta-feira, 4 de junho de 2025

QUEM MATOU ANDY WARHOL? CORDEL de Moisés Monteiro de Melo Neto

 

QUEM MATOU ANDY WARHOL?

 

CORDEL de Moisés Monteiro de Melo Neto





 

1  - Warhol é o nome dele 

não importa se é trapaça

 tudo aquilo que ele fez

 muitas estrelas de graça

 inventou a superestrela!

é verdade ou é uma farsa?

 

2  - Spinoza diz assim:

pessoas querem seguir alguém

 Warhol perseguiu isso

Midas do nada e além

 ele refletiu o “nada”

 ficou nesse vaivém

 

3  - O vazio desse mundo

 De tanta banalidade 

Máscaras e camuflagem

 Céus, é tanta falsidade 

ideias sem conclusões

 fingem até moralidade

 

4  - Difícil compreensão

 Desde a Bíblia era assim

 Fama é construção vazia 

Tanto faz boa ou ruim

 banalidade é um vício 

Que mesmice, ai de mim!


5  - Sou um cordelista menor

 Um poeta professor

Eu sei que estudo tanto

 Com diploma de doutor

 Prefiro sempre a arte 

Apenas pesquisador

 

6  - Quem se rende assim à fama (e convence a si que não)

faz disso até terapia

Não se cura assim em vão

 Pai do Pop ensinou

E virou assombração

 

7  - Warhol nos demonstrou 

A arte é “desilusão”.

Modernismo arte cura

pós-modernismo é que não 

o pai do Pop era um monstro

 baleado foi ao chão

 

8  - Não acharam o assassino

 Esse cordel busca pistas 

Que o que fizeram com ele 

Fazem muito com artistas

Botam a gente embaixo, em cima

 Tratam como só turistas

 

9  - Eita, coisa violenta!

 Fi da peste, coisa e tal 

Isso é inacreditável 

Mas até sensacional historicista

 semiótico faz o zen e faz o sal


10  - Coisificar feito Marx

 Revolucionário, pois é

 Ou é um reacionário 

Andy Warhol ou Zé

É tanta coisa no pop! 

Pé de coelho ou chulé

 

11  - Pós-modernistas não sei

 Se sou ou nunca ninguém 

“mudar” a sociedade, pra quê? 

Se tudo é mesmo aquém 

Vigarista, alma sebosa

Os santinhos de vintém

 

12  - Apontaram os suspeitos 

De matar o Pai do Pop

Oh, por favor, nem me digam 

Oh, por favor: não me dope 

Que eu já ando muito doido 

Vê se vira: desentope!

 

13  - Ele era menos masoquista? 

“Cívico” e semiótico

Parecia verdadeiro 

Mas era até utópico

Nos jogos vorazes da vida

 Eu aposto no distópico

 

14  - Morava na dialética

ser ninguém, ser superestrela c

omia até caviar

bebia leite de camela 

(Só a fama interessava) 

descartável descabela


15  - Máquina, “metáfora Deus” E

le gostava mais de representar

 mais coisas do que pessoas

isso pra modernizar

e a coisificar o homem sim,

 se despersonalizar

16  - Defender-se do sentimento

 Brincar de “não ser nada”

tão e não enigmático 


Inconsciência calada Nega a inquietação:

“Me sinto como nada”

 

17  - Sentimentos inquietantes

 Melhor lidar com eles

A “Arte em Série” é legal 

pós-modernismo daqueles! 

Vamp, Andy copiou famosos 

refez originalidade deles

 

18  - Recusa originalidade 

Humana dos “coisificados

” ninguém muda (por dentro?)

 se repetem copiados coisificação do destino

 parecem até uns tarados

 

19  - Cópia mantém o status 

Fama é só aparência

Preste atenção, meu irmã

o Erótica consciência

Nesse jogo niilista

À rotina? Resistência!


20  - A ironia indiferente 

Que  o extremo produz 

Arte é jogo trivial

fácil de jogar e ter luz 

Forjar persona pública 

fugir na hora da cruz

 

21  - Ver como os outros o viam 

Caixão-fotografia, sabão

 Garrafas de Coca-Cola 

Tampinhas, dólar, chavão

 Epítomes (resumos)...nem sei ...

 da falta de compaixão?


22  - Transformando tais objetos

evidenciando-os 

em ilusões de sentido

 ilusões sem sentidos jogos

Ah,  Warhol

 masoquistas ou sádicos?

 

23  - Falha trágica é 

arte “levada a sério”?

desejo de fama, piada perversa

 desejo de morte, Mistério 

Andy Warhol (endiuarrôu)

 Nunca um deletério?

 

24  - Começam a tentar matá-lo 

Valerie Solanas, foi

feminista radical,

lésbica escritora, atriz:oi!

abusada na infância, pelo pai

 Rebelou-se por aí, e “apoi”!


25  - Prostituiu-se, fez tudo

 Teve um filho aos 16 

graduou-se em Psicologia.

trapaça é a condição da fama, eis! 

narcisismo da sociedade

Ela: digo bem a vocês

 

26  - Fama teatraliza

 sentimento de ser nada

 não libera o artista disso!

Coisifica, nunca parada

é tão real (na vida interior)

 satisfação pessoal na jogada

 

27  - Por que matar o Pai do Pop? 

Ela tentou, nele acertou

Ele colecionava 

pessoas e coisas, ela ousou 

num tipo de teatro

foi ela que atirou!

 

28  - Ah! “possibilidades abandonadas”

 “superstar”, ela previu

sob máscaras tragicômicas

de sentimentos (mas deduziu?)

de destruição reprimidos,

 um “final-fetiche”: viu?

 

29  - Tal teatralização permitia

 “fugir” da autocrítica

Teatralizar modos de vida 

pós-moderna, elíptica!

Pai do Pop sobreviveu 

Como a fugir, fica a dica


30  - A assassina no teatro farsa 

Fama. Rejuvenesce? Não

na realidade pós-moderna? 

Celebridade: prazer, (des) razão?

Alguém se torna famoso

 por estar “escondidão”.

 

31  - Celebridade narcisismo 

Picasso com “novas verdades” 

sobre a vida: Warhol cópias

a terapia era fútil, nas cidades

 vida “é destino”. teatro 

(indiferentes futilidades?)

 

32  - Não arte como terapia 

Pós-moderno Pai Pop 

Sobreviveu para (re)contar 

Morte: lento galope

Pai das patologias 

abusa humano ou stop!

 

33  - Como no seu filme Trash

celebridade é Nero

Toca e Roma incendiando

SimpsonsShrek? Insincero 

sinceridade falsa (ou cinismo) 

Caráter? Convicção? não espero!

 

34  - Artistas não sabem quem são?

 Hoje é meio assim?

Pra uns celebridade basta 

Sinceros, não? “vácuo”, sim

 Sem limites: sincero e falso

 “incompreensível”, enfim?


35  - Sociedade pós-moderna 

Sem relações sinceras?

Taylor Swift pra vender? 

zoológico de clones eras 

Olhares que não interagem

 autoridade? Que esperas?

 

36  - Proteja-se da perda audiência

 autoglorificação 

seja megalômano schizo

15 minutos de fama? Tesão! 

O Pai está morto e aí?

Não o matou sua explosão!

segunda-feira, 2 de junho de 2025

PASSAGEM: POEMAS E CONTOS DE MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO

 


 


PASSAGEM

Poemas & contos

DE MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO

2ª Edição

 

 

Recife/PE

2008

 

Impresso no Brasil

Printed in Brazil

 

Editor

Tarcísio Pereira

 

Diagramação

Verusca Mesquita de Andrade

 

Capa

Jean Marcelo

 

Revisão

Rodrigo de Belli

 

Fotos

Rosenilda Rocha e Albemar Araújo

 

 


M714p      MELO NETO,  Moisés Monteiro de

Passagem : contos &poemas / Moisés Monteiro de Melo Neto. – Recife :  Edições Ilusionistas, 2005.

207 p.

 

1. FICÇÃO BRASILEIRA – PERNAMBUCO. 2.

POESIA BRASILEIRA – PERNAMBUCO. I. Título.

 

CDU   869.0(81)-3

CDD   B869. 3

 

   PeR-BPE

 

Editora Corisco – Elógica

Rua Dr. João Tavares Moura, 57/99 – Peixinhos

Olinda – PE CEP: 53230-290

Fone: (81) 2121.5300 Fax: (81) 2121.5353

www.livrorapido.com

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 


 

Os textos que tenho lido de Moisés Neto comprovam que ele domina a arte da escrita. Isso é resultado da extrema familiaridade com o texto literário: conhece os melhores escritores e pesquisadores, elabora novas conquistas.

 

Raimundo Carrero

 

 

 

 

 

 

 



PASSAGEM

 


Pela professora Bárbara Andalúzia

 

 

A competência do multicultural Moisés Neto é imensurável. Passagem representa mais uma obra vinda para enaltecer sua sensibilidade poética que tudo percebe. Moisés não atinge em seus poemas apenas o seu mundo. Alcança também universos distantes através de suas divagações. Universos nem sempre compreendidos ou respeitados ou até mesmo inatingíveis apesar de tão próximo dos nossos olhos, mas tão longe de nossa percepção simplesmente humana.

É fácil perceber a leveza na qual o autor produz sua obra, reproduz sua vida e seduz o leitor, com a dureza de suas palavras diretas, sem rodeios atingindo o lirismo incontido e expresso profundamente em sua arte.  Ele não procura a expressão melhor para cada verso para representar seu lirismo, pois já possui, em sua alma, uma excelente demonstração artístico-poética.

A produção deste artista é coberta e recheada por suas raízes, por sua terra e de suas terras, seja no Recife, no Janga, no Rio de Janeiro, no Cairo, em Lisboa, em Barcelona, em Havana ou em qualquer lugar do mundo que ele vive percorrendo: Moisés não está só. Ele está sempre dentro dos mundos e fora deles, com uma visão de águia sobre sua presa, sentindo os cheiros dos arredores.

Um cérebro não pára, um cérebro nunca está só, está acompanhado de idéias e pensamentos que só ele sabe até o momento que fala. Moisés não pára, Moisés não está só... não é egoísta, compartilha com os leitores seu mundo, despertando fome de poesia e alimentando-nos. Qualquer coisa sem importância logo muda de figura se for poetizado por ele: “Lobos”, ”Medula”, “Tarântula”, Licor”, “Bar”, “Filme”, “Folhetim”, até pergunta: “Qual o sentido de ser feliz?”

Mas não é para responder, é para provocar.

Neto observa cada traço do seu objeto poetizado, representa cada momento com suma grandeza, cada sentimento – próprio ou alheio – é retrato, cada movimento faz parte de suas considerações.

A categoria depositada por Moisés Neto em sua arte (seja ela dramática, lírica, ou qualquer outra) é exclusiva de um artista que inclui em suas obras um mundo estranho ao qual se entrega “c-o-m-p-l-e-t-a-m-e-n-t-e”.

 

 

Os Poemas de Moisés Neto

 

pelo escritor e filósofo Ednaldo Isidoro

 

 

Moisés Neto, sua literatura – música dançante no cinema da vida – esculpe a pintura da própria essência retratada no teatro de sua história. Moisés é Literatura: ela sendo ele é sua senhora. Querem a prova? Então vejam quando ele resolveu abandoná-la. Não conseguiu. Ele estava lá escrevendo as palavras da renúncia, debruçado sobre o papel com a sua caneta. Pronto! A Literatura se fazia presente na carta. A vida dele, registrada nesta Passagem em poemas e contos, faz-nos – à medida que vamos andando pelos poemas – participantes dela. Transeuntes nesta obra, Moisés nos dá dois mandamentos para que possamos compreendê-la: abre bem os Teus Olhos e fique atento até chegar “A Hora e o Lugar” – princípio e fim de uma autobiografia inovadora: vida através da poesia. Ao posicionar os poemas na linearidade do tempo, vamos flagramos o autor criança, adolescente, jovem e adulto através de suas análises da realidade e de sua introspecção. Estes poemas também são cartas. Cartas ao ninguém de Odisseu.

É assim nesta guerra sem vencedores, que a arte superou a vida e a ficção, a realidade. Constrói. Destrói. Reconstrói. Tudo é verdade. E ela proporciona que a autor viva em seu livro. Os personagens estão vivos nas páginas da ficção. Só ali ela é verdade. É isso que Moisés nos mostra, apesar de relutar consigo mesmo. Ele tem a revelação e sabe que a ficção da arte é verdade.

E para fazer jus a esta afirmação, já que vocês estão na fronteira do mundo de Moisés Neto, virem a página e andem lentamente para perceber as maravilhas da vida dele exposta aqui em Passagem.

Boa Viagem!

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


POEMAS



Teus olhos

 


São uns olhos muito negros

Olhos de escuridão

Fazem-me prisioneiro

Estes olhos que me atraem

Minhas forças esvaem

Possuído sigo calmo

As sombras caem

 

Como negras azeitonas

Sobre branca porcelana

Em mesa cheia de morte

Teus olhos...

Roletas russas da sorte

A loucura de quem ama

E...ai! Não tê-los

Mesmo com a fome que tenho

Não poder comê-los...

 

 

 


LOBOS

 

No espaço entre os seus dentes

restos de almoço

vários lobos foram espalhados

quero te contar como foi:

eles foram soltos com a boca cheia de fome

todos os lobos

eles comeram meus olhos

                    

   Eu os vi chegar

 

dancei e cantei junto do fogo

vi febre nos olhos deles

nos olhos calmos que tinham.

E sabia deles

pois os pressenti sem direção

todos os lobos, eles comeram os meus olhos

atravessaram apressados os campos

que rodeavam minha casa

comeram meus frutos verdes

minhas flores na varanda

sonhos da juventude...

todos os lobos

eles comeram meus olhos

 


 CANTO LISO

 

Começa a chover

Som a crepitar

crescendo de maneira estranha

Protejo-me e vejo a chuva engrossar

Passa uma mulher
vestida de modo tão simples

 com umas crianças magras
com olhos grandes e inquietantes
nossos olhares se cruzam

vagam ensopadas

sobre o vapor do asfalto quente

parecem anjos apressados

sem nada para defender

agora correm na chuva

Penso em tantas outras guerreiras

Mas agora só há esta

Pobre trabalhadora, penso

Deus te guie

                                                                                      


UM MOMENTO QUE SE PERDE

 

Cá estou

Em volta do tempo

pelos dias

ao redor

rosto alegria

balanço de rede

um momento que se perde

esvaindo-se em minutos.

Na estrada do sem fim...

 

 


MEDULA

 

Envolvendo tua medula

tem um osso

que te faz ficar de pé

moço

olhar molhado e áspero

teu rosto suando frio

em frações

teu olhar

boca a tartamudear

coração, em acordes dissonantes

cada vez mais fluído, sangue-vinho

espalhando-se pelo teu corpo

pelo medo, pela vida

cada vez mais

incontida

deslizando... essa substância

leve sensação

tragando...teus desejos

envolvendo tua ação

suor frio

correndo pelos teus ossos...

 

 TARÂNTULA

 

Em qualquer canto da casa

existe uma  tarântula...

patas curvas, peludas

débeis

Trêmula...

Minha emoção é seu veneno.

Em qualquer canto

murmúrio dos ventos

Em qualquer canto da parede vê-se um  pouco de alegria

que restou da  última festa .

Estilhaços repousam também

n’algum lugar pelo chão...

Sob o portal

Os quadros balançam

Ventania sacode os vidros...

Cavalgo o Pégaso

Vôo despreocupado em aéreo galope

distraído

na neblina do sonho...

PLENITUDE

 

Este galope

Esta campina

este meu modo de pensar em você

néctar nascente de esperança

plenitude da montanha

o vento nos espera

ponte trêmula sobre os jardins

trêmulo nervo exposto ao sol

nossa amizade

águas claras...

 


 LICOR

 

Luz branca e efervescente

Lua, aldeia de pescadores

Vales...montanhas

chão de estrelas

jovens dispersos pelo chão, alegres.

À beira-mar, ciganos

carícias, palavras

tontos de alegria, acampamento

O ar extraía da forte luz a sua força

para alimentar os sonhos

nestas bocas de licor

jeans, gestos, nomes e coisas

agora fundidas em silêncio

ondas arrebentam  na madrugada mágica

fantasias desfilando, alegoria

sopros de flautas e apitos.

 

 


TARDE QUENTE, VERÃO & COCA-COLA

 

Uma volta

se dá no meio de mil

p’ra rir

passo a passo

prova do viver

estar por aí...

os trocados não damos

prova de existir

existir, se conhecer

amar o sono, partir sem fome

fome, sono

injetar as veias , sair 

exilar a dor

o dia de amar

desconhecer / reconhecer

a poeira

o calor, fragmentos de rua no corpo

sair

descer pouco a pouco

pelo ar

gestos vagos

tarde quente de verão

vento fraco, quase nenhum

coisa parada

gente colorida

Na avenida brilha

coisa condensada

palavra inventada agora

massa úmida

Como astronauta cangaceiro

O poeta passeia

bebe Coca-cola

cola-caco dos Campos

Na tarde modorrenta

Final dos anos 70...

 

 


 A MAIS DOCE ALUCINAÇÃO

 

... em busca de algo para mim invisível

à margem de estranhos caminhos,

minha sombra percorre o mundo...

Recordo a profecia....

 

Versão I

 

Quando numa noite fria

você estiver perfumada e só

vivendo a mais doce alucinação

eu chegarei de repente

... como uma lembrança

 como um mistério...

 como uma lenda do sertão.

Deitarei com você

na sua cama

lhe darei calor

nos amaremos com sofreguidão

no escuro do quarto

como se fôssemos animais ferozes.

Sei que agora estamos distantes

mas o nosso amor

é para a vida inteira

 

Versão II

 

Quando numa noite você

corpo úmido de suor

Acender mais um cigarro, sabendo que vai  partir

num momento cravejado com pedras brilhantes

da sua mais doce alucinação

Você ainda vai rolar e gemer mais um pouco

... ainda existem vozes na rua

nem tudo se resume em silêncio

em quase poder se escutar o sussurro das ondas

nem tudo é isso – ainda ...  e se tudo fosse agora?

uma oração no meio da noite talvez,

aliviasse o peso da culpa

E se lhe viesse uma lembrança para aquecer

o peito jovem?

Você poderia recorrer aos nossos mistérios

com duendes, gnomos, comadre Florzinha 

tomarmos uma infusão...

Mas tudo isso é enquanto deitado na cama

você não consegue dormir com o calor

Filme acelerado

Corte em todo o pensamento

sua recordação dos tempos

memórias de solidão

contradizem-se faiscantes

Você procura o interruptor

com sofreguidão

no escuro quer acender o casamento

amor que numa  vida inteira

não conseguiu entender

c-o-m-p-l-e-t-a-m-e-n-t-e.

 

 

 


NIRVANA


Paro em pleno movimento cósmico

mudo, quieto em meio ao trovejar de pensamentos alheios.

Ferido, petrificado pelo sal, doçura do amor impessoal...

Atemporal retrato imutável do ser na diversidade...

Olho o céu azul

daqui, do mesmo lugar ou dos distantes limites do universo.

Mãos no peito, perdido/ achado, junto ao grande arquiteto, eterno, que é, no foi/ será.

Estou numa curva, arrecife, floresta

... em calmaria, tempestade.

Pés  no chão,cubro-me com o lodo da permanência, no voo.

 à margem na complexidade do mundo simples

 sem dor, sem esfuziante alegria ...Aqui, qualquer lugar:

Nirvana... agridoce trago. Vértice, vórtice,saboroso travo sem gosto.
 Colmeia, salitre, sobre vermes e cetáceos.
Este corpo ferido, penetrando
 a mais pura entrega ativa.
pelo universo que me atravessa.


Platina / Seu beijo

 

Pensei no seu beijo quente

e você chegou

 eu estava deitado na areia

 a luz da lua

platinou o nosso amor

como um  manto

envolvendo nossos corpos

você meu canto

esperança

suas mãos afagando-me

como num sonho bom

a água mais pura

da sua boca na minha

as estrelas eram pedras preciosas

você minha joia mais rara

sobre tecido indiano

prateados....

êxtase!

 

 

 

 


 DOIS CORPOS

 

Em riscos paralelos, nos espargimos pelo chão

em faíscas

como uma voz que se separa do ar

distintamente, ambos invisíveis

o resmungo de um bicho

o ranger duma porta

algo nos atrai

para  centros diversos

moer a lembrança como se mói pimenta

pegamos estradas

alegria rápida, vida na despedida

nos separamos

na explosão da última vez...

grito medroso se esconde

n’ algum lugar dentro de nós

nos arrastamos pelos minutos

nos consumimos

com sede

fome ...

Derrama-se agora uma escuridão fria

sobre nossas lembranças.

 

 

 IMAGEM NOTURNA

 

Você saiu pela rua

com a fome de sete dias

querendo mais aventuras

perdendo-me e eu não via

você de boca rasgada

em busca de mais uma noite

em busca de fantasias

você se perdeu

me perdeu

na sua agonia

você com seus dentes

sua língua sem tranca

esqueceu o meu cansaço

nossa casa

Dormiu na rua

xícara sem asa, cigarro

um gole, um trago

relógio quebrado

mergulho no mundo

em noites sem cosmos, rota 66

rindo muito

tão longe

 

eu olho para o mar

este mar de azul profundo

dor

alegria

asfalto

longas avenidas esperam

curvas

montes

mais e mais noite

profundamente

luzes...

e ainda mais vida

atravessando essa nossa madrugada

do sangue dos filmes

de capa e espada dos livros

madrugada eterna dos sexos

nossos dentes de tigre

grito de Tarzan

pássaro na gaiola

sonho de acordar

viajando

latejando no bojo da vida

quente

muito quente

mundo à espera

cama que voou com você

desespero! Eu fiquei...

ah! como se não bastasse

como se viver fosse  dormir

enrolar-se num lençol

e o silêncio espera que venha um dia

o café, pão e manteiga

fantasma na esquina

gritar

cruzar

pensar

viver

agir

vir até mim, você não volta

estranho salário, observo meu Pégaso

sonhos  caros

outras ruas, pedras preciosas

a polícia cósmica me limita

fontes, praça

águas esfuziantes

despertar, sem ter dormido, sem nada

o jornal

o crime, terror: vida renasce

será tudo lindo no sol que virá

lhe trará

eu sei...

enquanto isso eu não durmo

é a vida

Cavaleiro solitário.

 

 


 SEM GENTE

 

A casa velha sobre a montanha

velha morada

cor castanha

os tijolos expostos

desgastados pelo vento

sem portas, janelas, chão e teto

sem gente, sem vida

a velha casa da colina

no fim do vale,

é um mundo – uma invasão

murmúrio do vento, redemoinho

suas entranhas,

o silêncio da noite

o brilho pelos buracos

pelos cantos do chão,

flores selvagens

entre as paredes, colunas

jardim- quartzos, cristais

cintilam à noite.

 

A casa do holandês

 

Gaibu-Suape

beira-mar

velha morada

estranho lugar

castanhos tijolos expostos

fustigados pelo tempo

sem portas, janelas, teto

assobio  de outros tempos.

 

Velha casa da colina

Sob o farol

no fim do vale,

ontem/amanhã

murmúrios do vento,

redemoinho nas entranhas

mato/ flores selvagens

entre  paredes, umbrais.

Estranha relíquia:

Prisão/liberdade/ lembranças

 

 

 FURTA – COR

 

... quando já sem dor ou emoção, penetro

no escuro

começo a escutar os sussurros de pavor

que habitam meu silêncio

a minha ausência

nas noites de frio, quando ando pelas ruas

curando feridas abertas.

 

Entro sem querer

onde podes me acompanhar

meus gritos

no sonho, delírio furta-cor

suor frio que ensopa meu corpo

no meio da noite

desenrolo a trança

do laço frouxo – esperança

tento rasgar as fibras da tua lembrança

do teu riso no poema

procuro em mim o teu gesto

acelero

deslizo nas estradas

Mutante.

                         

 

 

 


PARA DORMIR NO ESCURO

 

Desde que vi a casa

sabia que era torta

seca, sem trinco nem porta

não tinha nada/ ninguém na rua

rua sem nada

sem festas

A rua sussurrava com o passar do tempo

Nossa casa

À espera ...

 


MORMAÇO

 

Corte

sem sopro

sem gosto

cansaço

os pássaros  sem voar

imensidão

plenitude

meu corpo.

 

 

 

 

 


Blues

 

Noite de chuva

Frio

Eu sangrava

Nó na garganta

rouca

corpo molhado

róseo pelo sangue

agonia

vontade como há muito não sentia

meu riso

vida

volúpia

medo letal

estanca

riso frouxo

corpo a tremer

gesto de dor

silêncio

silêncio

volta, meu amor

Seu herói está fraquejando

Volta logo.

 


 HEAVEN

 

À borda da mesa

num bar qualquer

a qualquer hora

sou comportado

perguntam algo

qualquer coisa

O paraíso me envolve

Lembrança do teu olhar

Neste silêncio

paz neste minuto...

Esquecer/ renascer...

 

 


VAGÃO - I

 

Subiram num trem

Vagões se agitam

atrás de olhos rachados

 do olhar perdido

entre paredes

de paixão

ventos da viagem.

Nova promessa.

 

 


IMAGEM DO SILÊNCIO

 

Espalhada

a alegria volta

como erva que se alastra

imagem refletida na superfície fria

do espelho, presa em estranha moldura

ausência renovada

antigo objeto

meu reflexo se repartindo

lugares ermos

cubismo

meus cabelos em desalinho

olhos arregalados

óculos

paisagem que passa

o mundo

música suave nos embala

outros sonhos 

 pensamentos sem tradução

queria que todos entendessem

 ... nos entendam.

O resto é mentira!

(Tango final)

 

É inútil resistir, você não acredita?

Dizer que o amor pagou o preço do meu pranto

Parece inútil a pureza no meu peito

Viveremos de nós mesmos!

E eu... como quem delira

De qualquer jeito

O resto é mentira

 

Chorei oceanos, vivi no fogo, acordado como quem delira

Agora um novo dia se aproxima

Ai de quem zombar de mim, me trocando

Miserável! Na mais rude pressa!

Por um devasso...

 

Viveremos de nós mesmos!

E eu... como quem delira

Quaisquer que sejam os meios

O resto é mentira

Meus caprichos não fazem jus ao

Meu coração arrancado

pela raiz

e estas ilusões perdidas...

Não valem orgulhosas cicatrizes

Se mereço risos ou admiração...

Não sei. Não direi mais nada!

Meu coração está feliz, pois é só seu!

Está em chamas

E eu... como quem delira

É inútil resistir

Não posso mais fingir

Dizer que o amor pagou o preço do meu pranto

Pra que guardar a pureza entre os meus peitos?

E eu... como quem delira

Viveremos de nós mesmos!

O resto é... mentira!

 

 

 


                                      

(versão2)

 

É inútil resistir, você não acredita?

Bobagem dizer que a dignidade pagou
 o preço do meu pranto.

Chorei oceanos, vivi no fogo,
 sóbrio como quem delira.

De agora em diante
 viveremos só de nós mesmos!

Quaisquer que sejam os meios:

Meus caprichos não fazem jus

 a um coração arrancado pela raiz.

Para que guardar a pureza no meu peito?

E essas ilusões perdidas?

Não valem orgulhosas cicatrizes!

Mereço risos ou admiração? Nem sei.

 Não direi mais nada!

Pra que lhe trocar por alguém?
Não tenho pressa.
Estou feliz por ser só seu!

É inútil resistir...Não posso mais fingir.

De qualquer jeito, o resto é mentira!

 


REVOLUÇÃO NA RUA DA GLÓRIA)

(A Menina da Rua da Glória)

 

Recife-rua-revolução-menina

Ilusão latina

Amei-a no carnaval

Noite finda, a vejo agora:

Ela suspira,transpira,vira,revolve

Suspensa, indecisa, tranquila,se dissolve, se comove.

Mapa perdido: Pernambuco

Menina-revolução sem afeto

às margens secas do Capibaribe

no bairro da Boa Vista

Suplício, precipício, meretrício

Meia-noite, meio-dia: crioula carruagem,

lodo, lótus, baronesa na correnteza,

verdade nua, língua de prazer

Carnaval de lágrima pintada, sina cigana

Nós dois na cama, Éden hipotecado,

Festa, sorriso emprestado, estrela bailarina

sem fio mágico que se suspeite

Ela dorme agora na memória

Como um fantoche desconexo jogado do alto

Revolução: Rua da Glória?

 

 

 

 

 


O monstro”

 

Recife

Pequeno índio

Instinto

Computador

Piano

Harpa

Emitindo notas

E eu me guardo dentro deste coração

Emoção

Eu teço peças e projetos

Invoco rios e mares

E vou me entretendo

Neste lugar chamado infinito

Primitivo

Selva de sangue, ossos, cabelos, músculos

Seio materno

Corrida

Torpor

Versos soltos

Corpo

 

Pequeno celeiro

Raios

Solução

Na balada infame do caçador ferido

Recife me estende a mão...

 

II

 

(Éden)

A primeira rua

Os flamboyants (folha de confete, flor alaranjada)

Tardes de chuva e sol de alvorada

 

Viver para distribuir entre os mais estranhos

As experiências vulgares que me custaram tanto

 

Modernas tavernas

Rimas estranhas

 

Banho-me

A Idade da Razão é uma fraude

Haja o que houver

 foi ontem e não dá mais.

Gozo gasoso

Espelhos alucinógenos

Colagens estapafúrdias

Amigos

Vôo de bruxo se inicia então

 

Na última hora, a última chance.

A esperança: esmagada

O escaravelho

Na pequena ilha perdida

Recife Antigo

Haverá salva-vida?

Aqui onde o mundo começa

Estrelas hoje gotejam chuva louca,

Nestas praias ermas

Cinta de pedra inculta

Apenas seres imaginários na memória

Estou na nascente dos meus rios de tinta

Pernambucútero.

Crepúsculo & Aurora.

Negócio? O ócio?

Vida caleidoscópio.

Agonia atlântica

Psicodélicanálise

 

Erguem-se, do fundo do oceano

Do leito dos rios

Capibeberibe:

Estranhas criaturas, estranhos monumentos

animais,  minerais e vegetais.

Metamórficos

Espaciais

Guturais

 

Espalham-se

Conjuram-se

Tantos!

Dentro do coração

Ondas arrebentam

 Ameaçadoras

Pedras chacoalham

O inconsciente

Torre de Cristal.

 

Sonhos dos espíritos

De todas as metrópoles

Envolvem-me no Recife

Leite doce,puro,virginal,reluzente

Gotas,pétalas, transparência.

Esta cidade que me ressuscita

Ergue-se em nova vida

Qual ferida entorpecente

Cosmos presente

Recife Mamãe

Papai Serpente

O livro,

a dor, as lentes,

o orgasmo, silenciosamente

Contrastes

Terror

 Olhos ardentes

Satisfação

 

Língua que badala o que o domingo calara

Agora já o sabe toda a gente:

É chegada a hora do Recife

 

Já não há tranca que o sustente.

Nem  corrente.

Porque não existe pintura

Claustro

Cadeia

Nem porrada,câncer,igreja

Nada

 

Caça / caçador

Gato manco depois de atropelado

Arrastando-se estrada  adentro

Assustadora  busca

Por uma flor perfeita

O choro dos bebês e dos velhos

Às margens das mortes.

 

 

Recifeclipse!

Julgamento

Tribunal  da língua

Palavras, sabores, desejos...

Cidade oblíqua

 Oblíqua

Cabeças paspalhonas...

A desumana corte

O processo

Os espasmos

A ferocidade do Recife/ Espantalho.

O  revólver em minha direção

Fujo para meu inútil algo mais

Espaço que transcende satélites

Mofo

Chego sangrando

Percebo dedos quentes & reluzentes

 

Os olhos que parecem Chicletes de frutas perigosas

Dopam

Amalgamam

Metaforizam minha grande necessidade

Ó Grande- Mãe,desperta!

Chama teu filho  Recife

Arranca-o de mim de novo: vai!

 

E os dias passam

Modorrentos

Sedentos

cheios de suores

Chuvas, calores, calafrios.

Castelo, casebres, lojas

Espalhados pela cidade

 Os pensamentos

Trilhas adiamantadas, quilates exagerados

Procissões

Apavorante andor

Ardor

Poreja  sangue das paredes psicodélicas.

Sinos repicando velhos dobres

Pela cidade em cada um

Nas ruas.

Calçadas

Risadas ecoam

Há um fundo medroso em cada ouvido

Fingem não ouvir

O pedido de amor que lhes dê coragem para desafiar

A metrópole

...destino...

Estranha aranha,

Suas teias de agonia

A realidade derrotada pela imaginação

Não mais à altura do sonho

Vira pó

Dissolve  vidas inteiras

Parece sempre tão pouco tempo para a paixão

Sacrifício

Dar sentido à existência.

No meio da procissão

Tomado por vã inspiração,

A pior idiotice  é pensar que o homem nasce livre.

Olhos ao infinito

Ele se aproxima

Cores tão intensas tocam minha alma.

Minha mente tão apressada

Quem quisesse  acompanhar esse encontro

Teria que dar saltos inacreditáveis

Minha música toca

Quando Recife atira para o lado o corpo de um guarda

Os outros mergulhados no absurdo se afogam

Na ilusão de algo que os afaste deste lugar

 

Unhas,pêlos pretos,olhos vermelhos

Estranho sinal o anuncia

Envolve a criatura.

Ele se arrasta em busca de mim

Pela fria entrada dos meus aposentos

Na varanda um pássaro pousa.

Um pássaro canta na varanda

Estridente

Com aquela cara boba de passarinho

A metrópole aproxima-se

O pássaro foge

Recife olha-me

Flamejante

Encrespa-se

A noite vai descendo  até o chão.

 

III

 

(A Missa)

 

Ele sente o poder da minha fortaleza

Vácuo

Igreja de antigas solidões

 

Ele quer a minha essência

Paralisa o meu corpo

Não há escapatória

Nem improviso

Possíveis

 

Escrevo estes versos a contragosto

Esparramo estas linhas ao relento

Agora que tudo está para se decidir

 

Através do vitral

 Estranha luz barroca nos redimensiona

 

Paraíso perdido

Vingança

Vitória

Labirinto

História.

 

Não há caminho de volta

Nem lugar que me  salve?

 

Recife-lagarta rastejando  para a metamorfose

Casulo

 Néctar do infinito.

Quer interromper a minha Missa

Evitar a consagração

 

IV

(Rainha Memória)

 

Tenta dominar minha alma

Sinto algo estranho

Nas minhas veias o mal tenta alastrar-se

Minh´alma e corpo postos à prova ,

Amor & morte

Eu e a Metrópole

Em estranho tabuleiro

 

A minha torre: a extensão do meu corpo

O rei: a sombra de um gavião

A rainha:minha memória

Os peões estão nos morros

Os bispos: os desertos,

Os cavalos: sertões

A natureza silencia

Eu percebo através das poderosas lentes

 

A Lira sobre a mesa-

Muda há muito tempo.

Estranha epifania nos envolve

Isso provoca tosse no monstro

Ele ruge.

Seus tentáculos etéreos

Buscam meu pescoço.

 

Sinto o calor de uma imensa fogueira.

 

A cidade recua

 

Percorre-me as veias um sentimento de alquimista

As coisas ao meu redor parecem verduras apodrecendo.

Cabeças de Medusa petrificando Brennand

Estátuas morenas onde  Amor pousou um dia...

 

Recife exibe as suas feridas e pesadelos

Cicatrizes .Ossaturas,quadros –

Ouro envelhecido pelos séculos

Nudez

Legião

Consciência

Infâmia

O céu

Parece  rasgado por golpes de facão

Estranho

Cai colorida chuva fina

Relâmpagos...

Raios.

As engrenagens  da cidade derrotada  brilham ao longe

É a verdade como ficção

Arranha-céus se contorcem

 

Recife volta-se para mim

Aumenta o barulho da chuva

Um vento frio vem do lado do quebra-mar

Grandes serpentes negras avançam

O pássaro da sabedoria espreita,

O espírito do mal vagueia

A magia bebe na grande fonte

 

Os gestos do Recife tentam incorporar o infinito

O fracasso da humanidade humilhou ricos e pobres

 

Há muitos cadáveres boiando no rio

 

A cidade observa tudo

Sem pressa

 

Não há vaidade no Recife?

Nem remorso?

Ele se transforma em todos?

 

Misturo meus desejos com os da cidade

Ela que me mostrou um caminho e seguiu outro

 

Não choro

 

A dor é grande pela cruel destruição

Cada minuto que se esvai

 Contém ânsia de eternidade

A chuva acaba com tudo

 

A peste devora o resto,

O fogo cresce

Explosões

Não há como fugir

Resta-me a insensatez.

Não lutar  mais

Entregar-me

 

Improvável, mas não impossível

Lateja ainda o meu coração

Em concerto com o coração de pedra da cidade

Em estertor

Vigiado pela Metrópole sorridente

Que me mostra que tinha razão

 

É o pulsar final do amargo verbo chamado  esperança

A suspeita e a certeza.

 

Recife abraça-me.

 

 

Volver  a  los  17

(O Monstro, VERSÃO 2.0)

 

Dorme dentro de mim

Ainda

Um monstro,

Um pequeno índio chamado Instinto.

E, como se fosse um pequeno computador

                             Um pequeno piano

                             Uma pequena harpa

Emitindo notas maravilhosas

Às vezes me faz chorar

E eu me guardo dentro deste coração

Eu me protejo na emoção

Eu teço peças e  projetos

Invoco rios e mares

Seres cósmicos, novas espécies

E vou me entretendo

Com velhas canções .

 

 

Este monstro chamado Instinto

Neste lugar chamado infinito

Domina-me de modo selvagem

               Sinto-me primitivo

 

 

Ó selva de sangue,ossos,cabelos,músculos

Que penetro

Que espero desde os 17.

Vida que me prometi

Ó, sonho que acalentei!

Ó, seio materno!

Ó, verão de setenta,vinho-lua-licor do céu

Paro.

Frenética corrida- Frenético torpor

Versos soltos – Espumas Flutuantes- Castro Alves-

 Ninguém responde ali:

Eco do meu corpo ao redor deste pequeno coração- celeiro.

Emito raios, descubro soluções

Descubro outro monstro, que me dá sua mão.

Filmes,viagens, fotografias de Marte.

Primeira estrela da noite.Primeira Paris.

Ó, Balada Infame, ,esta do caçador ferido

 

II

Ainda lateja nos meus sonhos a primeira  rua

Ali vivo e percorro por entre os flamboyants

O caminho que conduz ao Éden

Sublime desejo das tardes de chuva e sol dourado

Tecidos do pequeno príncipe,paixões de Buda e silêncio

 

Vivo para distribuir entre os mais estranhos

As experiências vulgares que me custaram tanto

 

 

Escorro dólares afanados, as publicidades warholianas.

Poucos me entendem, menos Ainda incensam-me.

Beiro as décadas qual Dante apavorado pelo tédio.

Busco nas modernas tavernas rimas estranhas e convictas:

Surge,surjo.Vêm como  em Romaria.

Encontro-me Jerusalém, Pompéia, Cairo, Assuan.Penetro Abu Simbel ,

sou Agatha,Poe,Paglia,tantos.

 

Banho-me em Sartre: a Idade da Razão é uma fraude

Haja o que houver, foi ontem e não dá mais.

Fazenda Nova? Quantos modelos rejeitados!

Sexo que lateja,sexo que entorpece.Gozo gasoso.

Espelhos alucinógenos- colagens estapafúrdias

Amigos que vão do nada para mim.

Vôos de bruxos mulheres que se abrem.

Vaginas lúbricas,pênis que fazem doer.

 

Na última hora, a última chance.Lá está a esperança:esmagada

O escaravelho de Londres.

Noronha escrachada em Sanharó.Em Nápoles

Numa pequena ilha da Paraíba.

Quem jamais saberá de mim?

- multitude.

Só no Marco zero haverá minha paz.

Quero o Marco Zero onde o mundo começa

                                                                 no Recife.

Os versos continuam em narrativa teatral.

As estrelas hoje gotejam chuva louca,

Amanhã novos voluntários “cerebram”

Haja português que agüente minhas praias

 ermas de seres imaginários

Meus rios de tinta,papel e máquinas.

Vejam:céu,inferno e purgatório

Florença rediviva.

Pernambuco útero.

Recife crepúsculo auróreo.

Vida caleidoscópio.

Escorpião melhor amigo

Leão do meu conforto

 agonia pacífica.

 

 

Erguem-se, já vejo,do fundo do Atlântico, do leito do Capibaribe:

Estranhas criaturas, estranhos monumentos

                                                                            Pedras e vegetais.

Seres metamórficos,espaciais,guturais

Lá de Triunfo,lá do Vale do Catimbau, Buíque sem fim

Vêm de Fort Lauderdale,das montanhas da Áustria,da Suíça,Washington,

já nem sei.

Espalham-se velhos e novos espíritos.Conjuram-se em Hamlets

Cordões Encarnados.Palcos do Valdemar,Santa Isabel, Apolo e mais tantos!

Vêm de Robertos Lúcios, Cadengues, Bartolomeus

Caio, sangro, levanto, Rio-São Paulo-Gaúcho Belém

E dentro do meu coração

O pequeno índio inocentemente,transformou em nuvens brancas num céu azul

Aquelas pedras que chacoalhavam no inconsciente.

Nos sonhos calaram-se os gritos do Norte- Sul

O que apareceu,

O que não podia ser sempre semente

O que deixou as trevas e brotou de repente

Foi um leite tão doce,puro,virginal,reluzente

Gotas,pétalas,amor transparente.

Rompeu-se o dique,pressionado pelo Monstro /mente

Ergueu-se uma nova vida.Perdoou-se a causa da ferida

As portas de par em par abriram-se

Um tráfico entorpecente sol e luas novamente

Cosmo da arte tão presente

Mamãe,papai- o resto tão serpente

As maçãs,o vento,o livro.

O testamento,a dor, as lentes

Escorre o orgasmo em anos,silenciosamente

Em contrastes com o terror:os olhos do doente.

Não se adia a satisfação- para frente

As línguas badalam o que os domingos calaram

E agora já o sabe toda a gente :

É chegada a hora do monstro

Já não há tranca que o sustente.

É o fim,é o fim...de toda a corrente.

Porque não existe pintura

                             psicanálise

                             cadeia

                             nem  porrada,câncer,igreja

                             que tenha justificado o Monstro

porque ser – sem ser captado,caçador,gato manco depois de atropelado

arrastando-se estrada  adentro em busca de um bar

de um  sexo que nem ele quer

O Monstro fica de costas

                  às avessas travessuras.

O Monstro é uma flor graciosa,perfumada,maquiada,travestida.

Cercam-no rosas multicores:espanholas,alemães,inglesas...

Ele vaga por sessões espíritas

Toma café da manhã com Roma Católica

Em todos os filmes ele está no choro dos bebês e dos velhos

à beira das mortes.

O Monstro é como Petróleo

Ele ri do ridículo Apocalipse prometido há dois mil anos...

Falso cálculo de eclipse!

Julgamento dentro de mim- gordo coração crescendo.Garganta

 fumaça,comida,beber

 

Língua de palavras,sabores,artifícios

Guerra oblíqua,putas paspalhonas...

O Monstro no celular- na fita celulóide

Desfalco.Falso andróide,humana ponte de safena

Despejo,trançando planos ao redor do meu sangue

Possuidor possesso.Eu sangro, no interior...de Pernambuco

Espasmo, perco minha ferocidade no Recife

Espalho, espero, atiço

Espantalho.Aponto o revólver para a sua caverna

Esparramo .É inútil,só quero algo mais

Espeto.Tendo e tido tudo

Espaço

A gula me transcende .Explico

Maldita lei ...satélites caindo

Mofo-

Madonna arreganhada sangrando

Dedos na vagina quente

                           Reluzente

Desuso.Encantada pela oração que a redime, pecadora infame

Disco, digito.Petrodólares tilintam ,arregalando os olhos do Monstro

Mastigo !Chicletes  tutti- frutti  acalmam,amalgamam a ânsia.

Metaforizam, eu creio,a necessidade de mamar,de se sentir-

fazendo,

participando.

 

Ó, Grande- Mãe Canguru,desperta!

Chama teu filho  Monstro.Arranca-o de mim de novo:vai!

 

 

E os dias passam,modorrentos,sedentos,cheios de suores,

chuvas,calores,calafrios.Castelos,casebres,

lojas empilhando-se pelas cidades,nos pensamentos

Trilhas adiamantadas, quilates exagerados

Dispersões,conjurações,passeatas.

Eu seguindo o cortejo.Eu me carregando,em apavorante andor

Ardor ,fervilhando sangue

Paredes psicodélicasRituais angelicais.

Sinos repicando velhos dobres pelo Monstro em cada um

Nas ruas.Calçadões.

Indo e voltando.Dando risadas que ecoam

no fundo medroso de cada ouvido

pedindo ao amor que lhes dê coragem para desafiar

 este Monstro ,chamado destino

Estranha aranha,que trabalha as teias da agonia

fazendo com que a realidade,sempre derrotada pela imaginação

 não esteja mais à altura do sonho

e que uma vida inteira pareça sempre

 tão pouco tempo para a glória,paixão,sacrifício,

tudo que  dá sentido à existência.

No meio da procissão,tomado por vã inspiração,

 imagino que a pior idiotice  é pensar que o homem nasce livre.

Dirijo meus olhos ao infinito,capto-o pelo canal dos meus olhos

Nunca cores tão intensas tocaram minha alma.

Minha mente anda tão depressa

Quem quisesse me acompanhar teria que dar saltos inacreditáveis

Omitindo os elementos de ligação

Inconseqüente como criança

que não tem a menor idéia do que a vida pode fazer com ela.

A única maneira (à qual me agarro enquanto rezo,oro,entôo ladainhas)

                             de ser feliz,

é  não saber que sou feliz.

Recuso-me a acreditar que o passado é um bom lugar para se viver.

Imagino-me um tipo que faz alguém ter vontade de fugir da cadeia

Esfrego minha bola de cristal e vejo que para ser atacado pelo monstro

basta alguém   provocá-lo((ele devora seres humanos rapidamente)

nem a música acalma sua selvageria

e com o mundo do jeito que está, ninguém tem muitas chances

e o monstro quando se apossa de um corpo(ele não perdoa nada)

velhos e jovens são mergulhados no absurdo e lá se afogam

na ilusão de algo que os torne humanos novamente

o Monstro faz-nos pensar que não há relação espontânea

que o trabalho e o estudo só nos desgastam

ele nos quer no inferno,ele enerva até um santo

transforma todos em seres vulgares.

 

 

Chego em casa depois do culto

O Monstro está fora de  mim.Unhas,pêlos pretos,olhos verdes,

varanda para o mar.

Uma estranha melodia se faz ouvir ,envolve o ébano da criatura.

Ele se arrasta em busca de alimento pela fria cerâmica do meu apartamento

Na varanda um pássaro pousa.Um pássaro canta na varanda

Estridente.Com aquela cara boba de passarinho

O Monstro aproxima-se.O pássaro foge

O monstro olha-me diabolicamente.Olhos mortiços, sem vida, cheios de frieza .

Ao longe várias flores   exalam perfume.

O mar  encrespa-se

A noite vai descendo  até o chão.

 

 

 

II

 

O Monstro sabe que ao deixar meu corpo,o contaminará com o fim do poema

Ele sabe que qualquer que seja o escopo,será ruir a escultura,o sistema

 

Por isso ao olhar para outro espaço

Ele sente palpitar nas paredes do seu lar-meu coração

Um novo castelo,novo paço(chamado vácuo)antiga solidão

 

Ele não se importa,ele segue buscando seu prazer

Experimentando nova sensação

Na verdade só o que lhe interessa é se satisfazer

É ejacular,curtir,tocar novos corpos,explosão.

 

Meu corpo não tem como fugir dos antigos poetas

Não há escapatória ,nem improviso.

Novas cidades,novos estetas

Só o que é detalhado,é assim conciso.

 

A ignorância não entenderá os anseios deste corpo

Os intelectos dirão “foi fraco”

O que digo é: o monstro chegou morto

Ao reavivá-lo    conheci o vácuo.

 

Com tanto para fazer e tão pouco tempo

Escrevo estes versos a contragosto

Esparramo estas linhas ao relento.Ao contrário do que está posto.

 

Reconheço o inatingível Deus

Suponho meu tão minúsculo bem

Suponho e peço aos seus Que ,ao interpretar-me ,pensem no além...

 

Sigo para novo vampirismo.Entregando-me ,como vítima

Holocausto,ocultismo.No Janga, Gaibu- vítima.

 

E assim as linhas, as letras,o papel,o computador

Janis,Zeppelin e tantos

Ajudam-me a chegar a ti,tão longe do  ardor.Anis,assim,espanto.

 

E no Recife agora tem absinto

Há algo adiante

Alma Mater...definitiva

Esperoe nasce assim o dia:Em espaço /expectativa.

 

Agora paro pela segunda vez –

A segunda queda

O Pai me observa e diz: força!

Porém nada me preserva.

E a rede de proteção-é ferida corça!

 

O sol nasce ontem e hoje.Crepúsculo através

Toda estrela no alforje .És o que és.

 

Não sobra nada de virtude

 nada de esperanças

Nem o novo nem a velha atitude

Só uma velha de tranças.

 

Para que o final do livro?Dinheiro,saúde,filhos família

Uma velha no bilro,a  tecer rendas, perpetuar armadilha.

 

Aranhas são mães,que a vida tecendo

Fantasiam a falta de sentido- afãs de que perpetuando- se,

vão o sistema mantendo.

 

Ó, útero inicial...Por quê?

Ó, paraíso perdido até quando

É simples:é bom-a carne , vinho o auê.

O problema é ir agüentando !

 

As mulheres perdem mais

Num mundo onde o Monstro teima

Porque uma fêmea jamais

Chegará ao trono de onde ele reina.

 

Viajo aos setenta

Ardo querendo

Buscar onde ele se assenta.

Morro sofrendo

 

E assim seguem estes espíritos

Buscando a vingança, a vitória

Esgueirando-se pelos becos esquisitos

Desvirtuando a pança deste inseto- a História.

 

Não há caminho de volta para casa,conforto.

Nem lugar de curtição que nos salve,embale

                                                        Um porto

Nossa insatisfação, anseio, tudo:            cale!

 

O Monstro é uma lagarta rastejando por uma dose

Sou borboleta querendo a flor

Ambos metamorfose

Buscando o néctar do infinito.

 

Morremos pelo mito da caverna, saída tão estreita

Um cometa que nos guia

Trajetória imperfeita

Nem só o amor alumia.

 

Dessa última vez vamos tentar

Ser família,ser feliz

Todos juntos no altar

Neste sábado que sempre se quis.

 

Porém você não quer entender

Não quer me incorporar

Meus medos satisfazer

Só posso me entregar.

 

Uma mulher e um homem no mundo

O peixe e o mar.Imolação.Tentar

 

Problema...caminho.CarinhoTestemunha

Acabrunha !

 

Este testamento é falho

Porque sou apenas a cela do Monstro-sexo

E não destruirei o espantalho

Que torna tudo desconexo.

 

Solidão incomoda minha busca

Ela tortura meu sossego de pedra

De qualquer modo ofusca

(Greco-romanos- egípcios- portugueses)  engendra.

 

 

Digital.Mal.Setenta,oitenta,noventa,dois mil e um-fatal.

Conclui o Monstro: tenho o infinito

Acredito

Longo olhar , sobre o mar

Suave brisa- reflito.

 

E ele não me deixas encarar isso sozinho

Velho vinho

Guerra  onde me afogo e que me sacia

Nada me alivia.

 

 

 

  lll

 

 

Estou no 23º andar do edifício Marajó

Ao lado do Parque 13 de maio

Com o grande Recife aos pés,ao redor

Dentro de mim o monstro se retorce

Aceito-o pois não há saída

É melhor que tentar me enganar

 

 A coisa se espalha em mim,brinca

Nas minhas veias o mal que facilmente alastra-se num contágio sem fim

Minha alma é posta à prova ,e como  políticos que se esfaqueiam e se beijam,

Eu e o monstro mergulhamos nossos olhos no Atlântico.Logo ali.

 

Os humanos ,como formigas , se movimentam 

Em  estranho tabuleiro vejo Olinda.Boa Viagem.Arruda.

 

A minha torre (extensão do meu corpo)

 a sombra de um gavião  é como o meu desejo,as memórias

que trouxe das montanhas,dos desertos,sertões,viagens,minhas criações todas.

 

A natureza está quieta nesta manhã de sol tão urbana

E eu percebo através das poderosas lentes

Que ninguém sabe o jeito de amar a si próprio

Envolvidos pela ganância ou pela abstinência

Os desejos são embalados pedem empurrões.

 

A vontade cortaas raízes da vida

E eu respiro ao escutar o assobio vento nas janelas

Meus companheiros  chegam ,,partem

Lembranças fotografadas.Passado. Presente multicor 

empurram -se  em sonho, para frente

–é tarde?

 

 

Recebo no rosto elogio e ingratidão-

Avanço para o desconhecido- Novos amigos?

 

Observo o violão sobre a mesa-

mudo há muito tempo.

 

Parece que os sentimentos mudam,

As nuvens desenham sombras entre os prédios,

O azul-/verde/cinza/dourado-prateado do mar,cintila

 

O telefone toca-

Alguém para dizer que me ama,é chato.

Meu amor dispensa declarações assim

As palavras atropelam minha calma.

 

Há momentos de epifania que se dissolvem

Não têm fim nesta busca

 

Minha vontade provoca tosse no monstro

Ele ruge.

Suas mãos assassinas e etéreas

Buscam meu pescoço.

Eu tusso,escarro, me beijo.

Procurar saídas excita.

 

As bandeiras vermelhas se agitam,o país busca.

As notícias em ondas reverberam

Livros,

CDs-

 imensa fogueira.

A verdade muda

 como  a direção dos ventos

O brilho,o calor, alfinetam nossa lentidão

Não adianta racionalizar sentimentos.

 

O monstro sai de mim ,se espalha pelo mundo.

Diz que os maus momentos  ensinam o que é bem,

E que não há razão na terra  Capibaribe .

 

Nas ruas do corredor que sai do mar 

E se joga pelas ruas  1º de Março,

Nova, Imperatriz e...arrebenta na Praça Maciel Pinheiro.

 

Amar-se,descuidar-se refletindo céu e inferno

O monstro a voar passeia pelas orlas

Mostra-me sexos ardendo, peles , pêlos salgados, perfumados, preparados.

Lá longe em  Casa Forte, a umidade,o perfume das plantas,

o conceito armorial encastelado.

 

Devo corrigir meus versos?

 

Os freios da consciência,a velocidade da vida...

Não sinto somente seu olhar,compartilho com o monstro

 este sentimento cósmico de  alquimista solitário.

Entramos no submundo

Faróis,portos .Recebem e sacodem

A beleza destrói quem a possui,o poema tece um chicote

a açoitar a estranha placenta

Respingos nas imagens sacras, o que sobrou dos séculos

Frutas apodrecendo. Insetos.Cabeças de Medusa petrificando

Estátuas morenas onde  Amor pousou.

 

O monstro brinca na lama do meio-dia da pressa e da perfeição,

das feridas e pesadelos,enquanto ao sul ,aproximam-se

nuvens cinzentas, vindas do Cabo de Santo Agostinho.

 

Minhas cicatrizes .Ossaturas,quadros –

ouro envelhecido pelos séculos

Nudez lasciva,

Guerra dos Mascates  em mim,

farsa da batalha dos Guararapes,

eterna Confederação do Equador.

Balelas,panelas,gravuras amarelas

Jovens e velhos estes versos tropeçam,como rebanho tangido pelo monstro

Consciência .Indecência, animal  Recife a se deslocar inseguro

 buscando no horizonte aberturas subterrâneas , golpes de facão

Aqui a verdade vale tanto quanto a hipocrisia

Festa ,trabalho e pão

Poetas fingidores acostumam- se ,viram  asfalto melancólico.

 

A força da engrenagem alimenta a única verdade:

Nada é definitivo.

Se a cidade for derrotada não vai ser porque desistiu

Seguimos, apertando parafusos, estruturando a verdade como ficção

O animal dentro da capital de Pernambuco paralisa alegria e tristeza,

rouba honestamente pois sabe que seus filhos  tornam-se mais humanos

a cada perda.

Pequenos tiranos zeram contas ,erguem arranha-céus fascinantes.

 

 

 

O monstro volta  com trovões e vento frio.

Todos correm sobre ruas que lembram serpentes negras

O pássaro da sabedoria espreita ,enquanto o espírito do mal vagueia

A magia bebe na grande fonte

Os gestos do monstro tentam agarrar o infinito

O fracasso da humanidade humilha ricos e pobres,empesta

 

Ação:o cadáver quando nasceu já sabia de tudo,brincou com a morte

Futebol,dominó,barrigas,novelas,caninha,caldinho,três sexos

O medo recebe a luz:ninguém vai levar a sério

Sem medo de ser tolo ,de si mesmo,sem pressa,sem se afligir,improvisando,

sem chorar o monstro é o campeão na arena do mundo real

 eu olho a platéia penso nas apostas.

 

Não há vaidade no monstro.Nem remorso.

Cada passo contém todos

Tento arriscar o que levei tanto tempo para conseguir ,

Misturo meus desejos com a cidade que me mostrou um caminho e seguiu outro,

inútil confiar num senhor de mãos vazias

 

As vítimas das secas e das enchentes,os miseráveis querem

sexo,vinho,pão,orações,abrigo.

Não choro: muito choro demonstra espírito fraco.

Se a dor da perda foi grande , a nova aquisição não será,

não há o que escolher entre coisas estragadas...

Na cidade destruída cada minuto contém a eternidade-

 a chuva acabou com tudo, a peste devorou o resto,

fogo cresceu  ficou difícil de apagar,

Fugir dele é afogar-se na insensatez.

O hábito de não lutar  contra as injustiças destruiu os sentimentos dos recifenses.

Improvável,mas não impossível, lateja ainda o coração da cidade,

um coração de pedra vigiado pelo monstro sorridente que me mostra que tinha razão.

É o pulsar final do amargo verbo chamado  esperança

A suspeita mostrou-se pior do que a certeza.

 

O monstro abraça-me.

 

 

BALADA NO JANGA

                             

Em busca de aventura, compus um poema

Versos astutos, tema cruel

Vento da noite assobiava na janela.

Bebi um pouco de rum que trouxe

Noite escura que não esqueço,

Coloquei entre as estrelas meu endereço

O ouro que trouxe do Recife esgotara-se,

Os sonhos de rapaz tiveram alto preço...

Cão da cidade no meu encalço

Todo oceano é pequeno para fugir

Todo brinquedo insuficiente,para me divertir.

Numa espécie de jogo esquisito e perigoso ,

Apostei minha última chance

Calças vermelhas, casaco blue jeans,

Óculos de Lennon,num lance

Entre os deuses coloquei minha sorte,

Fui julgado por um jumento fedorento

Não vacilei um só segundo na hora do corte

Que foi lançar meu pensamento

Criando meu próprio universo:

Novos seres,nova geografia

Desci da montanha da maldição

Trazendo vivo o mandamento que lá jazia

Cabala de emoções,

Multipliquei-me de várias formas

Em paisagens dramáticas

Subvertendo normas

Animando a imaginação

Acirrando a fúria

Pela morte do preconceito

Sete mares (nada é tão profundo)

Nunca foi suficiente para mim  só olhar.

A solidão do mundo

Bebi o ácido licor dos vales encantados

Amotinei-me contra a Razão

Barco sem rumo sob lua nascente/Sol poente

 

Dados rolando

Janga  tango

Refaço o tempo com letras

Vivo intensa aventura

Na espuma desse mar jungle/ jangada

Novo tempo se estrutura

 

Esqueletos não me assustam

Deserto eu não temo

O mar enfrento

Solidão é brinquedo de poeta

Se é para não me calar,eu tento

Balada do Janga vou compondo

Incrementando minha jornada

Portugueses,holandeses:

Recife ao longe nunca está parada

A cada barco,novo sonho.

Voz de mãe a lembrar

Mistérios do mar

Mistérios do mar...

Filho: estarei rezando

Eu te amo  tanto

Esse mundo é tão grande

Pode-se ir para sempre

O horizonte se expande

Filho:vou fingir que não sofro

Que você não faz falta.

Filho:chorarei todo dia

Ao lembrar que está longe o meu filho

 

A roleta

Olhos faiscantes

Paixão enlouquecendo

Perigo da deriva

O mundo dá tantas voltas

Na trama vai se perdendo

A minha vista animada

Vê depois da ponte

O fim do Rio Doce

Atrás de Olinda está a Metrópole

Roendo as unhas

Contando os dedos, como se criança fosse

Tal uma ilha perdida,sem mapa

Sem saída:nem lei, nem lenda

 

Enquanto isso, toca num rádio bem velho “Hotel Califórnia

Posso pedir a conta a  qualquer hora

Mas nunca posso ir embora

Tripas para fora da TV

Cachimbada

Comida de vermes

Boca de tubarão

Sem demora

Um velho anuncia o resultado do embate:

A lâmina,a ponta do facão: zaz!

É chegada  minha hora

Desenrola-se o carretel

O corvo diz nunca mais...

 

Tirei a sorte grande!

Quem mata  a esperança,engana-se

Bem se vê

Ergo os braços:vitória

Como num desenho animado futurista

Compartilho com seres mutantes, essa conquista

A noite ter assim terminado

Esta foi a Balada no Janga :

Eu,vencedor de mim mesmo

Sigo mais relaxado.

 

 


PASSAGEM

 

Lá vai

sem graça

madrugada

largando a caça

Madrugada

a vida meio chata

impossibilidade transpassa

Francamente

Displicentemente

distraída

apartamento,vazio

perto da praça

Jogo inútil

metáforas repetidas

carcaça

 

Suspiro, transpiro, respiro,me viro, disfarço

 

Varo a vida

nem ódio,nem amor

Descalço sapatos novos

Visto roupas eletrônicas

Pego o elevador

Playground assassino

armadilha suicida

Leve tremor

Dia passado

falta de amparo

inútil rancor

Levantar das âncoras

Quebra das correntes

nenhum frescor

 

Suspiro, transpiro, respiro,me viro, disfarço

 

Nada espanta

músculos se fortalecem

olhos se atiçam

Um certo clima

certo dancing day

Ritmo dissoluto

Drink  transparente

mulheres cantam

 

Suspiro, transpiro, respiro,me viro, disfarço

 

Cabelos incendiados

desejo que insulta

Luto

Cerveja de novo

Cigarros

noite vazia

carro com multa

Amanhece

crepitando

sol

Aviões que chegam,

Eu parto

 

Suspiro, transpiro, respiro,me viro, disfarço

 

Nuvens vagueiam

sacudidas pela repentina  brisa

Dentes

Narinas

O filho aparece no café expresso com bolo, indeciso

fatias do fígado de Prometeu

o coração repisa

 

Suspiro, transpiro, respiro,me viro, disfarço

 

Aperto os dedos

Paletó entreaberto

Coragem

Banco de táxi

lágrima furtiva

no meio da viagem

na paisagem

Rito de passagem.

 

 

 

 

 


 CONHECER A VERDADE

 

Conhecer a Verdade

Saber da ávida ânsia

negra claridade

Iluminar abismos confusos

menos favorecidos ou profusos

 

A verdade é conceito vão.

O futuro é sonho que se faz.

Crer ou morrer.. pensar, tolo afã

No erro, na Ilusão/desilusão

Triste/ alegre Canção

 

Não torço pelo esforço/ Alvoroço

Não descasco máscaras no calabouço

 vale tudo dos lúgubres repousos,

céu da divina comédia...

Alma e asas abertas...

 

 

 

 

 

DESAPARECE O SOL NA MINHA JANELA

 

Desaparece o sol na nossa janela

De um dia feliz sem mazela

 Azul púrpura alaranjado, repicar de sino

Homem sombreando menino

 

Ventania cinza de outro lugar

Recife, Boa Vista , cores em profusão

Claro-escuro...Outros lumes, jomardmunizdebrittianiano escreviver...

 

Na recifense tarde, há canto gregoriano ao longe, talvez na Igreja da Soledade

Em nós acende-se a fome de viver...


GATO PRETO EM CÉU AZUL

 

Porque numa tarde como aquela

A última chance

Alguém que o esperava na janela

E apostou as fichas no lance

 

Não era jogo perfeito

Nem céu azul nem gato preto

Algo assim transcendental

Olhar, toque sobrenatural

 

Os dois sorriram

Ele agarrou a estranha mulher

E não perderam um minuto sequer

 

Mas o desenlace malvado

Foi inusitada dança

Ritmo desencontrado.

 

 

 

“NOVELA”

 

Ah, meu amor!/ Por que teve que/ ser assim?

Cada copo que bebo/ tudo sempre parece /começo e fim

Do amor/ entre quatro paredes

Eu caí nesta rede/ de intrigas, /trapaças

Como numa novela,/ tal e qual /folhetim?

 

Ah,/ meu amor!/ Escuto a porta batendo

Que maldita surpresa!

Seu bilhete na mesa

Explicando tintim/ por tintim

É bem/ melhor /que seja/ assim

A jogada perfeita

Que com toda certeza

Antecipa o meu fim

 

Se ainda/ resta/ alguma/ chance

Talvez/ alguém/ me ofereça/ champanhe

Me convide pra dançar/...ah, meu amor!

 

Ah, meu amor! Por que tinha/ de ser assim?

Que destino fatal,/ presa num hospital

Sem dinheiro,/ é o fim!

Até que a Sorte/ sorriu/ pra mim

E no lance final/ como numa novela,/ eu /venci!

 

A jogada perfeita

Como numa novela...

Tal e qual Folhetim!

 

 


“ROMA”

 

Anagrama do amor hoje

ontem

Itália colossal

Minha própria vida

No fórum

No Coliseu

Eu mesmo devorado

Deuses e estátuas, imperadores, basílicas

Mercados dos meus amores

Dores etílicas

Uma praça tão triste nessa hora

Sou sacrificado entre muros caídos

Paredes das termas de Caracala

Atravesso as portas monumentais

Carrego, pela Via Ápia

 sentimentos momentâneos

Tremulam mediterrâneos pinheiros

Catacumbas

Esplendores barrocos

Abraço de Bernini

Aperto universal de pedra e cacos

Igrejas, templos, esmagadora arte

Colo da Pietá

Sansão amarrado nos baldaquins

Pareço o Vaticano

Sou o menor país do mundo

Roma que me tenta

No claustro me acho cristão arcaico

Perdido entre naves

Pórticos

Panteões

Guetos hebraicos

Gerânios, colunas, calçadas prosaicas

Vida inteira jogada fora

Sigo rápido margeando a fonte das tartarugas

Busco beijo à luz de velas

Vinho, massas, molhos, desculpas amarelas

Que chegam com a  noite para este viajante cansado,

Continuo através dos dias

Espantado

Hóspede

Palácios mal assombrados

 

 

La dolce vita na Fontana de Trevi

Doce vida!

Dá-me logo a espumante abundância!

Mesmo que seja por um instante breve

Compara-me ao efeito ágil desses cavalos

Rochas, desses deuses

Desse teatro danado

Desta fachada artificial

Nesta pequena praça

Eu, amolador de facas

Jogo moeda, ágeis cavalos, esguicham, escorrem,

Já nem sei, neste labirinto de ruas, para quem...

Ó água incessante

Vento do crepúsculo

Como acabará esta noite?

 

Ando até a praça de Espanha, carícias

Bem sei, virá depois o açoite

Escadaria grandiosa

Vou descendo lentamente, sozinho

Azaléias, café & burburinho

Curvas & reentrâncias

Festa ininterrupta!

Transeuntes & becos escuros

Estrelas, gritos italianos

 

Cadê meus avós?

Perderam-se nos subúrbio dos anos

Em parque sombrio que já nem sei mais

Tanta música na memória

Súbita alegria, de mármore, aliás

Metafísica

Metamórfico reencontro

 

 


O SOPRO”

 

Coisinha linda toda a magia

é difícil de acreditar

É difícil conceber

Nunca pensei

Nunca pensei

Veio como num gesto mortal

Gozado, não é?

Que uma pessoa tão jovem

fizesse o mundo parecer pequeno

Difícil de crer que fosse tão forte

esta coisa chamada amor

É assim que funciona: como um sopro

Que nos leva para lugares,

onde se pode conseguir o beijo da vida!

E onde é fácil de viver (tão fácil!)

 

Eu agora vejo o anjo que me vê

Ele sopra nuvens douradas

num céu azul e laranja

Flauta soprada, ritmo de eternidade.

ODE AO LIVRO

                          

Luar solidificado

fogo congelado

dor que murmuro

Barcos em estranhos mares de vinho escuro

Que me fazem Deus no quarto

Grito que não cala

me crucificam na sala

Maravilhas e perigo: loucura breve

Com água de serpente

ou com sangue

se escreve

A teia de homens

truques da alma

em animal e flor

Sonho da vida de sonho

monstro feito de olhos e dor

Paperback,pulp fiction, luxo

melodia que não posso traduzir

Que me leva de volta às fontes

ao porvir

Velho-moço aprendendo

errando

Corvo e pomba branca casando

O livro

Senti-lo até sem lê-lo

tateá-lo penetrando-o

Buquê jogado no espaço

vento despetalando-o

Fantasma atravessando meu último recôndito

Cascavel celestial

me deixa atônito

Papel

Tinta

luz na minha memória

Vários dias e noites numa só história

Que faz os vencedores se curvarem

Paraísos de leite e mel,secarem

Pavão perder suas cores,

desnudando-se até a essência

Necessário pecado,

nossa arrependida convivência

Livro

Tentativa e erro

retorno à pátria e desterro

Que me faz sombra e candeeiro

Sonho em claro labirinto-frio ou quente

Espelho temeroso/ livre metáfora/inverdade

Alusão às inatingíveis estrelas no fim da tarde

Irrompível cadeia (criação/ imitação)

Online ou na minha mão...

Livre livro.

 

Versão 2: Poema para o livro

Luar solidificado, fogo congelado/Barco em estranhos mares de vinho/Com água de serpente/Ou com sangue se escreve/Teia de homens,truques da alma/Que me leva de volta às fontes/Ao porvir/Velho-moço aprendendo e errando/Livro é corvo (letras pretas)/E pomba branca (páginas) casando/Lê-lo,tateá-lo penetrá-lo/É pegar buquê jogado no espaço/Do  meu último recôndito/Livro: cascavel celestial que me deixa atônito/Papel, tinta, luz na minha memória/Dias e noites, muitas histórias/Livro: faz os vencedores se curvarem/Livros de leite, mel & fel/Livro: Solidão/sociedade/Sucesso e erro/Amor & Ódio/Retorno à pátria e desterro/Sombra e candeeiro/Presença e indiferença/ Labirinto/ Espelho/Nos levando às inatingíveis estrelas/Livro: Inrrompível cadeia (criação/ imitação)/ On line ou na minha mão...

 


AGNUS CASTUS

 

No canto/canteiro

Casto cordeiro

Estranho vinho

Cupido sem niño

Na jangada imprecisa

Que interesse visa?

Ritual em antigas vestes

Hóstia, promessas celestes

Deus, até o fim

Agnus castus, sim

Remédio bendito, amor maldito.

                      

 

 


BALÉ BOUGANVILLE

 

Os ventos levam pólen

e as abelhas também

Orquídeas, lírios,

flores são tão simples, mas incríveis !

Todos os amores convivendo em pleno ar

Pétalas, mistérios e flor a girar

 

Tantas cores, no verde

de noite ou de manhã,

Chuva, sol, sereno: lilás flor da jurubeba

Flor do coco, do jambo, e do maracujá,

Estrelas, muitos peixes, no céu e no mar

 

Flamboyants e dálias, bouganvilles 

mais que lindos

Perfumes, carícias, de um amor tão infinito

Não está no cofre e nem na tela da TV

É na Natureza que você vê

 

Todos os amores convivendo em pleno ar

Estrelas, muitos peixes, no céu e no mar

 

QUAL O SENTIDO DE SER FELIZ? (nonsense)

 

Pagar um preço tóxico por ser

emocionalmente analfabeto quer dizer

não demonstrar fraqueza nem carência

quando doem os próprios sentimentos.

 

Quando se está assim neste estado

vivendo assim... na pele do triste amado

a felicidade nega-se manifestar

Intimidade vira mudez explosiva e estabanada

 

Encarcera-se a fúria de Marte

agonia de Áries, deste modo

Dogmas projetados

personas sexuais

 

Raiz latina não se arrepende

Faz a felicidade ter sentido e não doer.

 

 

ARRECIFE
 
A cidade... velhas ruas
O cinema Moderno
Veneza
Vitrines do final do século vinte
História viva
Lágrimas de Boa Viagem

Estragada em jardins suspensos
Mas te abençôo, cidade, pois és o meu chão
E ainda te amo, Recife

cada vez mais e loucamente
Porque desperto em ti
E
em ti alegria e desespero encontro com fartura
Teatro onde me apresento, platéia cubista, extemporânea
Meus amigos, meus inimigos
Encontrem o Recife de amanhã
Digam que fui um homem sem orgulho
Vai, Recife, faz com outros

O que fizemos juntos tantas vezes
Mas não esquece, Recife, quem te amou
E entre pontes e descaminhos se encantou.


 


SETE FACES PARA O AMOR
 

Quem sai por aí uivando
ou perplexo de saudade
sofrendo revelações
torturado por olhos inesquecíveis
preso na fé cega do amor
pode ser colocado em xeque
pela própria natureza do sentimento.

Com o sexo e o sacro sem nome
o carnal e o místico revelando-se
sem renúncias ou fronteiras
nem culpa nem subversão de nada
a entrega se dá
Shiva masturba-se e nasce mais mundo
em orgasmo individual conhece-se o supremo.

Dos campos desertos
sai o amante para o encontro também
mas é no seu interior que está o labirinto
para desvendar o próprio coração-enigma
ele é todo puro desejo
deseja ser ele mesmo, plenamente
e ter satisfação no querer e fazer

Seu amor pode não ter sentido
feito de coincidências: perdas e ganhos
entre vivências aparentemente absurdas
Ele é cavaleiro das trevas ou da luz
anonimato desmedido & super exposição
orgia do nunca desistir
anjo misterioso - pena bendita / maldita

Ele tem amor excessivo
transpassa o supra-racional
recebe a revelação espantosa
entra em crise profunda
converte-se a si mesmo
descobre o mal dentro de si
mas se entrega ao Divino

Ele ama até a paixão
sem referências
e na corda bamba
tenta o equilíbrio para descobrir
acirra a descoberta do “nós”
projeta no ser amado o Deus (des)esperado
é fiel no profundo mergulho

Não encontra paz no amor
sua epifania é apenas um prolongado exercício
busca a  plenitude
fogo e gelo nos olhos tristes
enganam possíveis leitores

desses versos acabrunhados

livres como ele nunca será.

 

 


Detectada (Misteriosa fonte)
 
Detectada em Londres, ontem
(por nave européia, anotem)
Misteriosa fonte de calor no pólo sul
Numa lua de Saturno, a lua Enceladus.

Disseram que esta lua é toda de gelo
500 quilômetros de diâmetro (como vê-los?)
O que intriga os cientistas
É que a tal lua tem... atmosfera

(Vapor de água e dióxido de carbono)
Colocar num lugar desses, quem me dera
O seu ódio monótono

Sabe-se que ela é pequena demais
Para ainda guardar o calor
Ali você ficaria, meu amor.

 

 


Poemas de Minas Gerais

O pico do Itacolomy alaranjou-se
Cai o sol sobre Ouro Preto
Esconde-se furtivo entre a neblina

Vento do crepúsculo pelas ladeiras
Carrega o passado inútil
A reconstrução da vida
Liga o que fui ao que farei

Passam-se os dias em Minas Gerais
O
vulgar presente me atravessa
Em vão o soluço silencia

Meus passos rufam rápidos
sobre o destino dos inconfidentes
Tudo repetição e deserto


                         II

Sopram as folhas sobre o monte
Descanso tranqüilo no vale
A cidade de Ouro Preto comove
Com tantos silêncios guardados...

Sussurros apontam outros lugares
São João Del Rey, Tiradentes, Mariana
Profetas e Cristos de Congonhas
Cedro, e pedra sabão desafiando séculos, amém

Vaivém das pessoas
Tempo descabido e vão
 romaria

Soam sinos e trovões
Alternam-se cinza e azul

no céu purpúreo
 

                         III

 
Um novo ano, novas preces, acaso, ocaso
O chá do fim da tarde, rito colonial

 A dança dos convidados
A busca na escuridão
 
Brisa suave, silvestre aroma


                        IV

 Janeiro
A igreja do Pilar
Leitura do apóstolo Paulo
 
 O poeta comungou, chorou
Assistiu a missa ao lado da irmã
 


                     V

Luzes de natal esfuziantes
Diamantes multicoloridos
Translúcidos caminhos

Passam-se os dias
Noites

 Sonhos de cobrança
O passado transformando-se
Em combates e esperanças

Ar monástico
Montes ao longe, quintais frutíferos
Algo no eu-lírico vai adiando

O livro

A vida
Algo de ansioso, algo de calmo
Algo que não se esquece

Nem se lembra nitidamente.

 

 

 

 


Mundo deserto de pais

Mundo deserto

Sem você perto
chegou setembro, nordestinada primavera
eu não entendo, tempo de espera
tudo se esvai

tudo é incerto
longa estrada

vida parada
olhar vazio

essa janela
repleta do que eu não entendo

beijo vazio
braços em que não caibo
tanta gente

mundo tão vão
ó vaidade!

espero à toa
uma vida boa
tantas crianças se distraindo
queria ter você sorrindo, pai

O tempo passa em comprimidos
homens deprimidos
tantos anseios
angústia de  mundo que se esvai
gemidos

sonhos
esperança
mensagem

passagem
colo no vidro
adesivo de tantos ais
vida tripla, vida dribla
ninguém escuta
resposta vazia

criaturas da noite

procuram
a desculpa

para o mistério
sem saída, sério

O fogo no coração
a queda
choques

chorinhos
copos com fumaça
estranho desejo

passeio
o mundo pelo meio
telefone

computador
tanta pergunta
poço escuro

mar profundo
olhos confusos ao amanhecer
tinta se esvai

inútil pergunta
cadê o pai?
Novamente flores ao sol
Personagens principais

a me dar beijo de língua

O  galo canta

chama você
Incêndio imenso

esse dia
o universo, o capricho
Preparo a bagagem
vou em frente
parente
serpente
paraíso
O mapa
o caminho

a curva no mato
versos, livros, tantas pessoas
A existência... uma flecha.
 

 

 


REVEILLON 1
 
Rasgo agora mesmo teu retrato

recuso o passado
Amasso um resto da embalagem de bombom
Os dentes

um cálice de vinho do porto
 meu apetite se abre
O próximo prato
A salada passou, o dia passou
Que venha o jantar, eu espero.

Toalha, os talheres, o pianista
A memória d’outros tempos

Os dois dançarinos vendados

Alugados

Os dois artistas, nós dois
Profissionais ao som do tango
Sou máquina masculina
Olhos de amêndoa, pele morena
Você é flor tão viva na sala
Um violoncelo

O licor, o veludo, a joia de presente
A meia-noite

Coloco a mão no bolso
Sinto as chaves hermenêuticas


Coquetel de neblina

água de beijo

lágrimas
Reveillon.

 

 

A HORA E O LUGAR

 

Deságue sobre mim:

O fluxo do seu declínio

Venceu a minha força

Seria arte como verdade

Se você me amasse

como o poeta ama o poema

que o mata...

Teria sido mais fácil

escapar das conseqüências

do que você fez

A arte foi a mentira

que me levou à verdade

eu  bem sei

Verdades e mentiras são tão relativas

Dedos pálidos reclamam seus mortos

A lua, que a noite esqueceu

Me chama

Me sinto muito bem na minha pele

A poesia traçou  para mim um horizonte

Aberturas por onde as palavras deslocam-se

Lúdicas

Desconstruindo/ reconstruindo meios-tons

Verdade em versos

Sentimentos delicados

 Nobre melancolia

O papel-espectador de mim mesmo

Era com o que contava pra sair dessa

Este ator: o que quer?

O que necessita?

O que conseguirá?

Sobre o ser humano não há certeza alguma

Você sem me entender

eu tentando explicar quem é você!

Paixão e elegância nem sempre andam juntas

 

Suja e feia a guerra prossegue

Acrescento uma última volta ao parafuso:

Voltarei quando a noite cair

E o céu não me esquecerá...

 

 

 


JMB, Foucault & o Jaguar

 para Jomard Muniz de Britto



Não existe filosofia, só o filosofar
Saber é poder: sexo e loucura podem punir, não disciplinar
Intelectualismo?

ó Hegel, a História é jogo de azar.

O que é de verdade? A razão ou o querer?
Agora

eternamente,

algo além da razão a nos entreter.
Mais importante que a verdade do passado,

a do presente deve ser
Sartre? Heidegger?

nossa existência é o que dela podemos fazer
Nossa vida é o que improvisamos:

de prazer quero morrer
Sadomasoquista na neblina, ópio do povo:bem-querer.

Psicanálise selvagem?

Conhecimento do eu errático?  Eduardomaiemo-nos
Com Louis Althusser, cheio de marxismos & (limpando os pós) estruturalismos,

O conceito de humanidade poderia evoluir?
A verdade é sempre algo que temos que construir.

Vamos e vaiemos o viver no perigo

do mal virá o meu melhor?
Do erótico, o meu limite? o labirinto-maior?

Que buraco é este do 1° de abril? Quem abriu?
Melodia desintegrada, sugada pelo vazio,

Provemos e provoquemos o gosto e o odor
Será  tudo alucinação?

Qual o porquê da supremacia da razão?

E da des-razão?

Tragam-nos um divã encorajador

E excitante(calma!)
A loucura vive em si mesma,

Van Gogh, Sade, Artaud, tanto amor!

No caos estrelas dançam em glorioso azul
JMB desconstruindo certezas

Em diferenças de Norte a Sul
Faz-nos parceiros do seu tempo

(Agora Ágora/ Picuí)

Tão cheio de frutos, tão quente, tão cru
Palavras, coisas, pressupostos preconceitos:

Aproxima-se como Foucault no seu Jaguar
Episteme que nos surpreende sempre
Toda identidade é incerta.

Vamos tratar do sexo

Comer e beber bem, o resto é blue!

 

 

 


ORAÇÃO PARA INVOCAR LUCILA

 

 

Há quem diga

Há quem peça

Há quem mande

Ela se atreve

Ela diz

Ela pronuncia

 

Profecia

Passado

Presente

 

Ela advinha o presente

Ó translúcida Lucila

Entrega  afetos

Luzes na natalina Casa Forte

Nossos açúcares, nossas taxas

Contas (a ajustar com a vida)

Dissolvem-se diante de ti

Ave poeta, pitonisa! Vem!

Eletriza, chama de Eleusis!

Elegíaca Lucila...

Elegíacos torpores, oferendas, graças...

 

Lerei o teu futuro agora mesmo! (difícil é o presente e o passado)

 

Quem a vir vaporosa, poesia e prosa, trocadilho, sem filho

Dirá apenas algumas letras,

Erguerá os copos, recolherá o líquido,

Na coxa, na Grécia, em Roma,

Na Índia.

Badulaque

Cristal antigo, lapidado por mestres do além.

 

Lucila, te invocamos

Te invocaremos, sempre

Ó lírica Lucila,

Intercedei pelos que entendem o Cosmos

Tão cada dia, tão salvação e armadilha

Guia precioso

Ó mítico oráculo para incertos futuros

Outros muros

Vem já e multiplica tua força

Venceremos!

 

Há quem diga

Há quem peça

Há quem mande

Ela se atreve

Ela diz

Ela pronuncia

Profecia

Passado

Presente

Ela advinha o presente

 

Ó grandiosa Lucila

Entenderão aqui os teus mistérios?

 

 

 

Haverá hermenêutica suficiente para saciar tantos devotos?

Sobrarão alguns versos totalmente incompreendidos?

O que será feito deles?

 

Das tardes impressionistas?

Quem saberá dos cálculos e perspectivas?

Que a todos dissolvem

Quem circulará contigo no Grande Banquete Cósmico/ cômico?Cosmotrônico?

 

Rogamos que entres neste culto

Que venhas e comandes

Este espaço é teu

E nós devotos te saudamos

 

Ave Lucila!

Vem e nos ensina

Orienta/ Ocidenta

Nos faz cruz/ cruzamento

Vem cruzar os hemisférios

 

Faz nevar na cidade universitária

Faz fluir a verdade mais oculta pelo cálculo

Descobre

Extrai

Nova Teoria que se anuncia

E tu és a assinalada

Tu estás pronta

Finalmente

E nós

Acólitos invocamos o momento

Do gozo absoluto

O poder é teu

A hora é esta

A cabala se abre

A gestalt se fecha

A sorte está lançada

 

Recebe nossas oferendas e atende nosso pedido

A terra hoje se abrirá!

 

 

Lucila se diverte

Faceira

Dengosa

Da gema

Diadema , vestido de cetim florido

 

Há quem diga

Há quem peça

Há quem mande

Ela se atreve

Ela diz

Ela pronuncia

Profecia

Passado

Presente

Ela advinha o presente

 

Serpente original do tempo

Atende nossos pedidos

Entra em nós para sempre

Te invocamos, ó Xamã de todos os sexos!

Todos domados por ti!

Paralela!

Vem, ó mulher!

Disfarçada de verdades inventadas

Desde o princípio dos tempos

A verdade é o seu disfarce

Sua comparsa

Elas brincam de destino

 

Ó imaculada Lucila, teus poemas dormem nossos pecados e cálculos.

Rogai por nós

Nesta madrugada interminável

Neste quase ser tudo

Rogai

Ó Lucila!

 

Incertos versos se ajustando

Desajustando

Querendo através de mim e ti

Concertar o mundo


Balada com Conceição  Camarotti

                                

Na linha do horizonte do Recife há uma mulher

Na melhor concepção do escracho,

não é uma qualquer

Da Trindade, das telas, dos palcos

Driblando funerais no jogo estrangeiro, fortes e fracos

Como luz e sombras de constantes carnavais são

Seus olhos, unhas, cabelos, trajes de Lady Conceição

Primadona do Mangue,

camarote para garotos duvidosos

Brincante antiburocrática entre poderosos

Da cerveja com canudo,

do Janga,

do amor Catirina

Marco Zero a lembrar que Mateus alucina

Não, não. Sim, sim, nossa querida é assim

Ei, mulher! Vem cá! Me ensina como recuperar

Meu tempo perdido de poeta

a esperar o circo passar

Vem cá, Bochecha, quero ter mais fantasia

Mas é assim: o jogo do Janga para mim

Homem niño maldito, bendita até o fim!

Olha: um beijo do nosso “cais”

Jangadeiros que somos a querer sempre mais

um abraço do tamanho do espaço, certo

do teu Moisés Neto.                                                                  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



Poemanifestomoisesneto

 

 


Tanta gentileza de sua parte lírica,

quanta rudeza de meus, nossos

a-tentados tentadores tentáculos...

Com muita simpatia.
Devemos assumir as contradições de cada dia
Com muita simpatia
Ninguém mais quase faz
Meio rebelde... mais acidental...visceral.
Assombrado pelo espectro político
que me acompanha desde sempre

(paranóia sublimada)
e que não pode ser ignorado.


Com muita simpatia
minhas posições continuam radicais.
Minha coragem é questão de dialética
Com teorias pouco dogmáticas,
sedimento logo
abro portas da consciência

não aceitando o inconsciente?
instantaneamente consciência.
Intencionalidade!
E não é uma questão intelectual, esta agora

(qual? Quando? Por quem?)
é mais ampla,
Não pega só a inteligência.
Pega também as emoções, sentimentos.
Tudo em mim (egolatria?) é mais ou menos intencional:
intencionalidade radicalizada.
Tão radicalmente intencional
que se não existisse o intencionado,
eu não seria/ teria nada, nada de consciência ou sereia do nonada?

(Haja retórica poética? Pop- filosofia do nadismo?)

Nadando no na-dadaísmo das distâncias

No infernolento sartriano
É por isso que radicalizo a intencionalidade:
O fundamento do homem é o Nada?
O Nada não é nenhum mistério.
O Nada é a distância do sujeito.
Eu sou
Definitivamente
separado

de tudo que me cerca


de tudo.


Com muita simpatia

Só tenho consciência da consciência...
Ela me impede de me identificar com as coisas.
Eu estou separado do Outro.
E essa separação

é justamente

o Nada.

 

Com muita simpatia
Eu sou sempre meio duplo,

isso vem da coisa que o irracional não tem:

A consciência.
Ela: em primeiro lugar.
Depois vem a dicotomia: sujeito-objeto.
E na intimidade da dicotomia
sujeito
objeto
está instalado o Nada.

Hino ao nada!

Elegia do nada inaugural!

Com muita simpatia

Entre eu & você:
um tende a ser mais sujeito

e outro

mais objeto.
Sempre.
Com muita simpatia
chego a dizer que nossa relação é sadomasoquista
o que não quer dizer
patológica, necessariamente
mas tem um grau de sadomasoquismo
porque não dá para fugir
dessa desigualdade.
O sadomasoquismo como intersubjetividade.

Ode às Re-velações.

Com muita simpatia.


O amor? Não existe.
É ilusão.
Não é que não exista
mas não tem estabilidade
tem que ser conquistado a cada momento.
Procurar sacramentar o amor
institucionalizar o amor no casamento
na família
isso tudo parece falso.


Só o ato de responsabilidade absoluta
nesse instante faz-se fundamental
temos pavor do determinismo...
Eles

(Quem? Os Pais? Os Mestres? Os Imperadores?)

inventam o determinismo
para se proteger contra a liberdade
porque é difícil ser livre.
Ter a responsabilidade absoluta.

Viver não é uma coisa aleatória.
Temos que reinventar a responsabilidade
a cada ato cometido.

Com-prometido.
  
Quero des-hotdog-matizar
O importante é justamente a contradição.
Para se integrar ao processo
não se pode sair do processo
pois a totalidade sempre é gradativa.
A história
sendo feita
é uma tentativa enorme

Disforme

Demente

deprê
de humanização
Quanto ao PC (grande enigma do Nada?)

Seu programa impede a reinvenção.
A sociedade (abismos do tudo?)
Ela tenta cercear as liberdades do homem

sepultando o individual.


O ‘‘nós’’? É falsificador; é serialidade.
Tudo sempre é a mesma coisa

(Em qualquer retórica con-textual?)
não há possibilidade de escolha.
É a inércia através da repetição.
Serialidade.


O homem tende a ficar inerte
Se nega na sua condição de homem
A repetição mecaniza o homem
e a inércia o reduz à inação
Levantem

heróis do novo mundo!

(Outro Castro Alves em Rimbaud?)
Tomem consciência de que é cegada a hora...
Cega chegada!

 

 

 

 

 

 

Woodstock,  hoje

 

Vi o fogo nas brechas

Das cascas de pedra

Sabedoria que não se diz

Sonho maravilhoso paz & amor

Flor selvagem unissex

A roçar o céu

Fita azul, nova estação

Despedida inconsistente, hey Joe

Laços nunca enfraquecidos

Hoje, 40 anos depois

Pós lisérgico Imperialismo?

Castelo de nuvens

Palavras profanam lembranças

Manguebeatnik

Joplin música ao longe

Pulso dos invisíveis

Amor que muda de cor

Tempo de sono

Cair mudo das estrelas

Circo, pão e lágrimas

Liberdade é não ter o que perder?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ágata

 

Num mundo de compra e venda

eu iria arrasar

Minha roupa, meu cabelo

Só eu ia desfilar

 

Para o mundo assim criado

Todo para me adorar!

O aplauso no final

Tudo tão sensacional

 

Mas um dia a esperança

Assim veio e me falou

de um novo amanhecer

 

muito mais que essa princesa

que um dia eu sonhei ser

 

Então eu vi a mim mesma

Meio assim noutro lugar

Nosso sonho tem mais vida

Quando a gente acreditar

 

Que é plantando  que se colhe

E os frutos vão brotar

Água  e terra

Mato e gente

Natural é mesmo amar...


A busca

 

Que aprendizado novo nos aguarda?
o da doçura?
talvez o do ar mais puro...
da correnteza tranquila das águas?
talvez o do fogo do sol
o de como se comunicar melhor
com a terra
sobre sermos joias preciosas
sobre deixar a bebida sagrada
tocar nossos lábios
para sermos puros
sermos felizes
nessa busca
que é sempre um presente
um dom inestimável
bom.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Matei o sujeito

 

Matei aquele desgraçado

Ninguém se importa comigo, mesmo

Até mamãe e papai me deixaram na sarjeta ao nascer

Ninguém pode reclamar do que me tornei ao crescer

Pelas ruas fiz de tudo

Luto para mim é carnaval

Vivi pelas BRs

Pelo mundo

Em Amsterdã trafiquei também

Babilônia de desejos reprimidos/ resolvidos

Prostituí meu corpo

Esse mapa do meu saber

Li, escrevi, hoje estou torto

E os anjinhos da igreja vêm com essa história

E aquele porra gordo

Derramei o sangue dele

Que nem porco

Cabeça, tronco e membros

Eu estava muito lúcido.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Néctar

 

Se o vinho forte do meu corpo

Deixa teus sentidos perdidos

Não hesites...

Minha carne doce

Falará do amor que sinto por ti

Do paraíso de me teres em ti

Nesse minuto fugidio

Que é a existência.

Vem!

Bebe a essência do meu ser!

Pois desde que te vi parou o meu  relógio

O ouro teve seu brilho ofuscado

Meu corpo virou apenas um suporte

Da vida que te quer

 

Néctar 2

Se o vinho forte do meu corpo 
Deixa teus sentidos perdidos 
Não hesites...
Minha carne doce
Falará do amor que sinto por ti
Do paraíso de me teres na tua boca
Nesse minuto fugidio 
Que é a existência.
Vem!
Bebe a essência do meu ser!
Pois desde que te vi parou o meu relógio
O ouro teve seu brilho ofuscado
Meu corpo virou apenas um suporte
Da vida que te quer
Com prazer

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                        BALADA RECIFENSE

 

Sem dor ou emoção, visto a roupa justa.

Olho no espelho do quarto

acaricio o corpo que te quer muito

repito a mesma música cinco vezes, bem alto

contra o silêncio da tua  ausência

pela janela a noite estrelada cura quase tudo. Entro na boate te procurando.

Peço uma bebida doce.

Ouço gritos no dancing

como num sonho divertido,

observo  os que dançam/ multicoloridos

corpos & copos  no meio da noite... fumaça.

De repente, como num filme moderninho,

Escuto o teu riso.

Sinto tua presença.

Tuas unhas  me arranham suavemente por trás do pescoço.

Teu perfume está no ar.

Eu me emociono e meu corpo vibra.

Me  viro  e beijo... são lábios úmidos, com gosto de frutas...

Mas... não é você!


 


LA NEGRA ACENA DÚBIA DESPEDIDA

 

Lá se vai Mercedes Sosa

Se vai para ficar para sempre

O amor que nos libertou tantas vezes com sua voz

Índia de sentimento profundo

Mãos de mãe

Mãos de mulher

Hoje o mundo guarda tua voz tão carinhosa

Que nos embalou em meio à guerra dos dias

Morreu o corpo

Viverá a força revolucionária do teu amor tão profundo

Pássaro sobre os Andes

Condor de esperança & fé

Viverá no mistério da arte

Mercedes- coração americano

Latino de fronteiras móveis

Até a próxima canção, querida Mercedes

Obrigado, por entregar-nos com tanto carinho

Tua despedida neste outubro é apenas mais uma canção

Tua participação no doce mistério da vida.

Teu sorriso e tua voz ficarão

Através do  universo

Retrabalhando o tempo e o espaço

Nesse eterno teatro da arte.

Por que choro tanto agora?

 

 

                                         (Recife, 4 de outubro de 2009)

 

 

 

Feriado romano


A vi num terraço em Roma.

Soube que ela andava agora em altas esferas.

Meu anjinho de louça, bonequinha de luxo.

Nos encontramos ao som dos pássaros italianos...

Ela usava veludo grená e uma maquiagem suave.

Seus 29 anos escorriam na ampulheta dos míticos 30.

Sua beleza fazia nosso trágico passado virar cinzas.
O prosecco dava o tom gostoso daquela tarde.

AmorÓdio nos unia naquele momento.

Tentamos levar a farsa da indiferença adiante...

Mas um enigmático cupido resolveu brindar conosco.

Fomos possuídos pelo desejo ardente do nosso cruel amor.

Não encenamos bem a peça, não sei.

O sentimento de alegria ou prazer

 pelo sofrimento ou infelicidade dos outros

dissolveu-se num ato final
sem cortina teatral fechada,
aplausos fervorosos ou vaias.
Quisemo-nos novamente e nos possuímos.
Como leões, escravos e gladiadores
num feriado romano.

 

VERSÃO 2: Feriado romano


A vi num terraço cheio de plantas

ao som dos pássaros...

Usava veludo grená e maquiagem suave.

Era uma beleza trágica
naquela tarde

na farsa da indiferença

Cupido espreitava

o desejo ardente do nosso cruel amor proibido.

Encenamos uma farsa, não sei.

fingíamos prazer

 pela infelicidade um do outro

e tudo dissolveu-se

quando o esposo dela chegou
fim da cena
sem  aplausos ou vaias.
Se pudéssemos nos possuiríamos.
Como leões e cristãos
em arena final

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  está você...

 

Sapateando no leite derramado

Rindo do meu choro abafado

Dançando com o CD arranhado

Não vou adiar esse adeus danado

 

A casa está uma bagunça, meu bem

E você fazendo essa pose zen

Vou tomar essa atitude, neném

Mala pronta, nem vem que não tem

 

Nosso lar, circo decadente, mal  estar

A gente nem consegue conversar

Você não liga mais pra mim

 

Não aguento mais isso assim

Não quero mais despedida

Vou embora, querida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O que dizer do tempo?


O novo tempo vai proibir lamento.
A nova ordem superará sentimento?
Melancolia não será  mais companheira
hora que não for agora, será estrangeira.


Mas a vida suporta quase tudo.
O outro será digital.
a carne será contrária à prece

 a imagem, onipresente, será presente ausente
dias incandescentes, pobre do frágil espírito.


Como ficará a força do braço?
no mapa do cibernético espaço?
As  surpresas já estão presentes...
Nessa tela de  certezas aparentes...

 

 

 

 

 

 

 

Cibele

 

Frígia, mãe de deuses

Filha do céu e da terra, casada com o tempo, sei

Mãe de Zeus, Ceres, Juno ,Plutão, Netuno-rei

Ó deusa da natureza, glórias, reveses

Ó verde selvagem, ó fêmea fértil-nave

Do teu amor pelo pastor, mistérios orgíacos

Caráter órfico da ressurreição

De 15 a 27 de março, teu culto, louvação

Teus leões, teu carro, tua força, tua chave

Abre as portas da terra, tesouro elegíaco

Sobre tua cabeça pequenas torres

São as cidades que livras das dores...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A hora do amor

 

Nos limites da casa

Me vejo chegar, espantado

Passar sem cumprimentos, cansado

A luz dourada do abajur clareia

Transparente vermelho jarro de cristal

Saudável melancolia tudo permeia

passado e futuro dançam

Lembranças, aquiescências, avançam.

Bailes, praias, bosques, cachoeiras, farras

Entrecruzam-se liberdade e amarras.

Os dias passam, noites, frio, calor

O amor brinca no corredor

Toda a gente em cintilantes jardins silentes

Na casa do eterno a roda da fortuna gira

Voltas com o sanduíche e a bebida

Piano, violino, suaves acordes da vida

Nossos corpos limpos descansam ao som da lira.

 

 

 

Copenhague 2009

(poema de Moisés Neto)

 

Na reunião das Nações Unidas sobre o clima,

É negro o Quadro sobre Mudança Climática

Duro o corte de emissões de gases poluentes dos países ricos

E também as metas obrigatórias para os países em desenvolvimento.

O clima era de um pesado dezembro

A  Aliança Pan-Africana por Justiça Climática protestou  contra o texto final

Que contraria diversos interesses dos países mais pobres.

O G-77 ( 130 países em desenvolvimento) denunciou:

Há algo de podre no reino da Dinamarca!

O Brasil  gritou que os países ricos "não querem agir".

Os ânimos se acirraram: Os países menores estão sendo alienados do processo.

E "mais vulneráveis"

Longe está o Protocolo de Kyoto, cujo primeiro período de validade vai até 2012.

Para o Brasil há "desequilíbrio" no documento.

"Exige-se mais do que se oferece"

O poeta observa tudo:

Equilibrado, ambicioso e equitativo.

O futuro é uma onda

Por enquanto é apenas Feliz Natal no horizonte

De possíveis anos prósperos.

 

 

 

 

 

 

Meu bem


Como se a vida inteira num fosse

O meu amor e a minha luta

E os pássaros e as árvores próximos à janela.

As horas trazem alegria, doce fruta.

 

Vou  marcando o ritmo das horas dela

Minha garota tão doce...

Beijando-a na tarde que finda

Penso: quase toda carícia é bem vinda.

 

Nos amamos suavemente .

Ela me abraça, me faz querer

Tudo que tenho, tive, terei.

 

Assim o tempo passa.

Assim em gozo, a vida , eu sei.

Abraçando o que me satisfaça.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Neo-Nômade

(para Vitor Araújo & Dielson Pessoa)

 

Esses fantasmas ciganos insistentes

Me atormentam em meio às nuvens de anjos. Caminho

Na dança minha dos dias em que permanecerei. Proporciono

Sempre as soluções rítmicas de amanhecer/ noite

Viverei, atravessarei: ficarei. Tudo é possível

Confesso-me, escondo-me, encolho-me, redesisto, registro

Fuga-som. O pianista desclassifica o balé contorce

Mãos de Orlac, sonâmbulo Caligari, Mabuse

A vida passageira, calça rasgada, t-shirt. Nada fica igual

Nunca é, o é, e é? Neo- Nômade, vacilo, enceno

Assino, assassino, recrio, luz repartida, fractais

Manifesto pela liberdade de subverter lógica e razão

Esses falsos novos deuses velhos se chegam

Deduzem entre o tétrico profético profilático

E a prática inovadora. Puxo bruxo, esguicho

Mefausto

Piso, vôo, náusea. 33. Sem contrários não há progressão

Não me realizo. Esmagado: ideologia impositiva, vida manipulada

Conflito suspenso, palafita existencialista: desconstruo

Precário barraco de mim: surto assim.

Expressiono, tenciono-atravesso, sinuoso-vigoroso: caminho

Idéias fúteis (inférteis?) me querem prisão

Tripartido, conquisto, sou movimento fluido, circular

Invado a cena, brilho musical. Hamlet sensorial

Transgrido o estabelecido. Imaginário. Nada é absoluto

Exercito explosão. Volto. Vou...

 

 

 

Espelho da lembrança

 

Sob a lua minguante

Descemos em direção ao mar

As estrelas faiscavam

Cavalgamos entre as dunas até a festa

Lá todos se divertiam à luz do fogo

Dela vinha um cheiro de jasmim, estonteante.

Havia incenso no ar

Abraçados, eu mergulhei nos abismos do seu olhar

Um jovem dedilhou a suave balada do homem só.

Beijamo-nos (sabor de licor, pitanga)

Perguntei se ela casaria comigo

Ela riu amargamente, resumindo o universo para mim

Misteriosa, disse-me que era tarde demais...

Afastou-se e pediu que eu não a seguisse!

Ficou para sempre no espelho movediço da lembrança

A sensação de perdido amor profundo

Intocável no altar da fantasia.

 

 

 

 

 

 

 

 



 

 

Intraduzível

 


A nossa eternidade
aninhada  em meu desejo por ti
raro perfume
frutas cristalizadas nesse querer
vinho tão puro
visão, destino dourado no tom exato
 moldura atemporal
suave pulsar perfumado
flor, ímã, talismã
gotas de janeiro na janela.
Sereia, você me atrai, irresistível melodia.
Navegador, conquistador, me deixo seduzir
e me tens nos teus domínios
sob topázio sol, ressurgem esses teus lábios rubis,
 olhos água-marinha, 
sorriso de pérolas, embriagado reencontro em meu anseio
tua pele , consolador veludo
teus cabelos envolventes
tu, atração, para sempre: intraduzível...

 

 

 

 

 

 

 

A tapioqueira e o minotauro

 

 

Deu-se no carnaval do Recife

Um caso assim meio bizarro

Foi um namoro de uma tapioqueira

Com um estrangeiro fantasiado de minotauro

Vindo de um navio atracado no porto

foi comprar tapioca
A moça era traquina
E, agitando o abano de palha

As brasas atiçou

 diante da bovina criatura

a goma esquentou rápido

Ele tirou a máscara e sorriu como criança.

A recifense sentiu um fascínio profundo

Deu-se ali um instantâneo enlace

E naquela mesma noite

Se encontraram num labirinto de frevo

em linguagem universal...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pescadores

 

 

Raia o sol na beira da praia

 Motores, algazarra, canto, risos e sisos.

Vão ao oceano, os pescadores pernambucanos

Jogarão as redes como se pudessem

Arrastar nelas o destino incerto

E segurá-lo nas mãos cortadas,

 Queimadas pelo trabalho.

Dias e noites de  mestres e aprendizes

Nas águas salgadas, cotidiano e mistério

Cansaço, perseverança, dolorido querer

No tempo e espaço o barco se solta

Agitado ou calmo navegar

Mar amar e volta

Dos nossos trabalhadores do mar...

 

 

 

 

Sementes do amanhã

Agora , no espelho da cidade, ainda lhe vejo
se ainda pudesse ter algo seu
seria o tempo reconquistado.
Agora...
As chuvas trazem as baronesas
plantas a flutuar no rio
cortando a paisagem
e as recordações.
No armário: nossa fantasia do último baile...
Na alma, entre atos e fatos, a dúvida e a culpa
de um amor que foi livre para crescer
e secou sob o sol do egoísmo.
Agora:o silêncio de domingo rega novas sementes.
Saio a deslizar por novas estradas.
No porta-luvas um pequeno retrato
da nossa paixão mal resolvida.
Ali ficaremos, fantasiados e sorrindo
até que o tempo, mais uma vez, nos separe.

 

 

 

 

 

Pantomima

Concluo um cálice de vinho do porto
 meu apetite  aumenta para  o próximo prato
A tarde avança, o almoço prossegue
Os convidados, os talheres, o pianista.

Na piscina crianças brincam como loucas.

Dois bêbados vendados

Executam estranha dança.

De repente sinto alguém me observar.
Sinto algo atraente no ar
Sou máquina masculina...
De repente, olhos negros, pele branca,
alguém me convida para mais intimidade:
 Qual flor tão viva no jardim esquecida

Lá estava a tal figura.
Nossos olhares... música delicada.

Lá estava alguém a me tentar de novo:

Quereria brincar de ninho comigo

Ou só diversão?

O que fazer?
Saí à francesa.

No outro dia me ligou,

Como descobriu meu telefone?

Mesmo sabendo que eu ainda era

compromissado, mas não muito, me quis.

Algo estranho nos uniu.

Era o início de uma ópera bombástica.

 

 

 

 

MILAGRE DE CARNAVAL


Resplandescentes e rocambolescos
em meio a uma tempestade de frevos
tu mascando tutti-frutti, eu errante navegante:
ser-me-ias fiel?
Te encontrei num clube de máscaras...bem sabia:
eras de outro antes.
Nossas promessas, tu não confessas?
São trôpegas festas  com cenários sobrenaturais
e sinistros brincantes.
Quero me precipitar então nas ondas.
Tu não me segues?
Ressurgiremos transfigurados em ascensão sobre todos.
Que nos importa se tritões e ninfas cantam os prazeres sensuais?
Somos peregrinos ou atores nesta Divina commedia dell´arte?
Nossa poesia construiu castelo em terreno carnavalesco
mas tentamos redefinir o amor puro.
Neste Eden recifense, tudo ferve...
Da madeira morta nascem flores.
Tudo é folia,agora
estamos perdoados.

 

 

Evoé!


Abrigada em meio à tempestade de frevos
Te encontrei num clube de máscaras

...tu mascando tutti-frutti, eu errante navegante:
gostas de mim, confesas?
No meio da folia e dos brincantes.
Quero me precipitar então nas ondas.
Tu não me segues?
Somos mesmo foliões do destino

Entre tritões e ninfas em cenário de prazeres sensuais
Brincantes nesta comédia
Ergamos um castelo em terreno carnavalesco
Vamos  redefinir o amor
Neste tabuleiro recifense, tudo ferve...
Até da madeira morta nascem flores!
Tudo é folia,agora
Evoé!

 

 

 

Domingo

 

 

 

De  olho na TV, a mãe cochila no sofá

Pai no quarto, depois da cerveja, dorme

Filho em meio ao circo eletrônico

Vai do game ao fantástico

Do macarrão com molho de tomate ao cachorro.

As horas voam como a lembrança

Dos  que não se encontram mais entre os vivos.

O final do domingo escorre em torpor.

O menino olha a avó desbotando no porta-retrato

Ela ainda diz: “Deus lhe faça feliz”.

A vida passa. Está ficando tarde.

Sobre a geladeira um pinguim de louça

Flerta  com uma rosa murcha num copo de plástico.

 

 

 

 

Sexto sentido

 

 

Tão perto dos teus lábios

Quase posso morder tuas palavras

Com meu olfato tão perto do teu aroma

Despertando meu desejo mais e mais

Nos meus olhos está a tua imagem

Guardo-te em todos os sentidos da memória

Está ao alcance da minha mão a tua pele suave

Atiça a minha fantasia a tua voz

Música embriagante em jardim maravilhoso

Queria ser o teu preferido

Mesmo que fosse num sexto sentido

 

 

 

 

 

Outono

               

Agora o outono recifense...

As folhas caem na memória

Caminhamos por ruas de sonho

Ecoam os nossos passos nesta história

Os crepúsculos vistos das pontes

Rodeiam-nos colorindo o cenário

O verão passado nos trouxe torpor

O futuro nos trará lembranças.

Passeamos de mãos dadas:

Que nos importa o mistério?

O vento salgado do Atlântico nos envolve

E gira a mandala na praça do marco zero

O mundo começa na nossa cidade

O Recife Antigo nos abraça

Ultrapassamos nossos erros

O amor nos deixa à vontade

Lembrança e expectativa a um só tempo...

Fazemo-nos transparentes em nosso encontro.

Quebra-se a ampulheta

A areia dos séculos se liberta.

Sentimos liberdade, novo ciclo se inicia

Lemos nas nuvens vermelhas outonais:

‘Ama e faze o que quiseres’.

A lua enfeita o céu arabesco

Conjugamos, em nova estação,

O mais sublime de todos os verbos: amar.

E é como se uma nova dimensão se abrisse.

 

Presente do passado

A cidade impressa no mapa do mundo

Não traz os sinais da invenção que a articula

Quem a vê como ponto distante, mal sabe

Dos jogos que a fazem inconstante.

Mas hoje é teu aniversário, Recife!

E eu, amante inconfesso por ti sofro

Entre tuas paredes e espaços abertos

Perpetuo meu degredo, pois

Minha liberdade é de ti prisioneira

Indócil e materna és a minha partida e chegada

Te amo tanto e não consigo que sejas minha

Como em peculiar dominó

Queria sim, nos teus braços todos os abraços

De lama e luxo, cacos, caos, aconchego

Seguir trios  ruas  rimas ritmos pátios, parques, pontes, paços

Menino para sempre no teu colo, cidade-mãe:

Adormecer, sonhar, acordar no teu futuro.

 

II

Recife impressa no mapa

Não traz os sinais da invenção que a articula

Quem a vê como ponto distante, mal sabe

Dos jogos que a fazem inconstante.

Recife!

amante danada

Entre paredes e espaços abertos

Perpetuo meu degredo, pois

Minha liberdade é de ti prisioneira

Indócil e materna és a minha partida e chegada

não, nunca foste minha

jogamos peculiar dominó

Queria, sim, nos teus braços todos os abraços

De lama & luxo,  caos & aconchego

Seguir por tuas veias, membros

ter mil prazeres, adormecer, dormir bem, sonhar,

acordar no teu futuro,

de novo

 

Parabéns, minha cidade!

 

Hoje é o teu aniversário, Recife!

E eu, teu filho

Sei bem o que significa

O teu abraço entre  lágrimas e risos:

Nova partida e eterno retorno...

Aí estás, impressa no mapa do mundo

Ponto distante, invenção também

Felicidade e dor, em ti, peculiar dominó

No teu colo: solidão e abraço

Lama & luxo, léu & céu, exílio e ninho

Rios,  ruas,  rimas, ritmo, rumo

 pátios, parques, pontes, paços, passos

Cidade-mãe!

Queria acordar no teu futuro

Na mais completa claridade

De um amor maduro...

 

 

As violetas da Taylor

 

Em meio às últimas notícias

Surge um par de olhos magnânimos

Cor de violeta

Olhos como flores selvagens

Flores que só nascem num filme.

Liz Taylor morreu

Há fome no mundo

Há tanta dor e alegria

Coisas maiores e menores

Mas há também o grão de areia

Que namora a estrela impossível

Que sonhando a pressente

 presa no coração dele

semente a brotar...

em fértil  jardim secreto...

Imortal!

 

 

 

 

 

 

 

Outro país

 

Para sair da mesmice

Do teu gato de Alice

Do sorriso caduco

Eu, teu chapeleiro mameluco

Te proponho outra maravilha

Outro enigma

Enquanto meu desejo por ti fervilha

Que no teu espelho tu me vejas

No lugar daquilo que mais desejas

Depois que despistares

O coelho branco do relógio

Lá estarei

Para te dar

Rosas brancas e vermelhas

Tudo que um homem pode entregar

A alguém assim especial

Como tu

Rainha de copas

Lagarta virando borboleta

No cogumelo dos dias fantásticos

Que se iniciam a cada minuto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Epifania

 

A noite

É de branco luar na estrada deserta

Ímã vermelho, teu calor me atrai

O azul escuro do céu serve de contraste para

Uma verde luz que emana dos teus olhos.

E uma música que dispensa instrumentos

Acalma o mundo, dissolve agonias

Tudo ao redor ganha equilíbrio...

Somos somente nós dois e somos todos os seres.

Assim, envoltos no absoluto, entramos em casa

Ícones sem época, a poesia é o nosso abrigo

Na vertigem do tempo e do espaço

(nossa união reduz o grande Mistério)

Suave, leve, breve, ó musa

distraída

Os acordes do amanhecer

Chegam de onde é quase horizonte

Deitamo-nos

O vento traz o barulho das folhas e dos pássaros.

Adormeceremos em sono

profundo, rodeados de eternidade

Tranquilos no que somos e queremos.

O resto é devir.

O agora se cristaliza num assomo de plenitude

 

 

 

Fátima Amaral (moisesneto)



A luz dos teus olhos/projeta uma existência/como sala de cinema/ mil noites árabes./Dançam prosa e verso em dias nordestinos./em meio a um/populoso deserto no centro da cidade/ prendem vista e audição/com histórias e poesia./Conta-nos mais!/Embriaga-nos com a lucidez da tua estudiosa mente./Faz-nos penetrar em outras sensações de vida./Traduz-nos o óbvio da existência e da razão ./Em alquimia literária? / que seja! Ah, doce irmã... / arrebata-nos no carro transcendental e tão terreno das Letras.

 

 

 

 

 

Musa


Esta tua força misteriosa
projeta meu futuro
na arte dessa vida
Nossas histórias  comparam-se  a mil noites árabes.
Ó musa! Vem!
Beija a minha alma
Fantasia esses meus dias
Vem encantar este poeta...
tristonho nesse deserto lógico
Toma meus sentidos
Inspira-me mais!
Me faz mergulhar em novas sensações de vida.
Traduze-me o óbvio da existência e da razão .
Arrebata-me no teu carro de fogo
Vamos juntos às estrelas
ao paraíso de nós dois...
Que importa a realidade que os homens criam?
O trono e o cadafalso são extremos do mesmo inferno
No nosso mundo a vida se refaz
 equilibrada ou furiosa
nos espelhos e abismos da criação.

 

 

Sortilégio

 

Sem passado ou futuro

Recomeçamos na infixidez

Adentramos o Clube em frenesi

Nada nos falta ou sobra

Lá está: Universal pista de Dança

Movimentamo-nos com força & pureza

Inventamos felicidade, somos amantes

E temos sempre a chance de partir...

Luzes especiais redesenham nossos corpos

Nossos trajes nesse mundinho:

Fotografia estroboscópica, foto pra jornal

Drinks na contracorrente. Um brinde especial.

- Quem somos nós aqui? Inconsequentes?

                                      - O som está tão alto!

Flutuamos sobre o piso (em xadrez incandescente)

Brilha a alegria artificial. Que importa?!

Sortilégio, simulacro. Que ritmo bom...

Brincamos. Rimos. É drama ou comédia?

É tão intenso. É tão bom. É mágico.

Como se nossa noite tivesse luz própria.

 

 

Aliança

 

 

No interior do casarão da velha fazenda

Objetos antigos, garrafas de licor e cortinas de renda.

Visito os aposentos que há muito não via.

Revejo parentes, encontro quem não conhecia.

Pela janela revejo velhas árvores, o açude, a porteira...

Parecem retratos vivos de gente morta e querida.

Volto ao quarto da infância quase esquecida:

A mesma cama, crucifixo e anjo de louça na parede.

Estou no entrelugar que o tempo esqueceu

Deito na rede.

Tiro do bolso a aliança que você me devolveu.

Era mesmo estranho adereço

Agora inútil e sem preço

Neste lugar onde o vento sussurra, mais alto do que você e eu.

 

 

 

 

 

 

Ode ao Teatro de Santa Isabel


Tuas paredes abrigam sonhos
Dentro de ti a vida explode com a intensidade de estrelas
No teu palco as idéias se renovam sempre
Ao som da música
No compasso da dança
A cada ato de tantas representações do riso, da dor, da serenidade
Trazes refletida em cada cristal a imagem da audácia humana
Cravado que estás às margens do Capibaribe
És glória de uma cidade que vem através dos anos construindo-se e refazendo-se
És rosa ao vento nas tardes mornas
És abrigo de tantos projetos que resistem às intempéries
És farol do Recife
Na tua nobreza os pobres se equivalem aos ricos
És de todos
E estás aberto como uma flor magnética
A atrair e ensinar
A divertir e educar
Quisera ter versos magníficos que expressassem toda a minha gratidão
Mas sou poeta menor diante do teu esplendor
Mais que sesquicentenário senhor
Já se vão cento e sessenta anos
E pareces tão jovem, tão atual
Queria te abraçar
Mas envolvo-te apenas com esse olhar de quem pede
A Deus por um mundo melhor
Diante do altar

Teatro de Santa Isabel



Tuas paredes abrigam sonhos
Dentro de ti a vida explode com a intensidade de estrelas
No teu palco as ideias se renovam sempre
Ao som da música
No compasso da dança
representações do riso, dor, exagero,serenidade
Refletes em ti imagens da audácia humana
Cravado que estás às margens do Capibaribe
numa cidade como tantas...construindo-se e refazendo-se
És rosa ao vento nas tardes mornas
És abrigo de tantos projetos que resistem às intempéries
És também farol no Recife
Na tua nobreza os pobres se equivalem aos ricos
És para todos
aberto como uma flor magnética
embriagas  com  teu esplendor
pareces tão jovem, tão atual
Queria te abraçar
Mas envolvo-te apenas com esse olhar de quem pede...

 

 

Pedalando


Toda vez que estou no Recife Antigo
parece a casa de um amigo
o porto, o
Brum, a prefeitura, marco zero
cidade linda, que tanto quero
cruel ou mãe protetora
algoz ou defensora
tanta história na memória
nós te fazemos todo  dia
do barroco ao neoclássico
do pós-moderno ao jurássico
eu te amo, da tapioca ao sushi
em cada detalhe que me faz chorar e rir
tua lágrima me comove
teu sorriso me conquista
eu, pobre artista
Esta canção que prove
e a cada pedalada
pontes, rios
reais e místicos
está o comum e o artístico
Lá vou eu, antes que o tempo passe
ah! se essa minha bicicleta voasse!

 

 

Suave manhã de outubro

 

Brisa da manhã me inspira,

olho o mar e os prédios em Boa Viagem,

o verde do mangue do Pina

escuto jazz

penso em tantas viagens que fiz e textos & gente.

O futuro se mistura com o presente,

respiro fundo:

trabalho que não acaba nunca.

Escolho uma camisa branca, calça jeans

...está tudo bem.

Olho o relógio, apressado e tranquilo, simultanemaente...

algo parece estar além da compreensão,
 talvez o sentido de tanta poesia no meu peito...
O tempo é relativo, a tecnologia nos insere no amanhã

logo os mais novos envelhecerão,

menos a gente, que é tão atual:

o futuro mais longínquo da semana passada

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Mulher ninguém

 

 

 

A Mulher ninguém não está na mídia

Não é vista na TV nem na internet

Pode-se percebê-la pela janela de um ônibus

Pendurada, espremida, segurando dois filhos

Saiu de madrugada lá de longe

Deixa as crianças na escola pública

Tenta marcar consulta para seus males

Faz tempo, não tem remédio

O beijo do companheiro incerto é apressado

Não sabe do seu futuro nem a curto prazo

Desvia das balas, mal sabe ler

E assim mesmo confia no amanhã do país

Tem encontro com seu destino

Mas vive desmarcando

Por falta de tempo...

 

 

 

 

 

 

 

O templo das horas



Na vida a gente não pode

Deixar muita coisa pra depois

Porque depois pode não dar tempo

E o tempo que passou não volta mais

 

O templo das horas não tem porta

Embora mais um ano esteja para começar 

 

Aprenda antes que seja tarde

atrás do truque, a verdade

Nosso mundo é o céu inteiro
No momento mais triste
ou no picadeiro

 

Num piscar de olhos estamos aqui

E noutro não estamos mais

A vida é mesmo assim, é fera demais

Para o novo ontem, o velho amanhã e eterno hoje...
 nunca há mesmo um fim

 

Sempre haverá mais uma chance
Por isso vamos ao brinde
A isso que se vê de perto-longe


 

 

 

 

Festa imprevista: somos todos artistas

 

 

Como num circo

Estamos sob uma imensa tenda colorida

Somos nós mesmos: os artistas

Cada qual na sua vida

Números e aplausos

Manchetes e anonimatos

Leitores e autores

Somos também a plateia sempre atenta

No trapézio e na corda bamba

A gente brilha e o risco enfrenta, no fico ou passo

Rivais, amigos, indiferente cansaço!

Meditando profundamente ou em plena diversão

Nos lançamos no espaço

Ou dançamos mesmo aqui no chão.

É como um grande abraço

Uma festa imprevista

 onde o nadatudo brilhará

Ritmo maneiro, radical, o tempo inteiro

Com a força de mil vulcões

 ou do cantar de um pássaro:

o show não para:

No silêncio dançam vivos e virtuais

 em sublimes pistas.

E no espaço e tempo previstos: tudo se transformará.

Por isso, entre planos e enganos, somos todos artistas.

Cobaias e cientistas, leigos e especialistas.
E a todo fraco/forte: (re)nascimento e sorte.

 

Marginal capibaribe



Recife do reflexo ao fulgor
Escurece na rua da Aurora
Corre o  Capibaribe sob estranhos signos
nele meus versos querem se dissolver
no momento transparente
como pássaro que canta sem o saber.
Em tempo de perigo...

Na travessia da ponte
O poema se escreve sozinho
Jogo-o no fluxo do mundo-linguagem
tento acertar o coração da cidade trêmula...

 

 

Dezembro Capibaribe


Recife do reflexo ao fulgor
Escurece na rua da Aurora
Corre o  Capibaribe sob estranhos signos
a se dissolver
no momento transparente
neste tempo de perigo...

a paz atravessa a ponte
e o poema se escreve sozinho
 no fluxo do mundo-linguagem 
no coração da cidade trêmula...
acendem-se as luzes de mais um Natal
tudo quer renascer...

 

 

Amor complicado


Nas tramas do Recife
falsos pardos diuturnos
escuridões momentaneamente ensolaradas
de risos misteriosos & esclarecimentos fatais...
segue o seco...
Passo a Paço
Do vidro e aço ao palhaço
da serpentina à triste sina
Do bem e mal
aos sem-carnaval
Ah!
 Cidade-jornal
Teus autores desfestejam:
entre confetes & bofetes!
Brindam núpcias impossíveis
abraços melosos
Beijos de delícias escatológicas
...podridões sublimes
Amor complicado, este.

 

 

Lutando com um anjo

 

 

Em sonho de senhor

que pouco jovem pode

cheio de símbolos

Qual Jacó, lutei com um anjo...

Se nos degraus do além

Ou em ringe/ pista de dança

Vencedor seria de mim mesmo?

Repentinamente

Meu corpo retornou ao meu quarto

Corri atrás dele

Mordendo os dentes

Minha voz parecia mais entrar do que sair...

Acordei.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O pequeno teatro invisível

 

Sublime ou grotesco

Eis o meu teatro invisível

de promessas e sentenças

circo de performances

tão diversas/ belas/ perversas.

Cá estou...

Atuando

(por mais amor que dinheiro)

na plateia

fora do palco/ picadeiro

se passa esta peça

sem divisão entre os atos

misturando ficção e fatos...

revitalizado ou cansando

Até quando?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Provocador Cordial

(para Jomard Muniz de Britto)


Não existe filosofia, só o filosofar
Podem  nos punir, nunca nos disciplinar
Responda, sem intelectualismo:

A História é jogo de azar ou determinismo?
Quem diz só a verdade, mente?

 O que é da razão sem o querer?
Seria o agora, ágora eternamente?

Ou apenas a cultura a nos entreter?
Mais importante que o passado,

É o presente não-alienado?

Nossa existência é o que dela podemos fazer?
Ou nossa vida é o que improvisamos:

Para que de prazer viver/morrer possamos?

Pode um  autor errático ser um neon pré-socrático?

A desconstruir o conceito de que a verdade

 é sempre algo que temos que construir?

Do erótico ao labiríntico existir

Eis o nosso pensador  mundialmente recifense,
Pense!
Tão igual e diferente

Viva JMB! (anti)herói da nossa gente!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Luz

 

Nos eternos campos
 soprados pelo vento nordeste
vagamos, dançamos
 vivemos docemente
 todo tipo de teatro
e o que alguns chamam
 violentamente
 de vida real
porém há dias de mais e os de menos inspiração...
nossa cruz, nosso altar, nossa glória & prazer:
quando tudo fica pequeno
 diante de um tão infinito cosmos
vivamos de nós mesmos, o resto é mentira
exceto o divino,
 por isso vamos pensando e conectando-nos
de um modo ou de outro
a ele, a isso, àquilo
sigamos serenos
até o recomeço nesta grande roda iluminada...

 

 

Lucila

 

 

Naquele veranito, à tarde,

carregava eu, de presente,

uma pedra vermelha transparente

luz intensa e desértica abrasava a cidade

carregava também, na faiscante memória,

muita coisa, toda História;

levando em conta o Fenômeno,

observei o transitório instante

que marcava o momento anômalo.

A joia era para a poetisa...

que me aguardava...

(eu que a guardava)

na tarde godiva (ao redor do being)

tarde exposta, ferida,

dissolvendo o ridículo dos anônimos

em tramas cruzadas, tropicais langores

malemolência... excitação calculada

caleidoscópicas perspectivas.

Luz nos meus olhos espelhados.

Não tenho medo

Exercito, exponho, me entretenho

Posse, perda, sigo como num aforismo...

Ao encontro dela...

Regras, riscos, conclusões antitéticas

Desconstrução, reconstrução. Fusão.

Entrego-lhe o vermelho mineral...

 

Escola Dominical

 

 

 

Domingo

 no samba ´n´ roll

do Brasil

 a vida é curta

 e o mundo

 é pequeno

 uns tomam antídoto

 como se fosse

 veneno

 

 

 

 

 

Canção para Geninha

 

Quando te fazes ausência

E nos entregas tantas personagens

Estás apenas dando-nos mais vida

Vida tão farta no teu coração de atriz

Quando tua voz acaricia nossos ouvidos

Tuas mãos tateiam buscando no ar a essência da vida

Estás a nos ninar também, Geninha querida

Como esquecer-te?

Como não lembrar de ti?

Se te queremos tanto

Se és flor tão magnífica

Neste teatral jardim?

Vamos agora cantar o teu nome

Vamos mais ainda pensar na tua beleza eterna

E também neste passar do tempo

Na máquina do mundo

És agora uma estrela ainda mais cintilante

E todas as horas que nos deste

São como pedras preciosas e incandescentes

Que o céu do teatro iluminam

Do palco até a plateia

Hoje te homenageia

Este teu admirador

Mas são só teus

Querida Geninha

Os aplausos deste cantor

Parabéns, grande dama do teatro pernambucano

Que teu nome ecoe através de muitos anos!

 

 

 

 

 

 

 

 

Poeminha Um

 

O jovem não precisa de razões;

só de pretextos

no erro  ele tem o lucro

e quer  aproveitar tudo!

Não  só se esforça na certeza da  recompensa

e não quer a ciência

que troque o seguro por uma teoria

um problema.

Meu filho me ensina

que devo duvidar do que ensino

neste mundo  que nos é periferia!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poeminha Dois

 

Em desperdício

                           no urbano promontório

Sinto que poematizar

                                     é obrigatório

Nesse frio fictício

                      de precipício

De condomínio & Sacrifício & desvio & sombrio

Ensaio um raio

                                         no estanho edifício

 

 

 

Rap Recife
           
        Eu não tenho medo

em expor segredos

cicatrizes 
alegrias, dores, fantasias

 da geração da fome

 ninguém se arrogue
           a falar em meu nome

sobre mudança a favor do homem
 benévolo... incrédulo

venho do prazer e da fúria

sem distinção entre alta e baixa cultura

A torre de marfim já me fez muito mal

mas carnaval aqui parece natural!

Vento nordeste 
sobre a cidade antiga
         cheia de paz e briga

o passado me intriga

O problema agora não é só herança

brincam por aqui divinas crianças 
         ...vamos nos assumir!

E ao papel de oprimidos

        resistir?
        Que o novo tempo não seja só "de novo?"
         seja também de mudança 
         Que nesse rap...eu louvo!

 

 

 

 

 

Pré-Natal

 

Na imitação de mim mesmo

Aqui estou

Em pleno dezembro

Sentindo o vento salgado

E o aroma forte do mato

Nem sorte nem morte

O crepúsculo a tudo envolve

E o brilho da árvore de natal

Sobrepõe-se à ardente realidade.

Ave Maria, rogai por nós

Agora e na hora do nosso nascimento

Peço num desejo

Ao ver a primeira estrela

E tudo se entrelaça...

 

 

 

 

Diamante doido de amor

 

Para mim tu és

diamante da carne em fulgor

quem sou?

o que fazer?

sou teu Orfeu

na proibição de me voltar para aquilo que amo.

Em face da imensa noite

da inapreensível sorte

somos  dois parceiros

mas não jogamos um contra o outro

jogamos  antes um para o outro...

nosso atual não é estático

você é, você foi/estará, meu amor

 entre o que é

e o que, já sendo, não  sabíamos...

 

 

 

Agarrados

 

...dançando agarrados 

 respiração dividida 

 como hipnotizados 

 pisando levemente 

na noite selvagem 

 longe da solidão,

sob luzes coloridas

você tenta fugir, mas já não pode

e  me beija diferente nessa noite 

 nossos lábios se encontram,

 nossos   rostos  se confundem

 nos  movemos  muito devagar

pelo salão 

 em arrebatamento puro

 e não há nenhum sinal do fim...

 

 

Afetos foliões

 

Coração no carnaval
bate em ritmo de afetos foliões

suspira, transpira,

vira, revolve

faz o passo do Recife.

Suspenso, indeciso

frenético
 acende-apaga
pulsa acelerado

se mascara.

Bate meia-noite

meio-dia:

sangue multicolorido é bombeado

e na festa de sorriso (emprestado?)
cibernéticos confetes e serpentinas
envolvem nossos peitos
tão cheios de
futuro e memória...

 

     Carnavalesco


entre frevos
tu me beijas
máscaras na testa
na festa
promessas
folia e prazeres
dores eclipsadas
castelo carnavalesco
ruas de fantasia
 pátios onde Amor ferve...
Tudo é folia, agora:
 aqui e lá fora

 

 

 

 

 

 

Nosso amor animal


Eu, peixe nadando no seu amor

E você na cachorrada com a macacada

Empavonando-se na porcaria

Avacalhando nossa relação          

Amiga mais da onça  do que de mim

Perna de pinto saindo na de pato

E eu, formiga sem roça para comer

engatinhando na desilusão

Pior do que alvo de piada de papagaio

Fiquei sem Cariri nenhum nem último pau de arara

Nem lebre nem tartaruga diante do tempo perdido...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nelson Rodrigues faz cem anos

 

 

É o teu centenário,  Nelson!

O teatro está cheio

 esperas o espetáculo começar

glória,  fracasso,

castidade e perversão

amor & tragédia

gozo suburbano

casamento problemático

cheio  de incesto

do álbum de família

rasurado

 tuas personagens

chegam novas

ao  século XXI

no palco,

redação de jornal,

asfalto selvagem

da vida-teatro

Vamos aplaudir

tua dança

da morte

com a eternidade

 

Agridoce



Agora nosso casamento
 é um túmulo antigo
diante do qual
eu rio do que eu era antes
(vendo o mundo girar
enquanto eu fraquejava...)
Você me disse que eu seria feliz
e fez de mim um solitário
só deixando o agridoce sabor
do último beijo
na minha boca
Me arrepio só de pensar
Hoje aquilo parece uma
piada cínica
sobre um rapaz
assombrado

 

 

 

 

 

OS ATORES


Sozinhos
em grupos
lá estão
sonhadores
de cruel e ingênua
esperteza
sofrendo e gozando
o alheio
palmas, ouro
vaias, miséria
no palco
na rua
são o outro
 a máscara
tão perto/longe
manipuladores do próprio eu
ou fantoches?

 

 

 

 

 

 

 

ONZE HORAS

 

No amor

de muito tempo
o máximo carinho

pelo mínimo

em nossa vida

que passa

o tédio

fantasiado

bem resolvido

nos traz de volta ao mundo.
Onze horas

o fim da manhã

não nos incomoda...

Vamos abrir as cortinas?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O esplendor

 

Assisto

 do meu camarote

ao  teu espetáculo

Recife...

Bem sei:

sonhos não bastam para vencer guerras.

No projeto dos teus fundadores

 havia promessas & monstros  escondidos.

Agora prometes reerguer-te

Ó preterida primadona!

Aguardo ansioso para aplaudir

teu esplendor.

 e o carinho até pelo mínimo
que neste tempo que passa
passe também o tédio e se transforme em aventura
da melhore o carinho até pelo mínimo e o carinho até pelo mínimo

 

 

 

 

 

 

Linha do tempo

 

Na lida,

Vida,

Carne e metafísica,

Cena,

Sonhos e bastidores,

Assim estou/estamos

Neste improviso

Cheio de cálculos,

Luz e sombras,

Closes e panorâmicas,

Não é mesmo?

Face to face...

 

20.03.12

 

 

 

 

O poeta

 

Unem-se as letras

 versos escorrem das mãos

Caem no papel fino

ou na tela iluminada por dentro

no meio da noite

súbito êxtase ou calafrio.

surge o poema

 cheio de sonhos e notícias

 registro da luta

barco no grande rio da vida

 dentro dele o poeta 

transmuta-se

 

 

 

 

 

 

 

Driblando o  tempo

Restos do amor
estilhaço do excesso. 
Agora os dias passam 
mas a  lembrança
como  flor oculta
pela ramagem variada
parece brasa adormecida
que sopro reavivando
 entre as cinzas. 
Driblando o  tempo
com zelo
volto a te  amar...
Teço versos.
Poesia:
abrigo e prisão
deste meu
inexplicável querer.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Atlântico flamejante

 

 

Fim de tarde

Espuma branca

Atlântico flamejante

Sonolento sobejo de verão

Sem saber exatamente por quê

Lá estava

O porta-voz da geração

Sem se encaixar

Silêncio antes do beijo

Atirou o relógio ao mar

Envolvido já

Em sonhos e sombras

Por um momento

Tempo suspenso no olhar

Da criança solitária

Com uma ópera no peito

Sem alento

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Versão 2

 

Fim de tarde

Espuma branca

Atlântico flamejante

Sonolento sobejo de verão

Sem saber exatamente por quê

Lá estava

Silêncio antes do beijo

Atirei o relógio ao mar

Envolvido já

Em sonhos e sombras

Por um momento

Tempo suspenso no olhar

Da criança solitária

Com uma ópera no peito

Sem alento

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Lingual

 

Meu verso

escorre das mãos

Cai na tela

Cheio de sonhos e notícias

Resto de amor e interna lógica 
Driblando o  tempo
abrigo, prisão, viagem
língua, querer
, meteorologia

Beijo intempestivo

Férias de operário

 

 

 

 

Lingual (versão B)

 

Meu verso: fé e malícia

escorre das mãos

sem glória

cai na tela (amor e interna lógica) 

Cheio de sonho e notícia

Sombra e luz do imaginário
Jornal e lírica ficção
abrigo, viagem, prisão, mágica
incerta
meteorologia

Efêmero e eterno

Previsão e memória

Repulsa e beijo intempestivo

tórrido inverno

Férias de operário

Mórbido... festivo

 

 

 

A unha de Dalila

 

No dedo mindinho

das mulheres

Há uma unha

de Dalila

gostam da juba

para a tosquiarem

ai,mundinho!

és mumunha

quizila na tuba

deste harém

 

 

 

 

 

 

 

Poeminha sem esperança


 

Sigo na contramão

 da nossa história

de desejos desiguais.

Nem sei aonde vou

(de tão decidido que estou!)

Seguindo teus passos?

Teu cheiro?

Ah! Minhas vontades e presunção!

Pra que correr riscos?

É...
Pra que

 dizer que se ama
a quem se ama 
quando se ama sem esperança? 

 

 

 

 

ANTIFACE

 

Cai sobre nós nupcial chuva fina
por ti ordenho a lua e golpeio a aurora
és rosa e lírio do meu viver
pão quente, noite fria
mendigo tua mundividência
transforma-se em pérola
a infecção do mundo-mar em mim
somos sol e sangue
noite e futuro
arrebatadora alquimia
afastando a navalha da existência dos meus olhos
água e sede
és meu porto
ao espelho surge não o meu reflexo
agora 
só minha antiface
sou todo teu...

 

 

LITERATURA


Meu eu é outro
tu me lês e me refazes
teci a teia que te prende
e parti
sou ninguém, agora.

Mãos em concha
bebes em meu desejo
não és senão o momento.

Mãe e filho
pai e proibição
este poema nos u-n-e
em meio ao nada
construção humana
AMORÓDIO: nossa ligação
sempre, nunca...
vai ser bom.
Não foi?

 

 

Clube de inverno

 

 

Não digo que a noite seja só de dança
nem que amor e morte estejam resolvidos
mas, hoje, no Recife ardente
tudo está reinventado
em high tech anfíbio

Poético vuco vuco antilírico
até para ultrarromânticos
há aplicativos de pós-cibernéticos quereres:
tu me vês? Não, 
tu te vês me olhando
és tanto e tão pouco! 

Insensível! Deixa pra lá...
Afinal, somos juntos nesta cidade
em recortes contraluz

Na arena do clube de inverno
açucarados seres atlânticos

da barbárie à decadência, sem civilização...
Não?

Enquanto a festa vai noite adentro...

até que o sol aqueça o sal do mar

e torne tudo mais... real, de novo

depois da chuva.

CARNE HUMANA


O computador em silêncio
guarda a canção distante
minha ausência conectada
mundo aqui
sonhos na máquina
jogo, cálculo
cansaço, deleite
vou, voo, estou
céu azul, cinza , laranja
âncora, horizonte
amor inclina-se
à lógica 
binária cibernética
ela o come vivo
fartando-se
olhos, dedos
tudo virtual...
E sob a pele? 
Gente, ainda.

 

 

 

 

 

JOGO CIGANO

 

 

Tua estonteante presença

vento salgado do mar imenso

me envolve, violenta tempestade

ímã
tirando-me o fôlego....
oh, bem-me-quer!

Procuro a mim mesmo no teu mapa

onde ao meu coração

 cabe um destino só

pois no teu jogo cigano

tiras minha fortuna!

Ameaças dizendo

 que um amor assim

se eu não aceitar

que trate

de me preparar para

entrar com ele em combate

 

 

 

 

 

Dormir

 

Adormeço entre amor e esquecimento

Longe dos deuses e homens.

O prisioneiro coração-oásis

Estanca a sede, transcende a mercenária multidão

Na inclemente noite furiosa de danações e bênçãos.

Com olhos acesos em volúpia latejando

Sou flecha voando na tempestade

Sobre os beijos dos vermes roedores

Calma dos anjos, ranger dos demônios.

O sol me acorda

Do sonho entorpecente, afrodisíaco

Onde eu era espectador e ator

Levanto

Tomo meu banho e café

Visto roupa e razão

Vou trabalhar o dia todo.

 

 

 

 

 

 

Lembrança suja

 

Passaste por tantos

E te acolhi como virgem

Mentiste

Perdoei.

Deixaste-me

E de modo tão cruel

Caiu-me a alma no lixo

Preciso de um banho por dentro

Que limpe tua lembrança

 

 

 

 

 

 

 

 

De outro modo

 

Era hora de meditar e transgredir

No nosso quarto

Catedral e teatro

Imagens bruxuleiam digitalizadas

Na rua, manifestações

Gritos, explosões, esperança.

Nos músculos do ontem amanhã

(re) fazíamos o  hoje

E lá fora éramos nós aqui

Permanência e êxodo

Política e intimidade

No gozo mais sublime

Carência mais latente

Na ossatura da acomodação e revolta

Tendo já o que nunca teríamos

De outro modo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tempo de não pensar em mim

 

Uma vez sonhei

 meu nome no infinito maior

noutro dia havia lágrimas no travesseiro

 e poeira nos troféus

de amor em amor a gente encontra

a paz e a guerra

 mas só a luz interior é forte o suficiente

para nos guiar

 quando o assunto é o etéreo

 amigos, parentes e serpentes

nada podem contra a consciência limpa

 agora sou moisés neto

amanhã sou você

porém será sempre por você

e tudo que sou continuará no teu querer

 como pensas que deve ser

 a cada minuto do não pensar em mim

 

 

 

Poema para Norma Bengell (por Moisés Neto)

Viverás para sempre

Na tela de vários formatos

Desceste ao Hades

Mas teus Orfeus cantarão tua glória

Estás onde poucos podem ir

Uma eternidade feita de dor e gozo, éter e sangue teatral

Nós , artistas, somos condenados a querer o novo, sempre

Rir e chorar é o que fazem

Com o que oferecemos

Num Olimpo improvisado

Este tupiniquim tablado de desespero e êxtase bandido

Prestando contas a um governo podre

Que não leva em conta nada além de um projeto pontuado

Numa era digital

A enfiar, deslizar e futucar

Dedos gordurosos de um falso interesse

Em downloads que levarão a outro NOWHERE

Restam os filmes, Norma, restam os filmes...

 A tua história...

O resto, como sempre, é silêncio.

 

 

 

 

poeminha de moisesneto: sonhando com janis joplin:

Um dia conheci Janis

Quando fui a Port Arthur

Ouvimos muitos blues

Bessie Smith, leadbelly, Big Mama Thorton

E demos uma canja  cantando no coro local

Rimos do que foi a Jefferson High School

E até da nossa antiga atitude rebelde,

Vestimo-nos como os beatniks

Rimos como na época de San Francisco

De North Beach,

Quando ela trabalhou como cantora folk

Eu não toquei no uso de drogas

Mas tomamos alguma cervejas

E também no Southern Comfort

Diziam que o uso de drogas chegva a ser mais importante

para ela

do que cantar, e chegou a arruinar sua saúde

Ela me apresentou ao pesoal do Big Brother & the holding company

Do Full Tilt Boogie Band

E eu fui me despedindo enquanto o sonho não acabava cantando com ela  minha cara "Me and Bobby McGee"

E ela mandou brasa com "Mercedes-Benz", escrita pelo poeta beatnik Michael McClure...

Na paredwe estava escrito que as últimas gravação que Janis fez foi

Happy Trails, como um presente de aniversário para John Lennon

que faria aniversário em 9 de outubro

( em entrevista, Lennon contou que a fita chegou em sua casa após a morte de Janis!)

Quando olhei para meu celular era dia 3 de outubro de 1970

Apontou para o estúdio Sunset Sound Recorders (L.A.)

E eu ouvi o instrumental da música de Nick Gravenite, Buried Alive in the Blues

Ela disse que a gravação dos vocais estava agendada para o dia seguinte

Disse que ia  para o hotel

Eu já sabia que  no dia das gravações (4 de outubro) ela não apareceria no estúdio

E que  John Cooke (empresário da banda) iria até lá e a encontraria morta

Que ela iria embora numa dose danada, como uma heroína

O  álcool a levaria para longe deste insensato mundo

Aos  27 anos

E que seria cremada no parque memorial de Westwood Village (CA)

E suas cinzas espalhadas no Oceano Pacífico

Seria  homenageada com o musical Love Janis

Baseado num livro, escrito por sua irmã, Laura.

Acordei

Tomei café e olhei para a minha cidade, hoje

Um vento suave me dizia que o tempo não apaga

 

 

 

 

 

 

Mandela, corpo e alma



Lá se vai Mandela
Se vai para ficar para sempre
Ele que nos libertou tantas vezes 
sentimento profundo
Mãos de pai, de irmão
Hoje o mundo guarda tua lembrança
de carinho e luta
a nos inspirar em meio à guerra dos dias
Morreu o corpo
Viverá a força revolucionária do amor tão profundo
Pássaro de esperança & força
Viverá agora no mistério do tempo tríbio
Nas fronteiras móveis das identidades
Até a próxima luta, professor
Obrigado, por ensinar-nos uma lição com tanto carinho
Tua despedida neste dezembro é apenas mais uma batalha
Tua participação no doce mistério da vida.
Teu sorriso e tua voz ficarão
Através do universo
corpo e alma
Retrabalhando o tempo e o espaço
Nessa arena cósmica...
Ah! Que tolo que eu sou... 
Por que choro agora?
Tudo que é sólido se desmancha no ar
É tudo alquimia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

HAIKAIZINHO...

 

Verão: a vida é fácil?

Peixes no céu, estrelas no mar

Gasosa fantasia, o  amor reinventar

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ESSA MORDIDA

 

 

 

 

Por que essa mordida, assim tão de repente?

Ferir-me com teus dentes

Virgem dos olhos de sangue e fel

Tanto tempo de nós dois, cruel

Nas dobras do éter

Tua fala e riso de encanto

Meu coração em convulsão, fico sem voz

Sob a pele fogo leve percorre-me feroz

cegueira, zumbido, tremura, suor

estou quase morto

Morrevivendo, amorodiando

Em jogo cigano, de repente?

Ah!

O  que faço com a gente?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(poemazinho mínimo de moisesneto para todas)

 

 Se a coisa estiver por um dia: Virgem Maria!

Se foi traído, não sai da inércia: foi Lucrécia!

Por uma não lhe assanhe: amiga, esposa, mãe!

Flor, dor-amor qualquer: doce mulher!

Se artista? Protagonista!

Em seu ventre por meses o humano habita!

Mesmo sem filho, estranho brilho!

Leite, mel, deleite até no fel!

 

Poemazinho dô´je

 

Domingo, tão lindo, água entre os dedos

Gigante pequenino, velho Abaporu menino

Suave aprendizagem, ou não, seguindo a canção

 

 

 

ostra

 

Abre os olhos, natureza morta!Vou penetrar-te toda do sul 
até os olhos,ouvidos,lábios de barro e mistério,soprar ardente verbo
Sob árvores de sal e doce, desenredo da nossa lonjura anterior, nessa orgia

 

 

CARNE DE OSTRA

 

Abro-te, natureza morta, dentro vives, vou devorar-te toda, 
com olhos,ouvidos,lábios de barro e mistério,verbo/luz,ardente desejo
Sorver-te sob árvores de sal e doce, desenredo da nossa lonjura anterior

 

 

 

 

 

 

 

CONTOS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 


O Cão mais feio do mundo não deixará descendentes

O cachorro eleito o mais feito do mundo, Elwood, não deixará descendentes. Ele foi castrado quando era muito pequeno. Ele nasceu do cruzamento do Chihuahua com com o Cão de Crista Chinês.

Segundo o Fantástico, Elwood nasceu branco, esmirrado, dentes só na metade da boca. Então a língua escorregou e ficou para sempre do lado esquerdo. E, como ela balança, machuca o olho, que, por via das dúvidas, fica fechado.

Ele cresceu e vieram as manchas pelo corpo. Ficou tão feio que a antiga dona decidiu entregá-lo para a carrocinha. O marido de Karen soube que ele seria sacrificado e salvou a vida de Elwood.

O cão, que mora no Estado americano de Nova Jersey, participou do concurso na Califórnia. Muita gente diz que Elwood parece um macaco, que tem nariz de porco ou que é um gato sem pêlo.

 

 

 

 

 

 

 

 

Bonita

 

Os limpadores dispersavam a água do vidro. Ela atravessou a Ponte Giratória no meio da neblina. Fumaça dentro do carro, lágrimas nos olhos. Um retrato rasgado sobre o assento do passageiro. “holding back the years”, do Simply Red, no CD player. Uma ilha: o Recife Antigo. Um revólver no porta- luvas, pílulas, uma garrafinha de prata. Uma retocada básica na maquiagem e no cabelo, uma ajeitada nos anéis, no colarzinho, no sutiã. Um perfume, Dolce & Gabanna.Respirar fundo. É hoje.

O flanelinha com imenso guarda – chuva até a porta da boate. Sorriso do porteiro, abraço do promoter. Faíscas de luz vinham do primeiro dancing. Direto para o Mexican bar.

 

- Tequila.

 

Olhos ansiosos. Bebeu a dose de um gole só. Classe média recifense. Poucos ricos à meia-noite. Partiu uma unha quando meteu a mão na bolsa em busca de um cigarro.

 

- E meu benzinho?

 

- Na Praça do arsenal. Show do Manu Chao.

 

- Diz pro Fred que eu já volto.

 

- A senhora manda.

 

Cruzou o loundge como um espírito e saiu entorpecida. Uma rajada de vento frio deu-lhe um arrepio na nuca. Num dos velhos casarões duas prostitutas velhas gargalharam na varanda Alguns vagabundos trocavam insultos numa birosca suja. Ao longe o barulho do show.Olhou à direita para a praça do Marco Zero. A torre de cristal cintilava esverdeada e uma criança dançava alucinadamente.

Na Rua do Bom Jesus as folhas das árvores balançavam e as calçadas dos bares estavam vazias. Lá dentro alguns buscavam calor.

Ela entrou numa espécie de pub. Sentou-se. Pediu mais tequila e ligou para ele. Muito barulho. Mandou uma mensagem por escrito: no Panquecas em 15 minutos, que logo passaram. Quando ele chegou ela tinha tomado mais uma dose.

 

- Queria ver o resto do show...

 

- Eu sou o show. E aquele toin oin oin do Manu Chao, sinceramente!.Olhe: o que você fez, tirando tudo que é seu do apartamento e jogando a chave por debaixo da porta...depois de tudo...é im-per-do-á-vel! E comigo! Quem você pensa que é? Hein? Eu acabo com você! Foi aquela cachorra, não foi? Vamos diga!

 

- Se você não se acalmar, eu vou embora.

 

- Pois vá!

 

-Você não tem jeito. Vamos andando. Pague esta porcaria. Eu lhe espero na esquina.

 

Levantou-se. Ela deixou uma nota de 50 e disse que depois pegava o troco. Seguiu- o . A chuva havia parado e uma lua cheia ensaiava iluminar as ruas lamacentas. Ela alcançou- o.

 

- Canalha!Vou denunciar vocês todos. Pensa que não tenho provas?

 

- Eles matam você.

 

- Sem você, é melhor morrer! Eu te amo demais. E sei que você me ama.

 

- Ninguém manda em mim.

 

Ela segurou o rosto dele e deu-lhe um prolongado beijo na boca. Parecia querer sugar-lhe a alma. Ele desvencilhou-se e continuou a andar em direção ao cais. Passaram uns rapazes vestidos de preto e com caras de mortos-vivos. Um deles pediu um cigarro. Ela disse que não. Pegou um e acendeu.

 

- Isso ainda vai te dar um câncer. Que feio!

 

- E o seu vício é tão bonitinho...

 

- Escute: semana que vem estou indo para Londres.

 

- Não!

 

- Me deixe ir! O Recife está me sufocando.

Uma nuvem passou rápida pela lua. Eles chegaram na frente do prédio enorme do Ministério da Fazenda. Ela encostou-se numa das colunas. Olhou para um navio que estava atracado. Observou o nome. Parecia russo.

 

-Vai largar a faculdade? Vai trancar?E o dinheiro que eu gastei?

 

Ele não respondeu. O telefone dele tocou. Ele se afastou pra atender.

 

- Estou com ela agora...

 

- Sua vagabunda! Deixe o meu homem em paz! Não estrague o futuro dele!

- Pare! Depois eu falo com você!

 

- Ai, meu Deus. Você está me destruindo. Depois de tudo que eu fiz por você!

 

Saiu andando cambaleante em direção ao envidraçado Armazém 12. ele a seguiu. Um trem de carga se aproximava. As lágrimas atrapalhavam a visão e ela imaginou-se estraçalhada sobre os trilhos. Desistiu.

 

- Pois vá! Vá mesmo. Vá logo.

 

Ele afastou-se indeciso. Mas, foi. Talvez para sempre.

 

Ela pensou: era forte. Já agüentara muita coisa e venceu na vida, sozinha. Maldito desmantelo blue! A lua brilhou intensamente. Ela esboçou um sorriso. Olhou para os prédios da Praça do Marco Zero. O chão molhado, as avenidas. Sozinha naquela ilha!

 

Encaminhou-se para o carro. Morrer não adiantava. Tinha que continuar lutando e tentar ficar mais forte e mais... bonita.

 

 

 

 

 

 

 



MANGUEBEATNIK!

Emoções baratas

 

Um  contensaio  dramocinematográfico  de Moisés Neto

 

 

 

 

 

Woodstock,  hoje

 

Vi o fogo nas brechas

Das cascas de pedra

Sabedoria que não se diz

Sonho maravilhoso paz & amor

Flor selvagem unissex

A roçar o céu

Fita azul, nova estação

Despedida inconsistente, hey Joe

Laços nunca enfraquecidos

Hoje, 40 anos depois

Pós-lisérgico Imperialismo?

Castelo de nuvens

Palavras profanam lembranças

Manguebeatnik

Joplin música ao longe

Pulso dos invisíveis

Amor que muda de cor

Tempo de sono

Cair mudo das estrelas

Circo, pão e lágrimas

Liberdade é não ter o que perder?(M.N.)

 

 

 

- Tédio! Eis porque fazíamos tudo aquilo: por puro... tédio!

 

- Eu tinha uma proposta...

 

- Ah, é? Qual era? Ficar chapado. Bem chapado. Não era ? Uaaaaaaau!

 

- Lembra a primeira vez que viemos neste bar?

 

- Foi a primeira vez que eu vi a serra das Russas. Um barato.

 

- Estava chovendo. Igual a hoje.

 

- Sim e nós quatro estávamos indo exatamente para Fazenda Nova, como estamos fazendo agora. Só que era para uma festa e agora é para um funeral.

 

- Pobre Daniel. Os leões não o pouparam desta vez. Mas pelo menos ele morreu chapado.

 

- Sim. Foram várias cervejas e ele morreu nos braços de quem amava e trepando!

 

- Aquele safado. Morreu me devendo mil dólares. A grana que eu ia usar em Amsterdã.

 

- Parece a morte do Neal Cassady...

 

- Lembra quando fundamos nosso primeiro grupo?

 

- Eu tinha 17 anos e tinha acabado de ler On the Road, O Uivo e Almoço Nu!

 

- A gente curtia Led Zeppelin pra caralho. Janis Joplin, Deep Purple, Nazareth, a porra!

 

- O jazz, as drogas, as viagens, as iluminações beat. Éramos como uma nova espécie de anjos...

 

- Não exagera, cara!

 

- Nossa alma era múltipla e densa, como um solo de guitarra de Jimmy Page! Afiada como a voz de Robert Plant! Ou um solo de Charlie Parker. Lembra do filme Bird?

 

- Do mesmo diretor do filme The Wall. Não foi? Do Pink Floyd?

 

- Acho que não. Que importa?

 

- E agora nós quatro bem  aqui onde quase tudo começou...

 

- Só falta o quinto mosqueteiro...o Daniel, my brother...(começa a cantarolar a música “Daniel”)

 

- Não! Elton John, não. Please.

 

- “When are you gonna come down? When are you going to land? I should have stayed on the farm. I should have listened to my old man. You know you can hold me forever I didn´t signe up with you!”

 

- Oh yeah,man! The yellow brick road. The long and winding road...

 

- E aquele dia de Lucy in the sky with diamonds?

 

- Beat...Beatles...os beatles eram beatiniks. Bob Dylan era beatnik.

 

- Delinquência, orgias. O consumismo materialista não saciava a nossa fome. Eu queria ser escritor e já tinha lançado um livro pelas edições Piratas.

 

- Lembra do dia em 77 quando chegou o disco do Sex Pistols?

 

- Cara, eu pirei com aquele som. O Burroughs mandou uma carta para eles, elogiando o trabalho dos caras.

 

- Acho melhor a gente esperar esta chuva passar.

- Também acho.

 

- Garçom, traz mais duas! E coloca este CD, por favor.

 

- Que CD é este?

 

- Coltrane.

 

- A gente tinha ideologia. A gente pensava. Tinha, mesmo dentro daquela porra de ditadura, mais liberdade do que a gente tem hoje. Essa juventude de hoje é muito careta.

 

- E a meditação? As dicas que Augusto dava pra gente? Ele traduziu Gary Snyder pra gente.

 

- Kerouac queria ver o rosto de Deus...morreu em 69! Tinha encaretado? Sei lá. Vivia na casa da mãe. Hemorragia estomacal...Ginsberg bateu as botas em 97 e Burroughs ainda tirou onda com Sting e o U2.

 

- A visão desses caras iluminou nosso caminho. Não foi?

- Não seja tão sentimental, cara. Isso não leva ninguém a lugar nenhum.

 

- Destruir a literatura acadêmica, as generalizações taxativas, a linguagem dos certinhos...

 

- Minha vida é bem parecida com a de Gregory Corso...

 

- Eu sei um pedaço de um poema dele decorado

 

- Você mistura poemas dos outros com os seus...

 

- É assim: “Parado na luz fria da rua deserta/ Olho pra cima pra minha janela, ali nasci/As luzes estão acesas; outras pessoas andam por lá/ Estou vestindo jeans, cigarro na boca/ Cabelos nos olhos, mão na garganta./Atravesso a rua e entro no prédio./As latas de lixo continuam cheirando mal”. Casa Natal Revisitada, Gregory Corso, um beatnik do caramba!

 

- A vida me transformou num poeta. É o poeta e não o poema que deve se transformar numa obra de arte.

- Eu era um HIPSTER... uma geladeira pifando que funciona com barulho, calor e incrível violência apenas para manter a sua finalidade que era manter-se fria...É preciso manter-se frio e tentar salvar o motor.

 

- Sempre achei que você tinha cara de geladeira doida

 

- Vai pro inferno! Vamos brindar ao Daniel! Garçom: bota a faixa número 7. Por favor. Ele adorava esta música. Ele tentou ficar frio

 

- Como a geladeira doida...

 

- É. Mas o motor dele pifou

 

- Motor de máquina velha quando pifa, é fogo.

 

- Ei, cara.

 

- Ã...?

- Tem uma remela no teu olho e estás com uma cara de ressaca da murrinha! Vai no banheiro e vê se dá um grau, falou? Vamos chegar no enterro do Daniel com a cara limpa.

- Pacifistas, anarquistas, zen bundistas...

 

- Bundistas desbundados...

 

- Pluralismo cultural, sexual, individual. Um basta aos mitos do progresso. Queríamos um novo tipo de família relaxada e festiva!

 

- O mundo exterior não se altera se continuarmos os mesmos. Depois do que fizemos, revolução no Brasil, pra quê?

 

- Malditos autômatos.

 

- E essa porra de Manguebeat? Cadê? E o teu livro? Vendeu tudo em três meses. E daí? Eu soube que o Fred reclamou de um lance...

 

- Manguebeat ou Beat? Fenômeno comportamental, musical ou literário?

 

- Só um esquizofrênico divide arte da vida.

 

- Pelo menos Chico rompeu com aquela caretice de Geraldo Azevedo e aquelas morenas tropicanas na tarde de domingo azul nas praias encoqueiradas de Alceu Valença. Que saco. Vou tomar dois goles de uma vez por causa disso.

 

- Falando sério: por que você escreveu aquele livro sobre Chico Science?

 

- Porque eu quis. Merda. Eu conheci o cara. Eu achei legal tudo que ele fez. Aquilo foi beatnik puro. Foi como a cena da Califórnia nos anos 6 0 ...The Doors, essas coisas. Vocês mesmos iam aos shows também. A gente se encontrava na Soparia. Agora é que dez anos depois ficam tirando onda com a minha cara.

 

- Liga não. Acho até que Chico era uma espécie de... não riam! Profeta contra a repressão: Afrociberdelia!

 

- Se os beatniks tiveram que enfrentar o Macarthismo, nós tínhamos a herança maldita do governo militar a assombrar nossa geração, nossas vidas e até a nossa arte! Manguebeatnik: a marijuana  é uma panacéia pacifista.

 

- A arte é vida. Chico curtiu a vida. E fez sucesso quase imediato.

 

- No meio do axé, do brega, sertanejo...Voz própria sem concessão demagógica. Estabeleceu-se uma verdadeira comunicação por necessidade inconsciente e coletiva. Abalando os hábitos esterilizantes dos amadores solitários e sacudindo a massa. Um hipster: típico das esquinas, dos bares, das festas, uma criatura dos aglomerados humanos enlouquecidos

 

- Só falta dizer que ele era um novo Rimbaud. Faça-me o favor...

 

- Eu dei uma lida em tudo isso ultimamente e me pareceu bastante vazio. Não acredito que o Manguebeat vá virar história. Ele já parece ter chegado a um ponto de refluxo.

- “Qual a sua estrada, homem? – a estrada do místico,/a estrada do louco, a estrada do arco-íris, a estrada da droga, qualquer estrada...Há sempre uma estrada em algum lugar, pra qualquer pessoa, em qualquer circunstância”, um brinde ao Neal Cassady!

 

- Um brinde! Aquele é outro: morreu chapado e só perto dos trilhos do trem.... Será que foi suicídio?

 

- Foi o que eu me perguntei a respeito do nosso amigo Daniel também.

 

- As drogas deram aos beats o que eles mais precisavam: relaxamento do corpo e ampliar a imaginação. Mergulho fora do tempo na tranquilidade...

 

- Como eu dizia do Manguebeat: uma prosódia baseada na fala popular, o antiacademicismo e aparente antiintelectualismo. Conciliou o maldito e o olímpico, produzindo influência musical e comportamental. Com ele aprendemos a amar novamente nossa cidade, nosso estado, nossa loucura e nossa sanidade!

- Se Chico tivesse continuado vivo, será que a MTV ia continuar dando apoio a ele e a revista americana Spin? E os jornais?

 

- Vamos mudar de assunto.

 

- Nós fazemos parte do Romantismo, do mesmo jeito que Alencar e Castro Alves.

 

- Como assim?

 

- Nada na vida se acaba.

 

- Você está bêbado...desde ontem. Não é, meu filho?

Eu sou aquela barata bêbada de Kafka, do comercial de inseticida, de O Processo, do Admirável Mundo Novo, de Huxley, do Orwell de 1984, de Carlos Castañeda.. A musiquinha era assim: “A baratinha, iaiá, a baratinha, ioiô. A baratinha bateu asas e voou!”.

 

- Maconheiro.

 

- Gerente de banco multinacional...

 

- Hoje eu quero celebrar os velhos tempos. Hoje eu sou um anti-herói.

 

- Nossas errâncias aventurescas.  Euforia psicodélica. Coisa de piratas. Monges medievais. Índios Xucurus.

 

- Outro dia eu reli o Visions of Cody, do Kerouac. É puro jazz. Prosódia bop!Escrita espontânea. Ioga das palavras. A persona do Neal Cassady até hoje me fascina.  Há características que só aparecem na leitura em voz alta.

Pensar que T. S. Eliot queria uma literatura, uma poesia impessoal. Os beat barbarizaram.

 

- Mas não esqueça que o lance do texto-colagem a gente encontra tanto no Wasteland, quanto em Kerouac e Ginsberg. E também nas letras do Manguebeat.

 

- Os mangueboys  ficaram famosos mais por sua temática e linguagem do que pelo seu estilo. Linguagem das ruas, surrealismo, teoria do caos. Tudo isso eu já falei no meu livro. - A oralidade, a fala do nosso tempo. Foi isso que me chamou atenção nas letras do Chico. Sabia que o Daniel tinha uma entrevista exclusiva, e inédita com Science?

 

- Eu já vi.

 

- “Portanto, poetas, descansem um pouco & calem-se: Nada jamais surgiu do nada”, já dizia o velho Kerouac no poema “Rimbaud” de 1960.

           

- Sabe outra coisa que os beatniks têm em comum com o pessoal do Mangue? E até com nós outros?

 

- Sei: nenhuma mulher fez parte do grupo. E o livro que Daniel deixou para publicar?

 

- Os escritos psicosensoriais... ele disse que rapsodiaria  a nossa realidade. Seja lá o que for, ele escrevia bem.

- Da última vez que eu o vi ele me mostrou. O texto era um choque térmico entre forma e fundo: límpido, frio, plano, regular, quase sem estilo.

- E o assunto? Do que trata o tal texto do Daniel?

 

- É a história da nossa geração e é uma homenagem ao Movimento Mangue e aos Beatniks.

 

- A namorada do Daniel me lembra aquela mulher do herói do “Almoço Nu” de Burroughs...

 

- A Joan...

 

- É. Lembra quando ele brinca com ela? Em vez de colocar uma maçã na cabeça dela para dar uma flechada, ele coloca um copo e tenta acertar com um tiro e acerta é a cabeça dela?

- Como assim?

 

- Ele pirou a cabeça daquela menina.Ele era doido e pagou com a própria vida os anos de loucura que viveu.

 

- Like a Rolling Stone. Como aqueles personagens Dean e Sal, do On the Road...

- Os Rolling Stones pegaram tudo dos beatniks e dos negros. Por que não teve nenhum negro beatnik?

 

- E quando a gente inventou aquela banda? Uau! Pode não ter dado muito certo, mas foi uma loucura. Ah, cara A poesia sempre só tem a ganhar quando se junta com música. Os poemas de Homero foram recitados assim.

 

- Cá estamos: num dia de chuva, indo para o enterro de um grande amigo que morreu de overdose em pleno século vinte e um! E estamos com o pé na estrada, exatamente como fazíamos há mais de vinte anos. A diferença é que hoje só fazemos nos fins de semana e nas férias...

 

- Aquilo está no nosso sangue para sempre.

 

- E aquela briga em San Francisco? Você quebrou a cara daquele professor.

 

- Ele veio falar mal do Brasil.

 

- Você estava era muito doido...

- Foi o meu último ato como delinquente juvenil.

 

- Esta é a velha estrada: suja e misteriosa, ao mesmo tempo tão óbvia...só faltam as anfetaminas e a marijuana...

Por falar nisso...

 

- Não!

 

- “Ó estrada minha e de todos não tenho medo de deixá-la. Hás de ser para mim mais que o meu poema”, Walt Whitman...

 

- Sabia que ele era homossexual?

 

- Não. Só contaram para você.

 

- Eu às vezes penso em fazer como Thoreau. Ficar isolado da civilização. Oito anos e meio vivendo numa cabana. Sem contas, eletricidade, nada. Do alto da colina vendo as construções. O homem e seus negócios me irritam: igreja, Estado, comércio, agricultura, política- folgo em ver o espaço insignificante que ocupam na paisagem.

- Eu queria ir pra o México. O peiote, os índios, as pirâmides

Pobre México, tan lejos de Dios, tan cerca de Norte América!

 

- Manguebeatnik: máquina que mata fascistas!

 

- Fascista é a puta que lhe pariu!

 

- Eu não estava me referindo a você!

 

- Então por que olhou para mim? Seu  idiota!

 

- Calma: todos querem pão e rosas, não é verdade?

- Quando eu era mais moço diziam que esta minha ansiedade iria passar. Agora que vou completar quarenta vejo que isso é mentira. A estrada me fascina cada vez mais. Sem viajar eu não sou ninguém, cara. A estrada é o meu SATORI, meu súbito despertar...

 

- A carroça de maçãs como um anjo numa vassoura. Rua louca sem nome, estadias estradeiras de Ferlinghetti, homens sanduíches, banhistas antiquados, imagens surrealistas, labirinto da solidão.  Percorrendo este mundão real com meu coração irreal. Puta merda. Eu estou bêbado pra caralho, cara. Tô até com vontade de chorar.

 

- Minha gente: vamos embora. É melhor.

 

- Mas a conversa está tão boa...

 

- Quando chegar ao topo da montanha continue subindo. Você e seus nós mentais. Para o inferno!

 

- Esta sua insatisfação visceral, este seu interesse pelo Zen, esta história de que toda a vida é sofrimento isto mais parece aquele livro de Kerouac: The Dharma Bums. Dharma significa “Verdade”, o que é. Karma...

 

- Você parou no tempo e no espaço. A única merda que você conhece de literatura são esses escrotos desses beatniks, é?

 

- Nós éramos os representantes deles no Brasil no começo dos anos 80. Como é que eu posso esquecer?

- Porque já faz 20 anos.

 

- O tempo é uma ilusão. Ainda detenho os direitos autorais de duas das obras beat.

 

- Venda para a Globo. É o melhor que você faz.

 

- Eu ainda vou filmar aquelas histórias.

 

- Você é um péssimo cineasta. Eu não gostei daquele seu curta- metragem...

 

- Você é um pulha...

 

- Eu vou rezar por você

 

- Ora...Guarde suas orações para quem precisa delas, não para mim. Seu fracassado!

- Pensar que eu já estudei japonês e chinês, e agora não passo de um candidato a monge, bêbado!

 

- A saída de todos os problemas é beber leite.

 

- O Zen é antiintelectualista: aceita a vida sem teorias explicativas, que a tornam chata, impedindo o seu fluir descontínuo...

 

- Meu irmão: você é um gênio.

 

- Isto não é meu. Eu li em algum lugar

 

- Mesmo assim: é uma honra ser seu amigo, sabia?

- Os japoneses fundiram duas grandes tradições da China e da Índia surgiu o Zen! Somos ajudados pelo que não é a usar o que é.

 

- Isso é mais confuso que Confúcio.

 

- Trocadilho é a pior forma de literatura.

- Zen quer dizer meditação. Contemplação, sabedoria.

 

- Todas as religiões contém noventa por cento de fraude, já dizia Gary Snyder.

 

- E daí...Que conversa mais doida!

 

- Deixem-me recitar um haicai de Moritake..

 

- Não. Por favor. Nos poupe.

 

- “Uma flor caída/Voltando para o galho?/ foi uma borboleta”

 

- Que comovente.

 

- O músico oriental aprende imitando o professor, não pela leitura das notas...

 

- Eram outros os  tempos, não?

 

- A espontaneidade, cara, é o que une o Zen, à escrita automática dos surrealistas e à prosa espontânea de Kerouac.

 

- Você está obcecado. Pare. Tome um copo d´água. Você está parecendo um hippie maluco.

 

- Ao contrário dos beatniks, os hippies eram filhos mimados de uma sociedade próspera...

 

- Ou enjeitados em busca de paraísos artificiais...

 

- Sabia que o Allen Ginsberg namorou o Bob Dylan?

 

- Você disse...

 

- Você parece um palhaço com a terceira visão piscando.

 

- O ácido lisérgico destruiu sua noção do que se deve ou não falar. Você está é muito doido.

 

- Lembra daquele filme que a gente assistiu no cinema da Aeronáutica nos anos 70? Os assassinos do raio azul. Sobre uma turma que tomava ácido e anos depois vieram estranhos efeitos...

 

- Aquele cinema era ótimo. Não tinha censura.

 

- Proponho mais um brinde para o Daniel. A ele, que não sobreviveu!

 

- O filho da mãe. Como é que ele pôde, através desse escândalo cósmico, morrer?

 

- Nós, filhos da contracultura, somos todos uns maus perdedores.

- Eu sou um vitorioso: eu não choro pelo passado. Faço como David Bowie fez nos bons tempos: lamento pelo futuro. Estes jovens de hoje não estão com nada!

 

- Nossa geração foi importante: promovemos a revolução na linguagem e nos valores. A liberdade numa época em que ou você era de esquerda ou de direita, estabelecemos uma nova relação entre a poesia e a vida. Deixamos a lava e cinza da poesia espalhadas pelo Recife...Selvageria extraliterária. A gente curtiu pra caralho. Orgia pura, meu.

 

- Eu trouxe uma cópia do email que o Daniel mandou para mim pouco antes de morrer. É uma parte do estudo dele que compara o movimento Manguebeat com os autores beat.

 

- Quantas páginas?

 

- Seis.

 

- Lê um pedaço dessa porra enquanto a gente acaba a merda desta bebida e paga a conta.

 

- Lá vai:

 



“MANGUEBEATNIK: A INTERZONA!

(“Manguebintik Generation”)

50 Anos da Beat Generation

10 Anos de Manguebeat

 

 

APOSTANDO A ÚLTIMA FICHA NA JUKE BOX DA SOPARIA

 

 

Se não houvesse um Deus, seria necessário inventá-lo.

Voltaire.

 

            Reunidos em lugares como o Cantinho das Graças ou na lendária Soparia do Pina, ou do Bar do Caranguejo em Candeias, alguns amigos trançaram os rumos que abalariam os alicerces das concepções artísticas no Recife no início dos anos 90.

            O termo Manguebeat logo seria conhecido pelo Brasil inteiro e viraria marca registrada de artistas que dentre outras coisas admiravam a geração beat principalmente os autores como Kerouac e William S. Burroughs. O livro “On The Road” tivera sua 1ª ed. em português nos anos 80 e a editora Brasiliense havia relançado vários autores da Geração Beat, que voltavam a influenciar os autores brasileiros. “Pergunte ao Pó”, de John Fante, mostra um herói que tem tudo a ver com os personagens marginais que pululam nas letras de Chico Science e Fred Zero Quatro, dois poetas, líderes do Manguebeat.

            Science vinha desde os anos 80 “Antenado” com a cultura Underground norte-americana. O Rap e o Funk faziam a cabeça daquele rapaz que aqui no Recife não esquecia suas raízes culturais, como o Maracatu, por exemplo, nas percebeu que alguns artistas ianques da classe menos favorecida, que ficava às  margens do mainstream, aprenderam a transformar em poemas, e no caso dos beatniks, também em romances, as aventuras das ruas, dos bares, dos guetos.

O momento chegou para a geração mangue quando em 93 Science assina com a Sony Music e os mangueboys invadem São Paulo.

Se o movimento, que havia lançado seu 1º manifesto – release em 91 e já se articulava bem com a mídia e com os produtores independentes a mundiais, a partir do lançamento do CD “Da Lama ao Caos”, a geração Manguebeat dava seu passo mais largo em direção à batida perfeita que eles perseguiam.

Do mesmo modo como nos romances “Pergunte ao Pó” de Fante, o herói do mangue vive o universo dos bares, dos esquecidos da sociedade, da busca da emoção mais verdadeira, da vida bandida que Bukowsky mostraria nos seus textos.

Do mesmo modo que “Beat Generation” foi inventada por Kerouac em 1948 e foi apresentada ao público no artigo que o amigo dele John Clellon Holmes escreveu para o The New York Times Magazine em 1952 (“This Beat Generation”), Fred e Science contaram com o apoio do Jornal do Commercio do Recife para começar o “Movimento Manguebeat”, que evoluiria em muitas direções durante uma década.

O Manguebeat, nos moldes da beat generation (que tinha este nome porque, dentre outra coisas, por significar “derrotado, ou, como queriam alguns, beatitude), usava palavras que normalmente só eram usadas por pessoas das classes menos favorecidas. Por exemplo, na letra da música “Banditismo por uma questão de classe” o poeta Science usa a palavra “Fodido”, só para citar uma pequena exemplo.

A “Batida” (Beat) se espalhou entre aqueles que buscavam a critica social e desprezavam as afetações burguesas. Então, nos moldes dos beathiks, a geração mangue usou criminosos, como Lampião, Biu do Olho Verde, Galeguinho do Coque, e outros, como modelos a serem incorporados ao eu-lírico. Como os marginais do romance “Almoço Nu” de Burroughs, as barbaridades são sublimadas em nome da doidice generalizada da sociedade.

Para o mangue chegaram, com os anos 90: Os CD’s. A MTV, a McDonald e a Internet traziam o estilo americano para o seio de Recife. O Grunge explodia como movimento em Seattle(EUA). Começava a última década de um século que presenciou grandes transformações. Os poetas cansados, ergueram mais uns copos de cerveja e começaram algo que a poeira do esquecimento nunca encobrirá totalmente.

Ficção ou poesia, o drama social de homens que buscaram descrever o cotidiano da estrada, da rua, com sua linguagem dura, sua falta de dinheiro. Em livros ou em CDs, que importa? Era Manguebeatnik! Pronto.

Trocar idéias, discos, revistas e livros faziam partido Grupo Mangue (Fred, Chico, Renato L, Mabuse, Helder Aragão e Jorge du Peixe). Algo que lembrava os tempos do Village, onde os beats se reuniam para “segurar a onda” uns dos outros, ler seus novos textos, fazer performances (Como o grupo recifense que elegeu o Espaço Oásis, em Olinda, o Arteviva e a Soparia do Pina, Recife, para exibir seus trabalhos),  encontrar novas pessoas e se interessar por elas, fortalecendo assim uma corrente de pensamento. Fortalecendo uma atitude grupal. É claro que, como Burroughs, haveria mangueboys de primeira instância que negariam no futuro qualquer ligação maior com o movimento. Mas isto é outra história.

O Manguebeat desponta no Brasil no final dos anos de chumbo, do mesmo modo que os Beatniks enfrentaram o McCarthismo pós-guerra nos EUA e abrir as portas para novas percepções.

A psicodelia, que Ginsberg e Timothy Leary propagaram já nos anos 60, influenciou Chico de tal forma que ele criou a estética afrociberdélica, letras psicodélicas, cibernéticas, estética afro, diluída num som cheio de efeitos.

O desconforto, a ruptura com a velha realidade e a criação de um novo modo de ver as coisas desnudando-as. Era o espírito dos rapazes que queriam aventuras e se posicionavam contra aqueles que queriam roubar dos pobres seu bem mais precioso: a liberdade.

Artistas criando seu próprio universo: os beats mostravam que não eram só as grades das prisões que mereciam uma revisão. Os valores sociais precisavam de novo padrão, este fatalmente iria de encontro ao consumismo, não o respeitando, mas negociando numa dialética bem particular, nova, diferente.

 Havia muita gente sem trabalho, sem segurança e sem felicidade, tanto nos EUA Beatnik quanto no Recife Manguebeat. Mas tanto a águia americana quanto o gigante deitado eternamente em berço esplendido (Brasil) na terra dos altos coqueiros (Pernambuco) fincados no mangue (Recife) tinham no seu colo alguns artistas desvalidos que pediam uma vida menos bandida, logo! E foram buscar na música negra, quer fosse o jazz dos beatniks ou no maracatu, funk, rap, soul dos manguebeats. Queriam a chance de gritar poesia e clamar por liberdade. Andar num mundo mais livre.

 Valia a pena para isso correr vários riscos.

 “Freedom is just another word for nothing left to lose” disse Kristoferson na letra de “Me and Bob Mcgee”, interpretada por Janis Joplin no seu álbum – testamento (Pearl), uma canção pra lá de beat. Janis que levara às últimas consequências os ideais de sua geração beat/hippie. Viajar, em todos os sentidos, é o que propuseram os manguebeatniks, também.

E o esforço anárquico manteve a chama acesa excitando e aquecendo quem deles se aproximar até hoje.

 

II

DROGAS, CRIMES, SEXO E LITERATURA, O BIZARRO COMO UM ESTILO DE VIDA

 

 

O que Allen Ginsberg enfrentou, desde outubro de 1955, em San Francisco, quando  pela primeira vez fez uma leitura pública do “Uivo”, a geração manguebeat, também enfrentava o problema de toda e qualquer nova geração: provar que tinha algo novo e eficiente para mostrar. Tornar-se independente.

Na intrigante expressão facial de Chico Science, no seu jeito de cantar, no que ele dizia sobre a malandragem e o trabalho, sobre a condição de vida na Manguetown (modo como a geração manguebeat chamava Recife) e dos mangueboys, vemos estampada a atitude, o desafio.

Rotular “Mangue”, ou “Beat”, uma geração é fazer dela parâmetro, farol. Conseguir transformar um conjunto de comportamentos, num adjetivo. Uma poesia crua, nua, apostando a última ficha numa juke Box de um bar como foi a lendária Soparia do Pina, de Roger de Renor, onde a geração manguebeat se encontrou, naquele início dos 90.

Viver na boemia e sendo ágil como um caranguejo. Não ter medo do excêntrico, do tedioso, do ceticismo, do cinismo, de reconhecer que a paz nas ruas era apenas para disfarçar o cansaço diante da injustiça social transformada em máquina de explorar pobre e que cara pobre desses tinha, ou poderia expressar, sua visão diferente do mundo. Uma idéia na cabeça e um bom canal de expressão à mão.

Se o beco não tinha saída, o lance seria dar meia volta e cair na estrada novamente. Pois estar na estrada é não estar perdido, é estar procurando.

 O que o Manguebeat procurava era a atitude certa, coisa que a passividade recifense havia esquecido de fazer desde os anos 70, quando grupos como Ave Sangria, capitaneados pelo poeta Marco Pólo, e os escritores publicados pela “Edições Piratas”, como o poeta Manuel Constantino, criavam novas perspectiva  nos meios intelectuais dos bares, das ruas, da mídia.

O mergulho no álcool, na brincadeira, e até mesmo a visão das drogas, o trabalho alternativo, ou nenhum, a produção independente ou o respaldo de uma grande editora, uma gravadora, tudo ia circulando ao redor dos manguebitniks. A desilusão se transformando na vontade de curtir uma nova experiência, psicodélica, africana, cibernética, existencialista, uma viagem para dentro da própria sua condição e curtir várias possibilidades do ser.

 Como no filme “The Wild One”, com Marlon Brando, onde um motoqueiro “Beat” e sua turma chegam para tomar cerveja e agitam numa cidade americana. Ele tem até um troféu, mas a vontade de desafiar o sistema é bem mais importante. Foi assim com Jim Morrison, com James Dean (ícone beat), com Cazuza e Renato Russo(rock dos 80) e com Chico Science e Fred Zero Quatro, da manguebeat generation.

“Only the most bitter among them would call their reality a nightmare and protest that they have been indeed lost something, the future”. Disse John Clellon Holmes no artigo “This is the beat generation”, in the New York Times Magazine 16/nov/52. Artigo que introduziu a expressão “Beat Generation” para o mundo onde ele afirmava que para eles era mais importante “como” viver do que “por quê”.

Não era falar sobre o cansaço e sim em como se tornar mais ativo e ativista: o manguebeat foi o plano que todos esperavam.

Nem se conformar nem destruir: antenar-se e relaxar, parecia ser o melhor caminho para ambas as “gerações”.

Se a guerrilha que Zeroquatro e Chico exaltavam não podia ser uma revolução armada, então seriam poesia e som com “gosto de gás” (com toda vontade) como “Bala que já cheira a sangue” (Trecho de uma letra de Science).

Zeroquatro parecia com o narrador do romance “On The Road” (“Pé na estrada” na tradução para o Brasil), Sal Paradise, que parte de New Jersey para San Francisco, antes parando na casa de um amigo, Dean Moriarty uma espécie de Chico Science, que mora em Denver, e curte a vida. (Dean é inspirado no Beatnik Neal Cassady). Em Dever ele encontra Dean e Carlo Marx (inspirado em Allen Ginsberg) que poderia ser qualquer outro mangueboy como Renato L ou Jorge du Peixe, ou Hélder Aragão (DJ Dolores). Os três curtem Denver, como os caranguejos com cérebro (os jovens do mangue), curtiram Recife.

Dean e Sal precisavam de um lugar para ficar e ainda pensam dar um salto para a Itália. Mas a estrada americana é tudo que a realidade lhes oferece. Chico, Fred, Renato, Helder, du Peixe e Mabuse aqui no Recife armavam as estratégias de ataque. O manifesto em 91, o CD e o lançamento do movimento em São Paulo e no Rio de Janeiro em 93. O Jazz que Sal curte com Duke Ellington em Chicago, era o som de Nick Cave e tantos outros  que Chico curtia em Recife.

 

Digo sem receio que conheço esse meio / entre os balões onde repousam garrafas / com mesa servindo pra bancadas / se respondem as batidas com os calcanhares / é sempre aí que não deixo sobrar nada // a lâmina corria / a vista escurecia / e a multidão nem via / se espremia toda a cidade / caranguejo em praia, não faz bondade // pisou macio com esperteza gravitacional / pisou macio com leveza pra não se dar mal // os ecos sentavam ao lado dos barracões / e as donas reverberando, virando os olhos / com opiniões // nas quebradas com sua pastorinha no bolso / o caranguejo na praia das virtudes // sem medo, sem medo...

 

(Jorge Du Peixe em “Caranguejo na Praia das Virtudes” do CD “Rádio S. Amb.A (Madame Satã”). Serviço Ambulante do Afrociberdélia”. (YBRAZIL?MUSIC,2000) a INTERZONA, Inc. Nação Zumbi.

 

Carne preta seca em pó da lacraia aquática gigante brasileira, citada por Burroughs em “Naked Lunch”, a interzona que este autor sugeriu neste romance. Americanos gostam de viajar, mas só querem encontrar outros americanos para reclamar da dificuldade que é achar um hamburger decente para comer. Ah, os rapazes da Interzona!

Humor Afrodisíaco : agente interzonal.

Esporádicas alucinações?

 Bem-vindo ao clube! Ele está cheio de máquinas escrever mutantes e dopadas.

 Penitência?

Ansiedade?

Psicodelicanálise?

Há em tudo isso um paradoxo ético (étnico)? Transestético!

Todos saem do ar na interzona.

Foi algo assim que eu quis criar, comparando Manguebeat com Beatnik.

Uma filosofia de uso de drogas em relação ao trabalho artístico. Algo que está além de tal “carne preta” de Burroughs, da estrada de Kerouac, da lama e dos caranguejos de Science e Zeroquatro.

E que ao mesmo tempo unisse todos num mar de letras: seguidores e autores, norte-americanos (funk, rap, soul, jazz, literatura beat) e brasileiros(maracatu, cavaquinho & muito mais), numa mesma batida!

Vamos questionar os princípios básicos do que se convencionou chamar realidade.

Nossa América não é um Mundo Novo!

Ela já era velha, suja e má, como disse Burroughs, “mesmo antes dos colonizadores e dos índios”.

Esta Interzona Manguebeatnik também é meio suja e cheia de surpresas. Fugir dela hoje em dia é omitir parte da nossa história, decepar parte do nosso corpo cultural.

Mesmo perdendo os canais de expressão, o sofrimento do cérebro, que transparece nos olhos tristes, dá ao rosto do que são obrigados a se calar, um jeito de caranguejo parado no asfalto quente.

Patas na estrada! Podemos não saber aonde estamos indo, mas chegaremos lá!

Interzona Manguebeatnik: metáfora da ligação política, da nova ordem.

 

- A gente devia editar isso como aqueles livrinhos mimeografados do início dos anos 70...

 

- Temos que juntar com o resto que ele deixou. Estas seis páginas a gente podia tentar publicá-las num suplemento cultural desses como o do diário oficial...

 

- Eu me lembro de vocês vendendo aqueles livrinhos mimeografados pelos bares. Era ridículo! Aqueles panfletos revolucionários. Se não fosse o pai do Júnior ser general, esta hora vocês estariam mortos. Esquerdistas de Boa Viagem. Leitores medíocres do Pasquim e de Millôr Fernandes. Adeptos de Chico Buarque sem champanhe Veuve Clicquot...de Costa Gravas de A  até Z. Mais doidos que os discos dos mutantes e de Gil, juntos. Sacudindo genitais e manuscritos. Foder, é o que vocês queriam, e faziam, em todo lugar. Seus filhos bastardos do dólar heterossexual.

 

- Hei! Isso é Ginsberg, cara. O Uivo: “Caminharam a noite toda com os sapatos cheios de sangue esperando que uma porta se abrisse. Jogaram seus relógios do telhado fazendo seu lance de aposta pela Eternidade fora do Tempo & despertadores caíram em suas cabeças por todos os dias da década seguinte. Cortaram seus pulsos sem resultado três vezes seguidas. Mandaram brasa pelas rodovias do passado viajando pela solidão da vigília.Abraçamos os Estados Unidos sob nossas cobertas. Os Estados Unidos que tossem a noite toda e não nos deixam dormir. Despertamos eletrocutados do coma..eles vieram jogar bombas angelicais. Ó legiões esqueléticas, correi fora. Ó choque da misericórdia- salpicado de estrelas, a guerra eterna chegou. Ó vitória, esquece tua roupa de baixo, estamos livres.

 

- Nós atravessamos o inferno. Muitos de nossa geração ficaram malucos.

 

- Vejam o Smith: um anjo ansiando pelo antigo contato celestial.

 

- Nos meus sonhos, todos os nossos que foram derrotados ou estão lutando em vão até hoje, caminham gotejantes de uma viagem marítima até a porta da minha casa, nesta incrível noite.

 

- Emoções baratas, cara. Emoções baratas.

 

- Garçom. A conta!

 

 

 

And this is the end. Only “the end”, myfriend, only THE END...

 


Os últimos dias do Recife

 

Jove está completamente bêbada. O rio Capibaribe correndo junto do restaurante, em curva generosa e ligeiramente perfumada naquele final de tarde no Recife. Que bairro era aquele? Jaqueira? Casa Forte? Dois Irmãos? A negra se perguntava: “Com que roupa eu vou?”. Nisso Aninha, voltando do toalete, parou e falou com uns caras no piano-bar e gargalhou com algo que um daqueles sujeitos disse. Era um tipo meio durão, sinhozinho mandão de corte canavieiro topetudo. Quando Aninha veio, Jove mostrou um retrato de um jovem despido para ela. “É esse, o tal fulano com quem estou... me... relacionando. É o aniversário dele e a festa promete. Eu serei a dancing queen, entendeu? Ele me chama de minha imperatriz, só porque eu disse que estrangeiros como ele aqui no Recife vem apenas comprovar a prepotência do neo-imperialismo ianque, mas também disse que já que ele veio nos `salvar´ da inundação, tudo bem. Tenho mais escrúpulos não. Tomei ele daquela fulana porque senti firmeza na promessa de mudança. O cheiro de atitude que ele traz”. Aninha olhou para ela chocada: “A fulana é afilhada do prefeito”. Jove rebateu: “Dane-se! Se o Recife ficar debaixo d´água aí eu quero ver o prefeito boiando! Estou é preocupada com minha roupa, o estilista da Paulinha aprontou comigo. Vá confiar! Mas pelo menos o meu assessor cuidou muito bem da divulgação do negócio. Gostou da minha foto na coluna?”. “Não dou importância a essas coisas, você sabe. Aliás, detesto aquela gentalha, aquelas jóias me ofuscam, se é que você me entende. Mas diga: você não sabe dos escândalos com os norte-americanos? Este seu casinho, o tal engenheiro do Tio Sam, pode lhe custar muito caro depois que acabar a ocupação”. Jove gargalhou: "Nunca que eles vão! Estes depois que colocam o olho num, tomam! Não estou dizendo? Nunca vi nada como esse homem”. Aninha devolveu a foto. “Pelo menos ele é competente? A construção do dique está bem adiantada. Sabia que ele já me deu uma cantada?”. Jove aquiesceu: “Não se preocupe honey. Eu não sou armorial! Fui criada na beira-mar de Boa Viagem e se essa porra de cidade vai pro beleléu, é problema dela. Não vou me ligar se meu homem comeu ou deixou de comer alguém, eu quero é me dar bem. Estou cansada das falsas promessas deste novo milênio. Já empacotei tudo que eu tenho. Vou bem ficar esperando a onda chegar aqui? Sei lá se o tal dique agüenta! Não preciso nem esperar. Vou morar no Texas, bem sequinha. Meu amor tem um rancho lá. Passamos quatro dias inesquecíveis no Novo Éden, é o nome do nosso lugarzinho vermelho, branco e azul, cansei de verde-amarelo.” Aninha riu tranqüilizando-se: “Eita neguinha abusada!” Jove pediu um capuchinho ao garçom. “Você quer mais alguma coisa, Aninha?” Esta fez biquinho e disse: “Um sorvete de menta com chocolate.”.

 


 

Cai o pano

 

Numa pouco freqüentada rua de Casa Amarela há uma velha casa rodeada por um estranho jardim. Apenas dois empregados de aparência nada convencional cuidam da manutenção do imóvel. O dono raramente aparece e os vizinhos já nem ligam parra isso. Foi neste lugar que à cinco horas da tarde de um dia nublado de junho que Ângela foi parar seguindo um anúncio de jornal. Acabara de fazer um curso de teatro e no recorte em sua mão diziam que ali precisavam de uma jovem atriz. Bateu palmas e esperou logo apareceu alguém que parecia um empregado e conduziu a jovem a uma requintada sala onde um casal a esperava.O empregado retirou-se, não sem antes observar a recém-chegado com um certo olhar de soslaio.

- Foram vocês que botaram anúncio no jornal procurando uma atriz- suspirou esperançosa.

- Exatamente

- Então você é candidata?

- Como é seu nome?

- Ângela... senhor... Eu faria tudo por uma boa chance de mostrar o meu talento.

- Minha filha você nasceu no interior?

- Não. Em Recife mesmo. Vim assim que vi o anúncio no jornal. Peguei um táxi...

-  Você não imagina até aonde vai nossa influência. Por isso muita gente nos procura. Muita. –-Ela parece tão jovem...jovem demais para o papel.

-  É de mim que o público precisa. Eu sei – disse a novata ofegando mais uma vez.

-  Hum- resmungou a assistente de modo entediado.

- Só depende de você.

-  Se você for boazinha com a gente...

- O  que é que eu tenho que fazer?

- Digamos que...decorar um papel numa espécie de teatro.

-  Que história é essa?

- Uma senhora está sofrendo muito porque acha que o filho tem um certo problema sexual e queremos que você faça, digamos assim o papel de noiva dele.

-  É. Hoje em dia isso é um negócio muito comum- rosnou a assistente.

- - Muito- concordou a menina que já vira muito isso em filmes e novelas- E onde esta senhora e este filho dela moram.

- Na Alemanha.

- E eu tenho que viajar?- perguntou surpresa e fascinada ao mesmo tempo- Eu não sei falar alemão.

- Que curativo é esse no seu rosto?- assistente se aproximou da jovem e fez expressão de asco.

- Fui assaltada na ponte da Boa Vista, corri atrás do ladrão briguei com ele, peguei meu celular, chamei um policial e sabe o que ele disse? Que estava ali enxugando gelo, eu que me virasse ou se quisesse poderíamos ir a uma delegacia e prestar queixa, mas precisava de testemunha e isso ia demorar um tempão e não ia adiantar de nada mesmo.

- Você mora com seus pais?

- Meus pais moram em Catende e eu vim tentar a vida no Recife.Quase não conheço ninguém aqui. Consegui emprego numa loja no shopping do Janga, mas eles não pagaram o salário que prometeram e eu saí. Agora estou trabalhando como garçonete num bar. Mas tem uma professora de teatro que está me perseguindo. Eu não tenho nada contra as lésbicas.

- Por que você não toma uma providência?

- Porque a dona do bar me colocaria no olho da rua. Comecei a trabalhar a semana passada , recebo por comissão. Foi com este dinheiro que peguei o táxi. Faço vestibular no fim do ano e estou freqüentando um cursinho.

- Um cursinho? Nossa que emocionante!- a assistente mal conseguia disfarçar o tédio com aquela conversa tão vulgar.

- Você bebe?

- Só socialmente.

- Está disposta a passar um tempo na Alemanha?

- Este rapaz, ele está no Brasil e embaraça daqui a dez dias. Ele disse a mãe que veio buscar a noiva.

- Está com medo?

- Eu?  Com medo de quê?

Ângela seguiu pensando: como sua ânsia de ser atriz podia combinar com a estranha proposta que recebera? Duas horas depois estava limpando o bar quando Juliana, a mulher que a assediara entrou, visivelmente bêbada. Olharam-se.

-Boa noite, querida. Traz uma cerveja, preciso lavar o estômago.

 

 

O caso de celeste

 

Alô? Quem é?(pausa fica agradavelmente surpresa) Você?(está com o telefone na mão e vai ajeitar o cabelo olhando-se no espelho) É você...(pausa como assim direto ao assunto? Depois de tanto tempo...(chateada-pausa) Eu e César... como assim? Quem lhe disse isso? (ajeita o contorno do batom com o dedo)

Eu vim apenas para esclarecer tudo

(pausa) Calma.Você vai compreender assim que eu explicar tudo. Escuta: o que eu tenho pra contar interessa a você...muito! Afinal tudo aquilo foi tão difícil para todos nós.

(escuta o outro lado da linha e bebe um pouco de vinho)

Depois do que eu vou contar, talvez você mude de idéia.

(pausa)

 É claro que eu trouxe uns documentos.

(pausa)

Por quê? Você ainda pergunta? (finge que ri)

Porque meus inimigos querem me impedir de provar que sou inocente e que fui utilizada naquela falcatrua maldita! (ouve abismada)

Laranja? Eu? (escuta)

Escuta aqui, minha filha: Me internaram como louca...(pausa)

 Por que  eu permiti? Porque estava sofrendo muito com tudo o que aconteceu e não sabia o que fazer! Você mesma disse que eu não prestava! Esqueceu? (pausa)

 Ah! Isso não: Com tanto remédio que me deram e convivendo com loucos, pouco a pouco eu fui ficando quase doida.(pausa dramática)

 Será que eu não enlouqueci mesmo? Era o que eu começava a me perguntar. Isso durou anos. Foi quando encontrei Juan (pausa, escuta)

Onde mais podia ser? Numa clínica (pausa)

 Em Barcelona... (escuta)

Juan agora é meu...meu...(procura uma palavra) Não...ele é meu marido.

(escuta)

Não ria de mim mais uma vez!(furiosa)... se me matarem ele entregará todas as provas às autoridades competentes.

(falsamente sonhadora) Juan me trouxe de volta a vida, fez meu coração se aquecer novamente, me fez sentir que vale a pena viver , que existem pessoas boas.(pausa)

 Passamos um ano juntos e depois nos casamos, por insistência dele.(pausa, escuta)

 Ele tem vinte e um anos. (pausa e deboche)

Velha é você! De corpo e alma. (escuta)

Com Juan eu consegui retomar minha carreira de estilista. (pausa)

Cúmplice? Como assim? (apressa-se e tropeça no tapete, cai)

Não desligue, me escute! Eles tentaram nos separar, Valquíria. Mas...minha amiga(pausa)

Você é sim minha amiga! Não diga que não é! O carinho que eu sinto por você ninguém vai destruir, nunca! Eles bem que tentaram. Ninguém me aceitava porque minha mãe era prostituta, e você me amparou nos momentos mais difíceis.(pausa, espanto) até que aconteceu aquilo... eu nunca entendi bem porque você ficou contra mim... mas eu lhe perdôo.(escuta)

Eu fui enganada, até por ele! Pelo homem que eu amei, o homem para quem eu entreguei minha vida, minha alma . Mas agora tenho provas...CDs, fitas, gravações, papéis...documentos, alguns já foram entregues e na Quarta-feira de cinzas eu ressurgirei como (pateticamente triunfal)... fênix!

Por que eu escolhi um dia de carnaval para voltar? Sei lá. Eu queria rever o carnaval do Recife. Foi isso.

Se ainda amo César? Não. Não amo! (pausa)

Mas  você também o amava, como eu, na época do escândalo, ele também lhe usou . Não foi? (RI) César é muito envolvente e tem um jeito especial para tratar as mulheres. Não é?(pausa)

Eu sei que ele está ameaçado de morte por isso apressei o meu retorno (sinistra)

 Você também se deixou envolver por César... Tem muita coisa que você não sabe...eu fui...um brinquedo nas mãos dele, um brinquedo. Ele me abandonou na hora que eu fui presa! Passei meses naquela cela imunda!

Eu não queria mais viver e me sujeitei a tudo como um animal dócil, domesticado. Eu comecei a ficar confusa. César parecia ter planejado tudo tão bem. Eu era como um peixe nas redes do poder. Você sabe, vieram as eleições para governador e o patrocínio daquela empresa...era tanto dinheiro, tantas festas, tanta gente envolvida. Eu era diferente de todos. Nem fé eu tinha mais. Exatamente! (meio louca) Os músculos lacrimejavam, os olhos na boca, o coração suava (respira fundo). Meu pensamento ficava pra frente e pra trás no tempo, noites em brasa , dias gelados.

Eu era a grande piada da cidade: Foi quando me tiraram de lá e me jogaram numa clínica psiquiátrica. Eu , Celeste, a louca! (ri muito) A vaca louca! Eu tinha medo que eles me jogassem na cadeia de novo. César me ameaçou e você sabe muito bem do que o César é capaz quando ele quer... depois começaram a me jogar de uma clínica para outra pelo mundo afora. Eles tiraram todo o dinheiro das minhas contas, falsificaram minha assinatura, toda a falcatrua corria risco... eu era um perigo. (escuta)

Eu? Nunca!

Você faz mal juízo de mim... Primeiro: estou apenas querendo limpar meu nome nesta cidade. Eu sou uma pessoa de luz. (pausa, olha para cima decepcionada)

Está bem. Mais tarde a gente se fala. (Desliga o telefone. Fica um pouco ansiosa. Deita-se. Pega o telefone. Larga. Pega e faz nova ligação. Silêncio)

César? (pausa, respira fundo, escuta e faz várias expressões, resmunga)

Não me venha com suas promessas! É melhor você medir muito bem o que faz de agora em diante. É com o coração partido que eu vou entregar...ou melhor , entreguei, você a polícia.

Seu canalha! (chora)

Pensou que tinha se livrado de mim. Não é?

 O que você me ensinou,  rapaz, é uma lição que eu vou esquecer.

Você me paga! (pausa esbaforida, transtornada)

Você fez com que todos pensassem assim. Mas agora acabou!

Acabou! (escuta)

 Não tem dinheiro que me compre, César.  (é interrompida)

Não gaste o seu tempo em vão. Não temos mais nada a dizer um ao outro. Reconheça: Você perdeu... nada disso importa agora. Eu não tenho medo de nada. Mesmo se seus amigos me matassem isso só complicaria as coisas ainda mais! Aliás, é você quem está ameaçado de morte por várias pessoas.(escuta proposta indecente)

Eu sou comprometida. Casada. E amo meu marido. Juan é a melhor coisa da minha vida. O que eu quero é limpar o meu nome e o da minha família . (pausa, ela cede)

Me ama? Eu sei o que é que você ama! (escuta os sussurros eróticos de César ao telefone)

 Você não presta! Pare!(respira fundo )

Pare... (fica mais nervosa) E todas estas porcarias que você me fez passar? Eu não posso simplesmente colocar um band-aid e estancar isso...não posso. (pausa)

Aquele monte de remédios que tive que engolir... aquelas clínicas na Europa...e se a polícia do Brasil descobrisse que eu não era louca? Eu ia me lascar. Eu ia parar na cadeia de novo...num presídio por crimes que não cometi. E ainda por cima...onde está todo aquele dinheiro que estava depositado em meu nome? Cadê todo aquele dinheiro, cadê? (escuta)

Eu não sei. Eu estou tão confusa... (tira um revólver da bolsa)

Tudo foi tão de repente. (pausa)

Nos encontrarmos? (pausa) Onde? (aponta o revólver para a platéia)

Então está certo. (pausa)

Talvez não seja uma boa idéia. (busca cumplicidade da platéia)

Deixe-me ver... (pausa)

Está bem.  Diga onde. (pausa)

Eu estou indo. Até logo.

(desliga o telefone)

Este idiota! Não sabe o que o aguarda.

 

 

 

 

 

 

       Recife Antigo:  parede psicodélica

                              

  inspirado nas idéias de  Alex Antunes e José Emílio Rondeau

 

 

-     Acordou a que horas?

-     Não dormi.

-     Pela cara chapada a Babilônia não está tão longe.

-          Menos quantidade e mais distorção.

-          Charuto?

-          Carreiras, bolas, aditivos químicos e orgânicos. È o momento cultural. Preciso soltar os fantasmas, ter experiências profundas, olhar dentro da alma...

-          Por que escolheu o Recife?

-          RecBeat, multiculturalismo, doideira, experimentalismo. E principalmente porque a revista está bancando tudo. Vou colocar seu nome nos créditos como co-autora do texto, e tem aquela grana que eu já lhe disse.

-          Legal

-          Olhe essas águas. Venha até aqui, esta cobertura é ótima. Não é? Quase 50 andares!Olhe os rios.

-           Os rios que cortam o Recife fazem a diferença geográfica da cidade que se situa numa planície fluviomarinha constituída por ilhas, penínsulas e manguezais. O Capibaribe, o Beberibe, o Tejipió, o Jaboatão e o Pirapama circulam na frente destas colinas em arco que vão de Olinda, ao norte, até Prazeres, ao Sul. São 218,7 Km2: 67% morros, 23% planícies e 10% de áreas aquáticas. Só 5% do Recife são de área verde.

-          Adoro professores. Quer um tapinha?

-          Não. E aí? Vamos ao Recife Antigo?

-          Vamos. O chofer vai nos levar. “News paper taxis apear  the shore, waiting to take you away, climb in the back with your head in the clouds,and you´re gone with caleidoscopic eyes...in the sky with diamonds...”

-          Nossa meu cabelo está horrível...Ah, esses espelhos de elevadores. Ei! Como você está se sentindo?

-          Mergulhando no mangue. Êxtase, solidão,delícia e vazio

-          É difícil distinguir onde começa a influência da droga na sua demência natural

-          São apenas combustíveis para a mente...I am the walrus! I am the crabman in Manguetown! Estou me sentindo num videoclipe, numa história em quadrinhos, sei lá!

-          Recife Antigo: aí vamos nós. Siga pela Rui Barbosa e pegue a rua do Príncipe de lá o Santa Isabel e a rua Madre de Deus até o armazém 14 na beira do Cais...

-          Que dia lindo...

-          Sabia que o conjunto arquitetônico do Passo da Alfândega está se transformando num shopping e um Centro Cultural?

-           Vai ser inaugurado logo?

-          Sim. E isso inclui o prédio onde funcionava a casa de “diversão noturna” Chantecler.

-          Babado...

-          Vou te levar até a Praça do Marco Zero. Atravessar de barco para conhecer o parque de Esculturas de Francisco Brennand. Almoçar no restaurante que fica ali perto mesmo, no dique: o Casa de Banhos, lugar em que se popularizou tal atividade no início do século XX aqui  na cidade, onde as ondas arrebentam atrás, sobre os arrecifes. Uma paisagem inesquecível num local histórico.

-          É. O “Recife Antigo” merece um passeio a pé: começando pela ponte giratória, passando pela Rua da Moeda...

-          Os boulevards, a Praça do Arsenal da Marinha...

-          Preciso tirar umas fotos do altar da igreja Madre de Deus para a revista.

-          Eu preciso fotografar também no Recife Antigo o Teatro Apolo.

-           Ali perto tem a primeira Sinagoga das América e uma antiga estação de trem, a do Pilar, no Brum, a “Cruz do Patrão”, onde os escravos eram castigados antigamente.

-          Essa matéria vai ficar bem legal. Eu quero algo que uma regra e sonho, razão e moção, dia e noite. Tudo isso de maneira inquietante. Algo que expresse as forças obscuras da alma do Recife Antigo e provoque a embriaguez dos sentidos. Por isso que eu pedi a ajuda da cilibrina.

-          Cilibrina?

-          É do negócio, do barato. Entendeu? Mas me diga. É fácil fotografar a tal Cruz do Patrão?

-          Eu pensei que precisaríamos de uma autorização ou de um guia turístico.

-          Por quê?

-          Porque o lugar é meio entocado por trás dos depósitos. Mas eu liguei para o Escritório de Revitalização do Bairro do Recife e eles disseram que não. Olha: chegamos. Siga em frente. Vamos Parar no Marco Zero...

-          Olha essa torre.

-          O pênis de Brennand. Ela é oca e tem um pêndulo dentro.

-          Vamos logo até a cruz do patrão?

-          Você é quem manda. Moço: siga pela beira do cais em direção ao Brum.

-          Sabe? Eu quero que nesta matéria fique bem clara a distinção, ou fusão, entre coletivismo e individualismo neste bairro.

-          Brennand, por exemplo, seria um bom eixo para esta análise, a maneira como ele trata o sexo...a religião. Vamos deixar o carro aqui e seguir a pé. Or favor é por aqui que a gente chega à cruz do patrão?

-          Não sei informar. Peraí. Pedro! Onde é a cruz do patrão.

-          Sei não. Jorge deve saber

-          Jorge

-          Diz alma

-          Onde é a cruz do patrão?

-          É aquele negócio ali no meio do mato.

-          Obrigada. E aí vamos lá? Prepara a máquina.

-          Tá no ponto.

-          Quantos ácidos você tomou?

-          Dois

-          Não está vendo dragões coloridos? Como é o nome do tipo de porcaria?

-          É o “bicicleta”: dietilamida, ácido lisérgico 25. Sintoma fundamental da psicodelia: turbilhão mental.Minha cabeça está em festa. Sabia que agora podemos comprar cogumelos alucinógenos, ayahuasca, peyote pela internet?

-          Que horror!

-          No site www.azarius.com

-          Azarius seu!

-          Mas isso é besteira porque até pimentão vermelho cru mofado ou noz-moscada inteira dá barato.

-          Você tem 22 anos e parece uma criança. Um Peter Pan.

-          Sorria, Wendy. Peter vai tirar uma foto sua na terra do nunca.

-          Vamos. Próximas paradas: estação do Brum e Torre Malakoff.

-          Siga em frente.

-          A gente pode subir na Torre?

-          Sim. Vamos subir

-          Uau! O visual é fantástico.

-          Você acha mesmo que drogas...esse lance de desregramento...transar com um monte de gente...conduz diretamente à criatividade?Ou a um desequilíbrio pessoal e à chatice e decadência?

-          Veja o lance da Jurema: os macumbeiros acreditam que por trás da planta há um elemento sobrenatural. O babado é o uso sábio. Entendeu?O irracional está cansado de ser reprimido.

-          Bom: aí está o Teatro Apolo, do século XIX, lá atrás tem o Hermilo Borba Filho, centro experimental. Uma foto da fachada? Pra que tantas?

-          O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria. Let´s go.

-          Nesta rua fica o Burburinho, um bar diferente.

-          Em quê?

-          Papo cabeça, paredes na rua...aquelas coisas.

-          Não zombe

-          Olha aí a Madre de Deus.

-          Vou fotografar o altar.

-          Esta sua máquina é ótima. Mas você está tremendo

-          Não é nada demais. Olha só estas imagens. Parece que estão vivas. Parece que se movem. Que cores mais absurdas.

-          E aí?

-          Pronto

-          Já? Só cinco fotos?

-          Eu vou voltar amanhã. E vou fotografar também a igreja do Pilar.

-          Ali fica A Folha de Pernambuco. Pertinho da Rua da Moeda: olha onde era o Pina de Copacabana. Fotografe. No meu ensaio eu falo sobre o Recbeat. Estou com fome. Vamos ao Marco Zero. Atravessando ver o parque de esculturas no dique e um restaurante diferente.

-          Por quanto o senhor nos atravessa moço?

-          O catamarã é de graça, dona. Oferta do restaurante...

-          Ótimo. Vamos.

-          Como é o nome deste... canal?

-          Isso é o rio Capibaribe mais o Beberibe se ajuntando por aqui.

-          E o castelo do primo dele? Do Brennand

-          Podemos ir lá amanhã.

-          A gente pode saltar aqui e ir andando pelo dique até o restaurante, moço?

-          Fale com o guarda.

-          Tá bom

-          Menina que visual! Faz tempo que eu não vinha aqui. Quanta coisa!

-          Tem gente que não gosta

-          Ah! Má vontade de recifense.

-          Aí está a ilha do Recife.

-          Belíssima!

-          Um dado inquietante você não pode deixar de citar na sua reportagem: uma das comunidades mais pobres do Recife encontra-se na ilha: é a comunidade do Pilar, onde moram antigos trabalhadores portuários ou da fábrica de biscoito, ou famílias que foram marcadas pela zona de prostituição que fez “sucesso” no Recife Antigo na primeira metade do século XX, essas pessoas hoje vivem na miséria.

-          Eu vou escrever assim: você está passeando, pelo Recife Antigo. Fique atento à uma beleza rara. O Recife é amigável, mas não é tão doce quanto aparenta ao longe.

-          Também não precisa queimar o filme. Não é?

-          Vamos ao restaurante.

-          Vamos.

-          Quantas esculturas.O que é isso?

-          Não percebe? São os ovos de Brennand.

-          Lindos. Olha: as ondas sobre os arrecifes. Esta matéria vai ficar ótima.

-          Sim. Agora vamos comer, beber e eu vou te mostrar um belo pôr-do-sol.

-          Ah, Recife Antigo és hoje para mim uma parede psicodélica.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Conto daninho

(texto experimental)


Quase não conseguia conter-se. Foi até o computador. Estava num estado muito complicado. Ligou a máquina e metralhou o texto: “Vou contar a todos vocês o que me fez ir para São Paulo! Leiam o texto!MINHA IRMÃ QUEBRA MEU COMPUTADOR, ME AMEAÇA DE MORTE E ME OFENDE. MINHA MÃE E MEU PAI ME DESTRATAM. Eu estava morando na Boa Vista, mas fiquei desempregado e meu contrato do apartamento havia encerrado. Voltei para casa da minha mãe. Mas só que minha mãe sempre foi uma mãe muito grossa, me insultava, me desvalorizava, gostava de discutir, bater boca comigo e ter implicâncias. Isso desde a minha infância, mesmo antes de eu me assumir como gay.
Mas depois que ela se amigou com uma cara que é um gigolô safado, que era muito pobre e viu na minha mãe uma maneira de se dar bem na vida, ela ficou pior. Ele é 13 anos mais novo que minha mãe e é um interesseiro.  Esse cara está desempregado e quando encerrar o seguro desemprego dele minha mãe vai sustentá-lo. Ele já ganhava uma merreca e minha mãe era que arcava com a maioria na casa! Então quando cheguei lá, minha mãe tava pior que antes! Tudo o que eu falava ela me destratava, falava com ignorância, querendo discutir, bater boca por nada. Tentei por 9 dias ser muito forte e ter jogo de cintura! Aí no dia 11/12, 9 dias depois da minha chegada, minha mãe viu que eu peguei o telefone para fazer uma ligação e ela implicou dizendo que eu desligasse que ela ia fazer uma ligação. Eu disse a ela que já tava terminando, mas mesmo assim, para implicar, ela entrou na linha pela extensão e ficou discutindo comigo e eu disse que ela tava invadindo minha privacidade e que ela desligasse, mas ela não desligou. Então continuei a conversa com meu amigo e estávamos falando de coisas íntimas de sexo entre homossexuais.
Minha mãe ouvindo, me insultou dizendo que isso era uma nojeira e ficou implicando. Ela desligou o telefone da tomada! Para colocar minha irmã e meu pai contra mim, minha mãe ligou para minha irmã e disse a ela que eu tinha ofendido ela pois ela não gostou de ouvir o que eu estava falando no telefone sobre sexo homossexual e que ela se sentiu ofendida e que tinha ido desmaiada para o Hospital por isso.Ela inventou tudo, pois ela não desmaiou e nem foi para hospital. Bom, ela invade minha privacidade e se ouviu minha conversa o problema é dela, ela ouviu porque quis. No outro dia, minha irmã chega manifestada em casa querendo brigar comigo e me bater sem querer conversar, me ameaça de morte, diz que vai contratar um matador para me matar, me difama me chamando de frango, veado etc, e ela entrou no meu quarto e quebrou o meu computador! Fui na delegacia, pois não ia ficar no prejuízo e nem deixar ser difamado e ameaçado de morte e prestei uma queixa e minha irmã foi intimada.E meu pai envenenado por minha mãe achou que eu tava fazendo confusão na casa da minha mãe. Ele não quis me ouvir, pois eu que fui a vítima, afinal eu só fiz uma ligação, e minha mãe invadiu minha privacidade e inventou várias coisas para fazer confusão!Meu pai foi muito grosso e disse que ia me expulsar de casa e eu disse que isso só se a justiça permitisse! Tanto minha irmã como meu pai deveria ter me ouvido, mas não quiseram conversar e sim foram grossos e ignorantes comigo! Meu pai falou que me odiava e eu disse que o odiava também, pois ele nunca foi um pai de verdade, nunca me deu amor, carinho, afeto, nunca foi um pai presente. E eu disse que eu odiava minha mãe, porque ela nunca foi uma mãe de verdade e que também odiava minha irmã, pois ela nunca foi uma irmã de verdade. Então decidi ir embora para São Paulo para viver minha vida, trabalhar, me formar. Pois vi que na hora que precisei de ajuda, pois estava desempregado; minha mãe, meu pai e minha irmã me maltrataram. Depois que decidi ir para São Paulo, então fiz um acordo com meu pai, para ele pagar o prejuízo do computador, que eu retiraria a queixa. Ele pagou o prejuízo e retirei a queixa contra os absurdos da minha irmã, para ir embora e estar bem longe dessas pessoas que para mim estão mortas. Não tenho mais família porque eu não os considero mais, pois eles nunca foram uma de verdade e para mim eles estão mortos!Etnia:hispânico/latino;religião:Tenho um lado espiritual independente de religiões;humor:extrovertido/extravagante, inteligente/sagaz; orientação sexual:?fumo:não bebo:não; animais de estimação:gosto de animais de estimação; moro:com meus pais; cidade natal:Recife;cidade:Jaboatão;estado:Pernambuco; país:Brasil”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Janeiro londrino (Conto de Moisés Neto)

Londres, janeiro de 2014

Cara Ruthinha,

Desculpe não ter escrito antes, mas tudo foi tão repentino que, confesso, fiquei horrorizado. A imagem da mulher que amei (enquanto estava com ela eu não sabia), morta daquele modo bárbaro, a impossibilidade de tê- la novamente em meus braços, a maneira covarde como os amigos se omitiram, tudo isso somado a uma falta de fé cada vez maior, quase me levou à loucura. Você deve estar estranhando um email em vez de um telefonema. Eu havia jurado evitar qualquer narrativa escrita. Prometi abandonar de vez a porra da literatura. Mas aí está, bem na sua frente: meu primeiro desabafo depois da maior dor da minha vida (ainda dói). A traição dela foi uma coisa tão perfeita que até agora me pergunto como pude ser tão idiota e não prever que ela estava alimentando aquele menino, dando roupas, tratando dos dentes dele e dando dinheiro porque precisava de um novo corpo para sugar e se manter "jovem". Acredite, quando vi o rapazinho no nosso apartamento - quando fui concretizar que a estava abandonando para sempre - eu até achei bom que aquela bruxa tivesse arranjado nova vítima e me deixado em "paz". Não imaginava a espécie de feitiço que me aguardava nem imaginei que aquele boy fosse matá-la. Pobrezinha. Tinha 51 anos, mas era como se tivesse começando a viver naquele momento, tal era a vitalidade dos gestos - que até hoje debatem- se na minha memória desde que fugi do Recife e vim para cá. Sei que perdi dinheiro com a venda do apartamento. Mas, somando tudo, tenho grana para passar dois anos sem trabalhar, penso em fazer mestrado, você sabe. As coisas são mais fáceis do que pensávamos. Tem também aquele lance de passar seis meses no Tibet. Mas aqui estou para pesquisa de pós-doutorado nesta cidade sombria. Perdoe-me a espontaneidade irônica de sempre. É, estou estudando o problema  da sexualidade como uma coisa política, ontológica (ser enquanto ser), trato de desmontar arquétipos e de destruir a dominação do poder enquanto este se confunde como identidade sexual de gênero, entende? Quero combater tudo que oprima as singularidades humanas que não se encaixem como adequadas ou corretas, odeio esta coisa bipolar expressa na heterossexualidade. Ninguém nasce homem, você torna-se homem, sexualidade não é  uma verdade essencial, temos que desmistificar o sexo e o gênero que tanto interferem nas relações entre sujeito e sociedade, cujas regras só funcionam através do discurso e cada vez menos pessoas sabem interpretar discursos! Quero neste caso questionar o sentido do verbo ser quando se trata de sexo (homo ou hétero e até categorias fora das significações, tantas experiências silenciadas entre os corpos e a linguagem!). O amigo, com quem estou dividindo as despesas de uma casa aqui na Inglaterra , ensina Literatura e tem contatos que você nem imagina. Temos conversado muito. Ele é budista, é tudo tão surpreendente e tão possível que eu, de certa forma, estou superando esta minha maldita ansiedade e encontrando um caminho para recompor meu coração e ensiná-lo a ser feliz novamente neste cenário londrino. Tenho ido a todos os lugares bem interessantes.  E o Recife, como está? Saudades terríveis desse lugarzinho manguebeatnik, do bolo de rolo, pamonha, tapioca, rios pontes & overdrives, dessa lama toda, miséria metafísica concretizada numa expansão murcha e dolorida do feudo hightech; alma de camelô e veneno de sinhozinho cretino-sifilítico-oportunista (não tem Suape nem Parque industrial de Goiana que dê jeito! Tem sotaques novos na cidade, não é? Seremos cosmopolitas um dia?) e sinhá inculta; que falta me fazem os tubarões do nosso litoral! Escravos gozando, urinando, defecando, gritando, batendo palma e escutando som alto (cadê meu espetinho?) no meio da rua num frenesi carnavalesco que só o pernambucano conhece e que expressa nossa danação-maracatu-pós-atômico; E Olinda? Vou parar porque  pode bater melancolia pior do que a de Lars Von Trier! Do que os versos de Cláudio Assis, do que os cangaceiros do Baile Perfumado.  Olha:  um cheiro na Daniela Câmara, diz que achei legal a participação dela no filme O som ao redor. Dá um beijo ou melhor um abraço nessa corda de caranguejos que eu A-M-O. Gostou do meu balanço esquizoanalítico? Estou tão pior! Um abraço, do seu doutor favorito, moisesneto.

 

 

POSFÁCIO

Minha escrita é essencialmente dialógica, se choca com qualquer  monologismo , faz críticas aos costumes vigentes e atinge a intratabilidade na sua busca radical. Não admite concessão, nem cumplicidade. Quer partejar o real embutido, disperso em tempo e discurso. Faz-se sátira,  paródia, para tornar patente o ser. Atinge os nódulos. Não é feita para ser adulada; para ganhar dinheiro. Cava seu espaço na mídia é busca pessoal, terrorista, libertina, masturbatória, de compreensão e interferência na existência, é dialógica, fragmentar, polidimensional, hipertextual (na forma e conteúdo).  Organiza o que está disperso no confronto de idéias, no conflito das multiplicidades, nos devires da virtualidade. Faz-se flexível, mutável, interpenetra os gêneros: presença com o riso é paródia e paranóia que não teme o grotesco nem as limitações espacio-temporais, da história, observa a dimensão jornalística do imediato(livre do convencional memorialismo) : não se quer verossimil ataca até a si mesma.Não se deixa atingir pelo bairrismo. Reordena, usa o palimpsesto, a técnica cinematográfica, pós-surreal-cubista-futurista, é interferência e substituição, reorganização virótica. Mistura fala, substitui elementos, desdobra o que está dobrado e dobra o desdobrado.  Condensa, exagera, desloca, permuta, monta, corta, separa, une, junta planos, reestrutura cenas, cria continuações nos vazios, esvazia os cheios, corta e recompõe em colagens visíveis e invisíveis e o novo sentido é construído em tempo reordenado nas pontes do novo texto com outros, texto sobre texto em escreviver. Viola discursos . É inoportuno desmascaramento,  profanação, desrespeito, contrastes brusquidão, gêneros intercalados, multiplicidade de estilos, perfuração de limites tornando a estabilidade relativa onde tudo é levado ao extremo . Parodia os tons opressores levando-os até seu limite, contradicções, temporalidades viciadas, câncer. É encontro com a própria consciência, com outras na luta contra crenças, desejos, naturalizações, explorações, humilhações pois quer clara consciência. Ironia aí,  não é jogo engraçado e sutil, porém demolição. Não é catarse, espiritualidade, mas expressão do turvo, equívoco, doloroso , quer a revolta em vez do pastoreio. Exibe o escravo, a escravidão, as explorações, os preconceitos Execra as monofonias recusa a aquiescência, a passividade, é incômoda. Não tem partido, sua razão é contra todos. Não tolera vencidos ou vencedores na sua ácida cólera , indignação, ataque aos racionais e irracionais, direitas e esquerdas, modernistas e anti-modernos, comunistas e capitalistas, nazistas e anti-nazistas, negros e brancos, judeus e árabes, homens e mulheres, amigos e inimigos, teístas e ateus, pós-modernistas e nacionalistas. Nessa mistura de sério com cômico atinge representação literária de estados psíquicos intrigantes num sensualismo que zomba  maliciosamente dos ridículos do mundo.  Tem função corrosiva de busca radical da verdade Não quer se acostumar com as negociações, arranjos, dribles, acertos, os ideais dos senhores, o que eles gostam, querem, desejam, sonham. Não quer comungar com o ridículo. Não teme ofender ninguém e demonstra autonomia, liberdade. Vai além do nacionalista quando reconhece a máscara dos senhores, dentes dos senhores. E não rir pra eles, não faz parte dos que ficam parados suspirando nas trevas, coniventes com a opressão.  Quer o  instante instaurador como eixo. (Moisés Neto

 

 

PS: E aí, Moisés!

Li teu livro hoje de manhã. Dá pra ver a influência do teatro e de escritores "malditos" no livro todo.

Gostei muito dos contos. Especialmente o segundo. Quem foi Daniel? Existiu mesmo?

Além disso, esse conto é muito importante pra minha pesquisa. Me fez dar ainda maior relevo ao papel dos beats no manguebeat.

Obrigado pelo presente!

Abraço,

André Telles

2008/9/17, André Telles


SUMÁRIO

 


POEMAS

 

Teus Olhos .......................................................................... 17

Lobos ................................................................................... 18

Canto Liso ........................................................................... 19

Um Momento que se Perde .................................................. 21

Medula ................................................................................. 22

Tarântula .............................................................................. 23

Plenitude .............................................................................. 24

Licor .................................................................................... 25

Tarde Quente, Verão & Coca-Cola ...................................... 26

A Mais Doce Alucinação ...................................................... 28

Nirvana ................................................................................ 30

Platina .................................................................................. 31

Dois Corpos ......................................................................... 32

Imagem Noturna .................................................................. 33

Sem Gente/ A casa do holandês .......................................... 37

Furta – Cor .......................................................................... 38

Para Dormir no Escuro ........................................................ 39

Mormaço ............................................................................. 40

Blues..................................................................................... 41

Heaven ................................................................................. 42

Vagão – I ............................................................................. 43

Imagem do Silêncio .............................................................. 44

O Resto é Mentira (Tango Final) .......................................... 45

Revolução ............................................................................ 47

Recife ................................................................................... 50

Balada no Janga .................................................................... 67

Passagem .............................................................................. 73

Conhecer a Verdade ............................................................. 77

Desaparece o Sol na Minha Janela ........................................ 79

Gato Preto em Céu Azul ...................................................... 80

Novela ................................................................................. 81

Roma ................................................................................... 83

O Sopro ............................................................................... 87

Ode ao Livro ........................................................................ 88

Agnus Castus ....................................................................... 91

Balé Bouganville ................................................................... 92

Qual o Sentido de Ser Feliz? ................................................. 93

Arrecife ................................................................................ 94
Sete Faces Para o Amor ....................................................... 95
Detectada (Misteriosa Fonte) ............................................... 97
Poemas de Minas Gerais ...................................................... 98
Mundo Deserto de Pais ...................................................... 101
Reveillon 1 ......................................................................... 103

A Hora e o Lugar ............................................................... 104

JMB, Foucault & O Jaguar ................................................. 107
Oração Para Invocar Lucila ................................................ 110

Balada com Conceição Camarotti ....................................... 117

Poemanisfestomoisesneto .................................................. 119

Woodstock, hoje .....................................................120

Ágata ....................................................................121

A busca..................................................................122

Matei o sujeito.........................................................123

Néctar.....................................................................124

Balada recifense..........................................................125

 

 

La Negra acena dúbia despedida...................................... 126

Feriado romano: bis...........................................................127

Aí está você .......................................................................128

O que dizer do tempo?.......................................................129

Cibele ................................................................................130

A hora do amor..................................................................131

Copenhague 2009..............................................................132

Meu bem............................................................................133

Neo- nômade......................................................................134

Espelho da lembrança........................................................135

Intraduzível........................................................................136

A tapioqueira e o minotauro..............................................137

Pescadores.........................................................................138

Sementes do amanhã.........................................................139

Pantomima.........................................................................139

Milagre de carnaval...........................................................140

Evoé!..................................................................................141

Domingo............................................................................142

Sexto sentido.....................................................................142

Outono...............................................................................142

Presente do passado...........................................................142

Parabéns, minha cidade.....................................

As violetas da Taylor..............................................

Outro país..........................................................................142

Epifania............................................................................142

Fátima...............................................................................142

Musa.................................................................................142

Sortilégio..........................................................................142

Aliança.............................................................................

Suave manhã de outubro................................................

A mulher ninguém...........................................................

O templo, das horas..........................................................

Festa imprevista: somos todos artistas........................

Marginal Capibaribe.......................

Amor complicado....................................

Lutando com um anjo...............................

O pequeno teatro invisível.........................

O Provocador Cordial...........................

Luz......................................

Escola Dominical.............................

Canção para Geninha ...................

Poeminhas Um e Dois......................................

Rap Recife.................................

Pré-Natal..........................

Diamante doido de amor..............

Agarrados.........................................

Afetos foliões............................

Carnavalesco....................

Nosso amor animal...

Nelson Rodrigues faz cem anos.................

Agridoce.........................

Os atores....

Onze horas.....

O esplendor..................

O poema.............

Driblando o tempo............

Atlântico flamejante........

Lingual.....................

Lingual (versão B)........

A unha de Dalila...............................

Poeminha sem esperança........................

Antiface...................

Literatura.............

Contraluz..........................

Carne humana....................

Jogo cigano..............

Dormir..........

Clube de inverno........

Lembrança suja......

De outro modo..................

Tempo de não pensar em mim.....................

Poema para Norma Benguell.............

Poeminha de moisesneto: sonhando com janis joplin:...

Mandela, corpo e alma...

Haikaizinho.................

Essa mordida.........

Poemazinho para todas..................

Poemazinho dô´je............

Ostra.......

CARNE DE OSTRA...............

 

 

 

 

CONTOS

 

O Cão mais feio do mundo não deixará descendentes......143

Bonita ................................................................................ 144

MANGUEBEATNIK ....................................................... 145

Os últimos dias do Recife ................................................... 153

Cai o pano..........................................................................154

O caso de celeste................................................................156

Recife, parede psicodélica..................................................158

Conto daninho...................................

Janeiro londrino.....................