Prof. Dr. Moisés Monteiro de Melo Neto
Falar
em língua latina é falar da imprecisão do termo e da sua divisão em períodos,
os quais se ligam, de certo modo, à história político-cultural de Roma. Durante
sete séculos de Império Romano, do século III a.C. ao século II d.C., ou até mesmo
ao século V d.C., a língua latina conservou uma aparente fixidez, mas que escondia uma mudança radical que existia na estrutura interna da língua,
resultado da evolução do latim que
continuava prosseguindo. Assim que se deu a ruína do Império Romano Ocidental e
de sua civilização, os resultados dessa mudança se manifestaram rapidamente. Na
fase das origens, período que se costuma situar entre os séculos VI e IV,
crê-se que o latim era relativamente uniforme, sendo foco irradiador dessa
unidade o cerne de Roma, com o latim
arcaico, uma língua de camponeses, com forte influência do
indo-europeu.
Prof. Dr. Moisés Monteiro de Melo Neto
Um
dos principais fatores de divulgação
(extensão ou implantação) do latim no vasto Império Romano foi o exército. O soldado romano ensinava a
sua língua e a sua pronúncia, mas ao mesmo tempo aprendia a prosódia e a língua
de seus companheiros. Formava-se assim um latim
um pouco mestiçado, pois se casava
com os dialetos afins e por isto
mesmo apresentava arcaísmos condenados em Roma. Quando os romanos
começaram a se projetar, o latim era um mosaico
de raças.
O
latim é na verdade a língua dos dominadores da região. Por volta do ano 500 a.C., Roma conseguiu expulsar os
etruscos, originários do norte de Roma, que tinham estendido seus domínios
a Roma. Sucederam-se várias guerras na expansão de Roma, desde 500 a.C. a 117
d.C. Forma 301 províncias. Destacam-se por ordem cronológica algumas datas
importantes: Em 494 a.C. uma tropa armada de plebeus – que falava o sermo
plebeius reivindicando igualdade de direitos, principalmente a de
ocuparem cargos públicos: trata-se da 1ª greve de que se tem notícia. Somente
em 287 os plebeus conseguem ocupar todas as magistraturas. Em 272ª. C., todo o
território da Itália faz parte da confederação romana e praticamente todos os
povos se submetem ao direito romano, pagando impostos e obrigando-se ao serviço
militar. As guerras contra Cartago, potência
naval no séc. III a.C., ocorreram depois de subjugados os povos da Itália (conflitos envolvendo Roma e Cartago pelo
domínio do Mar Mediterrâneo. ... Cartago, localizada no Norte da África, era
uma antiga colônia fenícia. Ao longo dos séculos III e II a.C., Roma e Cartago
travaram três guerras, que demonstraram a força militar das duas
cidades.). Como consequência da 1ª guerra púnica (269-241 a.C.),
anexaram-se a Sicília, em 241, a Sardenha e a Córsega, em 238. Depois da 2ª
guerra púnica (218-201), vencida por Cipião, o africano (antes também por
Aníbal), os romanos passaram a chamar o Mediterrâneo de Mare Nostrum. Com a 3ª guerra púnica (149-146), os romanos
destruíram Cartago e apoderaram-se do norte da África, que se tornou
província romana. Expandindo-se em várias frentes, Roma incorpora a Hispânia em
197, o Illyricum em 167, a Grécia (Achaia), em 146, a Ásia Menor em 129, a
Gália Transalpina foi a grande conquista de César em 51-50. Outras conquistas:
Egito (30 a.C.); Britânia (43 d.C.), com o Imperador Trajano houve as últimas
conquistas, entre 114 e 117 d.C., incorporando a Arábia do Norte, a Assíria, a
Armênia e a Mesopotâmia. A latinização
não teve a mesma profundidade em todas as províncias. No Oriente foi bastante
superficial; a Hispânia e a Sardenha exigiram dois séculos para uma romanização
efetiva; outros territórios como a Britânia nunca foram romanizados, mas há marcas do latim por toda a parte.
Fala-se, portanto, em fases da língua latina, que vão desde as suas primeiras
manifestações, ou seja, desde a fundação de Roma (753 a.C.), representada por
algumas inscrições, até a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.).
Sobre
o Latim arcaico: a mais antiga
inscrição latina, data de aproximadamente 600
a.C., é um latim dialetal: “MANIOS MED FHEFHAKED NVMASIOI” = “Manius me
fecit Numerio” “Manios me fez para Numério”. Trata-se de uma inscrição em uma fivela de ouro, encontrada em Preneste
(hoje em dia Palestina), por isso o nome “fíbula prenestina”. As características dialetais e arcaicas
que estão presentes nessa frase são: a conservação do ditongo oi, observada em numasioi, um dativo (depois, o i final
cai, e a desinência de dativo passa
a o), a conservação do s intervocálico, que
no latim muitas vezes sofre rotacismo
(como no caso de flos, floris; honos, honoris), e a reduplicação do
pretérito perfeito fhefhaked, além da desinência secundária em d.
No
latim arcaico era feced, forma atestada em uma inscrição, chamada de “vaso de
Duenos”. Depois esta forma evoluiu para fecit
. Fhefhaked, como se disse, é uma forma dialetal do pretérito perfeito
com redobramento. É interessante notar ainda, nesta inscrição, a posição
medial do verbo, que contrasta com a posição mais normal de ser encontrada
no latim clássico, que é no fim da frase.
Uma
parte notável das tendências do latim vulgar, além de já estarem
presentes no latim arcaico, resultam da estrutura do indo-europeu e se
verificam em quase todas línguas europeias. São exemplos comprovados pela
epigrafia latina que o ē e ō eram pronunciados como e fechado e o fechado,
respectivamente, pois o ō longo aparece frequentemente representado por u e o ē longo por i. Como documentação do latim arcaico, há pouquíssimos
textos
O
“Latim clássico” é a norma literária, altamente estilizada, que compreende o
período que vai de 81 a. C. a 14 d.C. Seus principais representantes são Cícero
e César, na prosa e, no verso, Virgílio,
Horácio, Ovídio e Catulo. É uma estilização do sermo urbanus ou usualis,
língua coloquial das classes cultas, com o qual convivia.
Os
escritores do período clássico haviam percebido que existiam variantes da
língua latina e caracterizaram-nas adjetivando a palavra sermo que significa
"linguagem", "conversação". Com efeito, há três fatores
envolvidos nas variantes que uma língua pode apresentar: a variação
social, correspondente à estratificação social, a geográfica,
correspondente às diferenças geográficas, e as diferenças relativas ao grau de
formalidade da situação de fala.
A
língua literária continuou no sermo ecclesiasticus (a partir do
séc. 5 d.C.) e também no sermo profanus, com os tratados
de medicina, filosofia, ciência etc, durante toda a Idade Média e até
mesmo já na Idade Moderna. Pode-se dizer que até hoje vive. É a língua
do Vaticano e de toda a documentação
da Igreja Católica, além de ser empregada na botânica e permanente nas línguas românicas ou até de línguas não-românicas, como o inglês.
Como vemos, o sermo classicus fixou-se como uma língua escrita (o latim
clássico que estudamos), porém, o latim culto falado, (sermo urbanus) a
partir do qual obteve sua origem, extinguiu-se, com a ruína da classe social
que o sustentava.
Latim
culto falado, o sermo urbanus era a língua falada pelas classes altas de
Roma, certamente correto do ponto de vista gramatical, mas sem os
refinamentos estilísticos da norma literária, como os longos períodos de
subordinação e de termos disjuntos.
Como
língua falada desapareceu entre os séculos V e VI, devido ao
aniquilamento das cidades e da vida cultural que elas apresentavam, juntamente,
é claro, com a classe social que a mantinha. Este período coincide com a queda
do Império Romano do Ocidente (476 d.C., séc.V) e a onda de invasões bárbaras
(destacando-se os longobardos na Itália, em 568 d.C), na Europa, no séc. VI.
Do
ponto de vista gramatical, o sermo
urbanus é uma língua correta e não apresenta os “erros” do latim vulgar;
mas tampouco apresenta o exagero de refinamentos estilísticos da prosa e poesia
artísticas. Cícero (interessante que se
pesquise na tese de Adriano Scatolin, USP, 2009), ele mesmo, nos fala da
diferença de formalidade no emprego do latim em uma carta que escreveu ao
seu amigo Paetus: Quid tibi ego in
epistulis uideor? Nonne plebeio sermone agere tecum ... Epistolas uero
cotidianis verbis texere solemus. “Que pareço eu
a ti nas cartas? Não pareço tratar contigo na língua do povo ... de fato,
costumamos tecer as cartas com as palavras do dia a dia”.
Desde
as primeiras manifestações da língua latina, tem-se notícia da coexistência de
uma variedade culta falada e
de outra variedade também falada, mas pelas classes populares (plebeias).
Mais
tarde, enquanto a língua literária depurava os elementos alheios ao dialeto de
Roma, a língua corrente exprimia o contato de outros dialetos itálicos.
A fala rústica e vulgar era um
instrumento através do qual se entendiam romanos, oscos e umbros.
A
língua da sociedade elegante (o sermo
quotidianus ou sermo urbanus ou usualis ou consuetudinarius, o uso comum da
classe culta) e a das classes baixas (sermo plebeius) não
constituíam compartimentos estanques. A literatura sobre o assunto é unânime em
afirmar que muitas características da língua popular apareciam no uso
corrente das classes mais altas. Não é apenas Cícero que se refere à diferença
no grau de formalidade entre
os seus discursos e tratados filosóficos, e suas cartas, Quintiliano, um
século depois de Cícero, reflete sobre a diferença que há entre a norma do
latim (grammatice loqui) e o uso real deste na comunicação (latine loqui).
Seguindo os passos de Cícero, Quintiliano diz que o bom latim é o da cidade de
Roma (urbanitas) e não a língua do campo (rusticitas).
“Latim
vulgar” era o latim essencialmente falado
pela grande massa popular menos
favorecida e quase que inteiramente analfabeta do Império Romano. Foi
propositalmente ignorada pelos gramáticos e escritores romanos pois era
considerada indigna de consideração. Distinguia-se do latim culto falado (e
por extensão do latim clássico ou literário) em todos aspectos gramaticais. Era
mais simples em todos os níveis, mais expressivo, mais concreto e mais
permeável a elementos estrangeiros. Continuou se transformando ao longo dos
séculos até que em mais ou menos 600 d.C. já constituía os primeiros “romances”
(ou seja, as primeiras manifestações das línguas românicas, muito próximas
ainda do latim vulgar) e depois, a partir do séc. IX, as línguas românicas.
Sabe-se que as características gerais básicas do latim vulgar já se
apresentavam desde o fim da época republicana ou desde o começo do período
imperial, isto é, desde o século I a.C.ou no máximo desde o século I d.C.
É
muito comum datarem-se dos séculos III
ou IV da era cristã numerosas inovações atestadas pelo conjunto das línguas
românicas. O latim vulgar é, na verdade, um latim popular que existiu em
todas as épocas da língua latina. Este latim pertencia a uma população que
era muito pouco ou nada escolarizada e que, portanto, não poderia ter sido
influenciada pelos modelos literários e pela escola.
O
latim vulgar não sucede ao clássico; teve origem nos meios plebeus de Roma e
cercanias, sendo essencialmente falado pela plebe romana, embora muito de suas
características se infiltrassem no seio da classe média e até das classes mais
altas, sobretudo na época imperial. Uma vez que se trata de uma variedade de
formas, que se ligam ao latim falado (mas não exclusivamente), não se pode
considerar que existam realmente textos em latim vulgar. Quase nenhum texto,
que contenha vulgarismos, é intencionalmente vulgar, à exceção da Cena Trimalchionis, de Petrônio, autor do sensacional SATYRICON,
que muito tempo depois foi adaptado para o cinema pelo genial italiano Federico
Fellini,
e dos comediógrafos, principalmente Plauto,
que colocam personagens do povo falando.
O dramaturgo/ comediógrafo
romano Plauto (254-184 a.C.), Tito Mácio Plauto foi um
escritor romano que viveu durante o período
republicano. Suas comédias estão entre as obras em latim mais antigas
preservadas até os dias de hoje, são quase todas adaptações de modelos gregos
para o público romano, tal como ocorria na mitologia e na arquitetura. Plauto
escreveu cerca de 130 peças, das quais 20
sobreviveram intactas, tornando-o o mais prolífico dramaturgo antigo em
termos de obras sobreviventes. Aconselhamos a leitura deliciosa proporcionada
pela peça ANFITRIÃO (O Anfitrião de Plauto é uma comédia de mil
faces: farsa mitológica sobre o nascimento de Hércules, paródia trágica, jogo
de espelhos, provável influência do cogito cartesiano. Mas, acima de tudo, é
uma das mais divertidas e atemporais comédias que a antiguidade nos deixou.
Inspirado em modelos gregos que desconhecemos, Plauto (séc. III a.C.) nos legou
uma pérola que foi alvo de imitação, reescrita, adaptação e recriação de
autores como Camões, Molière, Kleist, Giraudoux, Guilherme Figueiredo, Ignacio
Padilla, entre tantos outros. Nesta comédia, você verá um Júpiter morrendo de
amores pela esposa de um general tebano, Alcmena, com quem ele conseguirá
passar a noite mais longa de todas a fim de gerar o grande herói Hércules,
usando um dos artifícios mais antigos dos mitos de nascimento de grandes
heróis: transfigurar-se no marido ausente, Anfitrião. Mercúrio, faz-tudo
divino, torna-se Sósia, o servo da casa, e arquiteta todo o engano. Aí está, em
tradução poética magnífica de Leandro Dorval Cardoso, com sua força de riso e
poesia intensos, seus padrões rítmicos recriados para os nossos ouvidos, seu
vigor renovado no Brasil, um dos mais antigos e maravilhosos tratamentos do
sempre atual tema do duplo.).
O
mero fato de ser escrito envolve o uso de certas convenções, e mesmo no caso de
escritores simples, sem muita pretensão literária, há pelo menos a convenção
ortográfica que eles tentam seguir.
O
latim vulgar é um conjunto de tendências que se manifestavam diferentemente
conforme o maior ou menor grau de educação dos que o falavam, e segundo o tempo
e os lugares onde era falado. Porém, é surpreendente que apesar da
variabilidade cronológica, social e geográfica, o latim vulgar possuía uma
homogeneidade suficientemente extensa para que fosse entendido em seu vasto
território. Havia uma unidade no latim vulgar; a norma latina era relativamente
simples, porque em latim não havia dialetos, o que não acontecia com o grego.
Dado
que os períodos da história de Roma são importantes
para os romanistas, lembramos que eles correspondem às três formas de governo: Realeza (das origens a 509 a.C.), República
(de 509 a.C. a 27 a.C.) e Império (de 27 a.C. a 476 d.C.). Apesar
disso, uma vez que o latim vulgar é um conjunto de tendências, é imprudente
falar em “gramática do latim vulgar”. É sobretudo pela gramática comparada
das línguas românicas que se pode reconhecer as particularidades do latim
vulgar, principalmente pelo que nos revelam o sardo e o romeno de um lado, e as
outras línguas românicas de outro.
O
latim vulgar tinha, desde a época de Plauto, e ainda mais, a partir de Cícero, peculiaridades gerais suficientes para dar-lhe um aspecto
mais ou menos definido em oposição ao sermo urbanus e ao sermo
litterarius, essas diferenças vinham de três fatores principais. O primeiro fator era por que o latim vulgar representava
a língua do povo comum, da plebe romana, enquanto o latim clássico era um
produto da sociedade aristocrática. A enorme oposição social entre essas
duas classes se refletia na língua e que era capaz de explicar as diferenças no
vocabulário e na sintaxe. O segundo é que o
latim clássico, apesar de ter-se originado em um latim vivo e falado, é, em
geral, mais conservador e arcaizante do que o latim vulgar. O terceiro fator deve-se ao fato de o latim vulgar ser
fruto de uma população heterogênea, que empregava mal a língua latina, corrompendo-a.
Sem esquecer que a criação da literatura é obra de estrangeiros, basta citar
Plauto, Terêncio. O próprio Cícero afirma que o falar da cidade, em seu
tempo, era diferente do século anterior, no qual ainda se ouvia o bom latim,
embora já assinale a existência de uma linguagem corrompida em muitas famílias
do século II a.C. Ele atribui a deturpação do latim à invasão de
estrangeiros que falavam mal a língua. Para tornar a comparação entre o latim vulgar e o latim culto - sermo urbanus - ou
até mesmo o literário - mais próxima à nossa realidade, podemos pensar no
português falado pelas populações de um âmbito social limitado do ponto de
vista de escolarização, que apresenta, ao lado de uma simplificação na
gramática, restos de uma linguagem arcaica, já abandonados na língua culta.
A mesma impressão que temos ao ouvir um português cheio de “erros” em
comparação com a norma culta, teria um romano escolarizado ouvindo o latim
vulgar, acostumado a uma língua ricamente flexionada e elegante. Diferenças
entre o sermo plebeius e o sermo urbanus estão presentes na pronúncia,
no vocabulário, na sintaxe, e na morfologia.
A
distância que separava o latim vulgar do latim culto era a princípio pequena,
mas já podia ser vista a partir do séc. IV a.C. O vocabulário era, em boa
parte o mesmo, sobretudo o que servia para o uso da vida cotidiana: coisas,
animais, plantas etc.
O
latim vulgar nunca se isolou completamente
da língua literária, pois sempre houve um convívio constante entre todas as
classes, através do teatro, às vezes pela escola e, mais tarde, pela Igreja.
Portanto, existiu sempre uma contribuição limitada, porém contínua, da
língua clássica para a popular. Vestígios fonéticos, morfológicos,
sintáticos e ainda de um vocabulário semelhante à língua clássica também
ocorrem nas línguas românicas. Trata-se de sobrevivências de uma época em que o
latim vulgar ainda conhecia essas formas, perdidas depois na maior parte do
território. Por exemplo, o sardo conserva melhor as vogais do latim clássico.
O
problema do latim vulgar, onde a questão da diferença entre as duas formas de
língua latina falada está tão bem colocada: É perfeitamente razoável dizer que
a língua falada latina apresenta matizes diversos e uma gradação contínua desde
a linguagem inculta dos plebeus proletários dos bairros pobres de Roma até o
falar elegante das pessoas mais cultas da alta sociedade.
Enquanto,
porém, nessa forma elegante a língua falada divergia relativamente pouco da
língua dos textos literários – pelo menos na época de Cícero -, nas camadas inferiores da sociedade romana e, mais tarde,
na população latinizada do Império, esse latim apresentava outro aspecto:
admitia inovações revolucionárias.
A partir desta exposição, torna-se evidente
que entre os séculos I a.C. e I d.C. conviviam três variedades do latim: o
sermo classicus ou literarius, o sermo urbanus e o sermo plebeius.
Para
concluir, vale a pena citarmos as principais características das variedades
“clássica” e “vulgar” do latim. Do ponto de vista gramatical, o latim clássico
é: I - uma língua sintética, isto é, possui terminações próprias (desinências),
que, no fim da palavra, indicam a função sintática. Essas palavras que possuem
flexão são os nomes (substantivos, adjetivos e pronomes) e os verbos. Em latim,
a frase Intelligenti
pauca traduz-se em português por ‘Ao que sabe
compreender, pouca coisa basta’. Este é um bom exemplo do que
significa ser uma língua sintética, por oposição a uma língua analítica como o
português. Outra característica que se soma ao caráter sintético da língua
latina é a concisão.
Diz-se que a língua latina é concisa porque exprime somente as palavras
essenciais. Inclui-se no caráter conciso da língua latina o fato de não haver artigos (definido e
indefinido) e de poder omitir palavras em contextos sintáticos que línguas
como o português e o francês não permitem, eis um exemplo da “concisão da
língua latina”, onde entram fenômenos sintáticos e estilísticos, incluindo as
tradicionais “figuras de linguagem. [1]
Do
ponto de vista gramatical, resumidamente, pode-se dizer que o latim vulgar: é analítico na
construção da sentença, pois, devido à progressiva perda dos casos, começa a
exprimir as funções gramaticais por meio de preposições (complementos indiretos
e circunstâncias) e pela ordem das palavras (sujeito e objeto). A frase
popular faz um uso mais extensivo dos pronomes pessoais (1ª e 2ª pessoas),
possessivos, demonstrativos, e inova com os artigos definido e indefinido, e
com o pronome pessoal de 3ª pessoa. A disposição das palavras se “simplifica” e
se fixa, em oposição ao latim literário no qual a ordem obedece em larga escala
às preocupações de estilo.
A
grande liberdade de colocação no uso
clássico devia constituir a parte da língua em que a preocupação estilística e o exemplo dos modelos gregos mais
profundamente modificaram a sua evolução espontânea.
A
língua “vulgar”, como um todo, apresenta as seguintes características
inovadoras que se distanciam dos textos literários clássicos:
(i)
a
substituição do accusatiuum cum infinitiuo por construções formadas por
conjunções e pronomes relativos;
(ii)
a
inflação no uso dos pronomes pessoais de 1ª e 2ª pessoas;
(iii)
a
inflação no uso dos diminutivos;
(iv)
o
emprego dos demonstrativos ille e ipse, às vezes com o sentido próximo
ao de artigo definido das línguas românicas;
(v)
a confusão no emprego dos casos;
(vi)
o
aumento de frequência das preposições;
(vii)
a
confusão nas declinações;
(viii)
as
mudanças de gênero;
(ix)
o
emprego da ordem da frase (Suj./Verbo/Compl.).
(x)
o
uso de expressões tipicamente coloquiais.
A
respeito da variedade que se chama sermo
urbanus, sempre dissociada do latim literário, já que o que se vê,
mais comumente, é o ensino do latim clássico como uma língua artificial, oposta
à falada na variedade plebeia, porém, sem nenhum vínculo com a língua culta
falada. O latim clássico não foi uma criação de gramáticos e letrados, e nem
uma imitação do grego, como tantas vezes se vê afirmado, mas uma língua
literária que teve como modelo uma língua culta falada.
2.
A LITERATURA
LATINA
2.1.
HORÁCIO E SEU “CARPE DIEM”. Ode I.11
Não
interrogues, não é lícito saber a mim ou a ti
que fim os deuses darão, Leucônoe. Nem tentes
os cálculos babilônicos. Antes aceitar o que for,
quer
muitos invernos nos conceda Júpiter, quer este último
apenas, que ora despedaça o mar Tirreno contra as pedras
vulcânicas. Sábia, decanta os vinhos, e para um breve espaço de tempo
poda a esperança longa. Enquanto conversamos terá fugido despeitada
a hora: colhe o dia, minimamente crédula no porvir.
Tu ne quaesieris, scire nefas, quem mihi,
quem tibi
finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios
temptaris numeros. ut melius, quidquid erit, pati.
seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam,
quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare
Tyrrhenum: sapias, vina liques, et spatio brevi
spem longam reseces. dum loquimur, fugerit invida
aetas: carpe diem quam minimum cr[2]edula
postero.(1)
Quintus
Horatius Flaccus, Horácio (65 a.C.-8 a.C.) foi um poeta
lírico, satírico e moralista político, o primeiro
literato profissional romano. Exerceu enorme influência sobre toda a
literatura ocidental, ele nasceu na Itália, no dia 8 de dezembro de 65 a.C.
Filho de um escravo emancipado e funcionário público financiou seus estudos em
Roma e depois em Atenas. Após o assassinato de Júlio César, em 44 a.C., uniu-se
ao grupo republicano e comandou uma legião do exército de Brutus na batalha de
Filipos, na Grécia. Apesar da derrota, voltou para Roma graças a uma
anistia.Passou graves dificuldades financeiras até conseguir um cargo
administrativo. Começou a escrever seus versos e entrou para os círculos
literários, sob a proteção do influente Caio Mecenas. Tornou-se amigo de
Virgílio. Horácio foi o primeiro literato profissional romano. Ele aceitava
ajuda, como a pequena propriedade nos montes Sabinos que lhe recebeu de
Mecenas, mas evitava imposições que pudessem vir a afetar sua integridade.
A
obra de Horácio compreende quatro livros de odes,
dois de sátiras, dois de epístolas e um hino. Ele se dedicava a observar e
comentar a vida romana. Seu primeiro livro de “Sátiras” (35 a.C.),
contém dez poemas em que discute questões éticas. O segundo livro de
sátiras foi publicado em 30 a.C. Sua obra-prima são os três livros de poemas
líricos, as “Odes”, de 23 a.C., complementados por um quarto volume de 13 a.C.
Algumas das odes são dedicadas ao nacionalismo estimulado por Augusto. Para o
imperador, compôs o “Canto Secular”, hino de caráter litúrgico dedicado a Apolo
e Diana. Poetizando a realidade romana, criou versos que exaltavam a política
imperial. Pessoalmente valorizou o indivíduo e a elite.
Os
dois livros de epístolas, cheias de sabedoria, são expressões da filosofia
estoica (uma ética em que a imperturbabilidade, a extirpação das paixões e a
aceitação resignada do destino são as marcas fundamentais do homem sábio, o
único apto a experimentar a verdadeira felicidade [O estoicismo exerceu
profunda influência na ética cristã.].). O primeiro, de 20 a.C., contém vinte
cartas familiares escritas em tom filosófico, em que o poeta recomenda certas
regras de conduta e uma vida estoica.
No
segundo livro há duas longas cartas de crítica literária, em que Horácio
estabelece os princípios da poesia augusta, descreve a função
do poeta e enumera as regras da tragédia em Roma.
Na carta dedicada à
família dos Pisões, mais conhecida como “Arte Poética”, a pretexto
de dar conselho aos jovens que desejam ser poetas, resume as normas do
Classicismo. Recomenda que evitem os excessos, dizendo: “há uma medida em todas
as coisas”. Morreu em Roma, no dia 27 de novembro do ano 8 a.C.
Horácio
exerceu influência enorme sobre toda a literatura
ocidental. A estética de Horácio se define pela precisão dos metros,
pela sobriedade de expressão e pela serenidade diante da vida. Um dos últimos
representantes dessa tendência foi Ricardo Reis, um dos heterônimos de Fernando
Pessoa.
Frases
de Horácio
Quem começou, tem metade da obra
executada.
Quando a casa do vizinho está pegando
fogo, a minha casa está em perigo.
Quem tem confiança em si próprio comanda
os outros.
O pinheiro mais alto é aquele que o
vento agita mais vezes.
A duração breve da nossa vida proíbe-nos
de alimentar uma esperança longa.
Ele
viveu no momento histórico e literário do Século de Augusto, tratando dos
círculos de escritores de Roma, sobretudo o de Mecenas, que estavam ligados à
política cultural do Principado. Enumeração de suas obras: Sátiras, Odes, Canto
secular, Epístolas e Arte poética. Foi amigo de Virgílio e de Mecenas, o que lhe proporcionou uma vida estável.
Poeta do círculo de Mecenas, soube manter certa independência, recolhido à sua
vila de Tíbur, hoje Tivoli, nas redondezas de Roma.
As
Odes de Horácio refletem influências de poetas gregos como Alceu, Safo e
Píndaro, mas o autor latino, além da sua originalidade, foi muito hábil na
versificação. Horácio foi, sem dúvida, um dos maiores poetas latinos. A ode em
questão, I, 11, I, 10 conforme outras edições, demonstra a permanência da obra
do poeta de Venúsia, sua terra natal, no Sul da Itália. O tema do carpe diem é
frequente na obra de Horácio: rapiamus, amici, occasionem de die “amigos,
agarremos a ocasião prontamente” (Epodo, 13, 3-4).
2.2. OVÍDIO
OVÍDIO
Públio Ovídio Naso, Ovídio nasceu na cidade de Sulmona (Itália) em 20 de
março de 43 a.C.. Faleceu, aos 59 anos, em 17 d.C., na
cidade Constança (Romênia), foi um poeta romano da Antiguidade. É considerado,
por muitos estudiosos, um dos maiores poetas do final do século I a.C. e início
do século I d.C. Suas principais obras são Metamorfoses
(onde analisa cerca da origem de 250 mitos) e A Arte de Amar. Muitas de suas
obras são excelentes fontes para o estudo e entendimento da mitologia romana.
Principais
características de seu estilo literário:
- Presença de consciência literária.
- Escreveu elegias, poesias épicas e dramas.
- O tema do amor é muito presente em suas poesias.
- Abordagem de temas ligados à mitologia greco-romana.
- Presença de fluxo musical nos versos das poesias.
- Presença de objetividade e elegância nas poesias.
- No final da vida, ocorreu uma mudança significativa em seu estilo
literário, que passou a ser introspectivo e triste.
Principais
obras (poesias):
- Amores (entre 25 e 16 a.C.)
- A
arte de amar (por volta de 1 a.C.)
- Metamorfoses (por volta de 8 d.C.)
- Tristezas (entre 8 e 12 d.C.)
Frases:
- "Enquanto fores feliz, contarás muitos amigos, mas se os tempos
estiverem nublados, estarás só".
- "A boa consciência ri-se das mentiras da fama".
- "Odiarei, se puder, caso contrário amarei, contra a minha vontade".
- "Até onde a arte não será capaz de ir? Há pessoas que aprendem até mesmo
a chorar com arte".
“A
arte de amar” é um título que seduz
por sua simplicidade e inquieta por sua ingenuidade. Pode-se perguntar se é
necessário, útil ou conveniente ensinar esta arte, que parece evidente, fazendo
parte dessas coisas tão compartilhadas e tão comuns a todos sem que seja
preciso ensiná-las. Mas Ovídio não ensina o sentimento, mas a habilidade; não o
amor, mas a sedução. Reconcilia os dois sexos e dá à mulher sua participação e
sua iniciativa neste jogo sério e leviano do qual séculos de “civilização” a
excluíram. “Remédios
de amor” é um poema de 814 versos escritos em latim pelo poeta romano Ovídio.
Nesse poema, de caráter estoico, Ovídio oferece conselhos e estratégias para
evitar os danos que o amor nos possa produzir. O objetivo do poema é ensinar,
em particular a jovens homens, como evitar a idealização das mulheres amadas.
Serve, também, como ajuda no caso de o amor trazer desesperança e desgraça.
Ovídio assegura que os suicídios são produto de amores desafortunados, que
podem ser evitados por meio do cumprimento de seus conselhos.
AS METAMORFOSES
As Metamorfoses de Ovídio (I, vv.452-566), por José Vicentini:
O poema máximo de Ovídio dispensa apresentações. Como uma enorme
coleção de fábulas pagãs permanece sem par até hoje na literatura ocidental, e
as revoluções que promoveu à sua época nos foram (e ainda nos são) fundamentais
para a compreensão do gênero épico. Como Homero, Ovídio é inesgotável: todos os
grandes que o leram lhe tiraram algo de proveitoso à sua própria arte (de Dante
a Ezra Pound) e não somente na literatura, como convém lembrar.
Assim como todas as obras que dispensam apresentações, há muito
o que falar sobre Ovídio e sua poesia. Senão nessa inesgotabilidade está o
fator monumentum aere
perennius (ou novidade
que permanece novidade) dessas obras, que nunca envelhecem nem
perdem a potência sob qualquer luz que lhes lancemos – e nos é sempre possível
lhes lançar uma nova luz.
É preciso dizer, contudo, que somente agora se vem formando em
língua portuguesa uma tradição de traduzir Ovídio. Contávamos antes com as
traduções de Bocage e Haroldo de Campos (incompletas, ainda que até hoje
insuperáveis). Trouxe assim à luz esta pequena tradução, correspondente ao
verso 452 até o 566, que conta a história de Dafne e Apolo, uma das mais belas
e icônicas, na minha opinião. Norteado pelas traduções de Bocage e Arthur
Golding, me utilizei do verso decassílabo camoniano para verter o hexâmetro
latino, dando importância não tanto a corresponder verso a verso quanto a
tentar conferir ao português o ritmo, a sonoridade e a fluidez do original –
características apontadas no texto de Ovídio de forma unânime por quem quer que
lhe tenha contato. (José
Vicentini)
* * *
[Argumento: Cupido, iroso por ter sido desdenhado pelo deus
Apolo, tira de sua aljava duas flechas de efeitos diferentes e com uma, de
ouro, fere o deus pela medula, que prontamente se apaixona por Dafne, ninfa
filha de Peneu; a outra, de chumbo, fixa no peito da ninfa, que prontamente
repele o amor e todos os pretendentes que a cortejam. Assim, enlouquecido pela
paixão, Apolo espera tê-la, e ao passo que a ninfa foge de todos os homens e
odeia a ideia do matrimônio, o deus a persegue por entre as ramagens e as feras
da floresta.]
Dafne foi o primeiro amor de Apolo,
A ninfa filha de Peneu, a quem
O dirigiu não a Fortuna incerta,
Mas sim a cruel ira de Cupido.
Febo, soberbo da recém vencida
Píton, viu o menino com seu arco,
Fletindo as pontas pelo fio teso,
E lhe falou: “A que te irão servir,
Menino lépido, tais graves armas?
Essas convêm somente aos nossos ombros,
Nós que podemos dar à fera hostil
Certeiro ferimento, que pudemos
Estatelar por espaçosos acres
O ventre pestilento da atroz Píton,
Vencida ao voo de incontáveis flechas.
Contém-te ao facho teu que faz arder
Esses amores e contém-te desse
Desejo de carpir as nossas glórias.”
Cupido então: “A tudo ferem, Febo,
Tuas flechas, e a ti ferem as minhas,
E quanto o deus excede os animais,
Tanto menor é tua à nossa glória.”
Disse e, fendendo o ar co’ agudas penas,
Pousou alígero ao frondoso alcácer
De Parnaso, tirou de sua aljava
Duas flechas de efeitos diferentes:
Aquela faz, esta repele amor:
Áurea a que faz luzindo à ponta fina
E rude a que repele tendo chumbo
Ao junco seu, esta Cupido então
Fixou ao seio da peneia ninfa
E com aquela aurífera fendeu
Pela medula os ossos do deus Febo:
Este súbito a ama, aquela foge:
Leda, através da escuridão das selvas,
Por entre as presas das cativas feras,
Tal qual Diana, virgem caçadora,
Co’ a fita atada à desprendida coma.
Muitos a pedem; ela, hostil a todos,
No desdém seu pelo que quer que seja
De amores, de noivado, de Himeneu,
Busca por ermos bosques livres de homens.
Frequentemente lhe dizia o pai:
“Tu deves, filha, netos a teu pai”,
Deves, filha,”, dizia, “um genro a mim”.
Ela, odiosa aos fachos de conúbio,
Como se fossem qualquer coisa horrível,
Verte candor à linda fronte rubra,
E, ao envolver com delicados braços
A nuca de seu pai, assim lhe diz:
“Ó pai querido, rogo que permitas
A mim fruir perpétua virgindade!
Qual Jove outrora permitiu à Délia.”
Assim assente o pai, mas o que queres,
Dafne, tua beleza veda a ti,
E tua forma nega o que suplicas:
Apolo a ama e à vista dela anseia
Pela união conubial, e espera
Por aquilo que tanto anseia, assim
O iludem suas próprias predições.
Como haste fina a arder na espiga finda,
Como sebe a queimar-se com os fachos,
A qual ou tenha alguém aproximado
Demais ou tenha então deixado ao sol,
Assim se faz inteiro o deus em flamas,
Assim ao peito todo abrasa e, crendo,
Nutre a esperança d’um amor estéril.
Vê seus cabelos soltos ao pescoço,
Diz: e se os penteasse? Vê seus olhos
Vibrarem flamejantes como os astros,
Observa os lábios, cuja vista apenas
Não lhe é bastante; louva os dedos, mãos,
Os braços que se estendem nus aos ombros,
“Talvez melhores se cobertos?”, pensa…
E ela foge, mais célere que o ar,
Nem se detém às súplicas de Apolo:
“Ó ninfa, para! rogo-te, não sigo
Como inimigo! ninfa, para! Assim
A ovelha foge ao lobo, assim o cervo
Foge ao leão, assim as pombas à águia,
Assim qualquer um foge ao inimigo:
Amor é a causa que me faz seguir!
Ai de mim se caíres inclinada,
Indigna de feridas, se teus pés
Encontrarem espinhos ao caminho
E eu te causar imerecidas dores!
Tão áspero o local a que te apressas…
Diminui a corrida e cessa a fuga,
Que também eu diminuirei o encalço.
Pergunta a quem aprazes: não habito
O monte agreste nem protejo gados
Ou rebanhos. Não sabes, insensata,
Não sabes de quem foges, logo foges:
Tênedos, Claros, a Patara régia
E a terra délfica me são devotos.
Nato de Júpiter, por mim se mostra
Aquilo que é, que foi e que há de ser,
Por mim concerta-se o cantar à lira.
Certeira é nossa flecha; uma, contudo,
Mais certeira que a nossa me acertou,
Fedendo ao peito indene uma ferida.
A medicina é meu invento, chamam-me
Opífero pelo orbe, co poder
Das ervas curativas ao meu jugo;
E agora, que nenhuma cura podem
As ervas dar a um tal amor, as artes,
Que a tudo servem, frustram seu senhor.”
Querendo dizer mais o deus Apolo,
Lhe foge a ninfa em passo trepidante,
Deixando ao curso esclusa a sua fala.
O corpo dela se desnuda ao vento,
Vibram-lhe as vestes e a suave brisa
Impele para trás os seus cabelos:
Tão bela Dafne lhe parece em fuga…
Porém o deus não se contém ao zelo,
E enquanto lhe aconselha amor loquaz,
Apressa o passo impetuoso a ela.
Símile ao galgo que depara a lebre
Numa planície aberta e então, co’ as patas,
Um caça a presa; a outra, o seu abrigo:
Um, tão à espreita, em breve espera tê-la,
Abrindo as presas rente aos passos dela;
A outra trepida e teme ser comida,
Escapando às mordidas e ao focinho:
Assim vão Febo e Dafne: àquele move
Sua esperança e a esta o seu temor.
Porém o que a persegue, guarnecido
Pelas asas do amor, é mais veloz,
Não para e, estando na iminência dela,
Chega a soprar-lhe a coma solta atrás.
Findada a força, a ninfa empalidece.
Vencida pelo esforço de escapar,
Dirige o olhar às ondas do riacho:
“Ó pai, se tens mesmo o poder dos rios,
Concede ajuda àquela cuja forma
Por ser tão bela não pode ser vista,
E faz perder-se enfim a transformando!”
Assim mal Dafne finda sua prece
E súbito um torpor lhe invade os membros:
Fina casca lhe cinge o seio ameno,
Se faz em folhas seu cabelo e em ramos
Os seus braços; seus pés, antes velozes,
Se fixam lentamente ao solo em rígidas
Raízes e ao seu rosto todo envolto
Nada resta senão um brilho escuso.
Ainda Apolo a ama e põe a mão
Direita sobre o tronco: lhe é possível
Sentir pulsar o coração de Dafne.
E envolvendo as ramagens com seus braços,
Beija a madeira, que recusa os beijos.
Lhe diz o deus então: “Já que não podes
Ser minha esposa, tu serás minha árvore.
Te portarei, ó louro, para sempre
Na lira, nos cabelos e na aljava.
Estarás entre os líderes do Lácio,
Com leda voz a modular vitórias
E a ver do Capitólio imensos faustos.
Disposta à entrada do palácio augusto,
Serás fiel vigia dos portões
E, ao centro, irás velar pelo carvalho.
Sobre meus cachos tenros não cortados,
Tu portarás da fronde eterna glória.”
Calou-se enfim; e, com aqueles ramos,
Pareceu-lhe o laurel ter assentido,
Meneando no topo as suas folhas.
Primus amor Phoebi Daphne Peneia, quem non
fors ignara dedit, sed saeva
Cupidinis ira,
Delius hunc nuper, victa
serpente superbus,
viderat adducto flectentem
cornua nervo
‘quid’ que ‘tibi, lascive
puer, cum fortibus armis?’
dixerat: ‘ista decent umeros
gestamina nostros,
qui dare certa ferae, dare
vulnera possumus hosti,
qui modo pestifero tot
iugera ventre prementem
stravimus innumeris tumidum
Pythona sagittis.
tu face nescio quos esto
contentus amores
inritare tua, nec laudes
adsere nostras!’
filius huic Veneris ‘figat
tuus omnia, Phoebe,
te meus arcus’ ait;
‘quantoque animalia cedunt
cuncta deo, tanto minor est
tua gloria nostra.’
dixit et eliso percussis
aere pennis
inpiger umbrosa Parnasi
constitit arce
eque sagittifera prompsit
duo tela pharetra
diversorum operum: fugat
hoc, facit illud amorem;
quod facit, auratum est et
cuspide fulget acuta,
quod fugat, obtusum est et
habet sub harundine plumbum.
hoc deus in nympha Peneide
fixit, at illo
laesit Apollineas traiecta
per ossa medullas;
protinus alter amat, fugit
altera nomen amantis
silvarum latebris captivarumque
ferarum
exuviis gaudens innuptaeque
aemula Phoebes:
vitta coercebat positos sine
lege capillos.
multi illam petiere, illa
aversata petentes
inpatiens expersque viri
nemora avia lustrat
nec, quid Hymen, quid Amor,
quid sint conubia curat.
saepe pater dixit: ‘generum
mihi, filia, debes,’
saepe pater dixit: ‘debes
mihi, nata, nepotes’;
illa velut crimen taedas
exosa iugales
pulchra verecundo suffuderat
ora rubore
inque patris blandis haerens
cervice lacertis
‘da mihi perpetua, genitor
carissime,’ dixit
‘virginitate frui! dedit hoc
pater ante Dianae.’
ille quidem obsequitur, sed
te decor iste quod optas
esse vetat, votoque tuo tua
forma repugnat:
Phoebus amat visaeque cupit
conubia Daphnes,
quodque cupit, sperat,
suaque illum oracula fallunt,
utque leves stipulae demptis
adolentur aristis,
ut facibus saepes ardent,
quas forte viator
vel nimis admovit vel iam
sub luce reliquit,
sic deus in flammas abiit,
sic pectore toto
uritur et sterilem sperando
nutrit amorem.
spectat inornatos collo
pendere capillos
et ‘quid, si comantur?’ ait.
videt igne micantes
sideribus similes oculos,
videt oscula, quae non
est vidisse satis; laudat
digitosque manusque
bracchiaque et nudos media
plus parte lacertos;
si qua latent, meliora
putat. fugit ocior aura
illa levi neque ad haec
revocantis verba resistit:
‘nympha, precor, Penei,
mane! non insequor hostis;
nympha, mane! sic agna
lupum, sic cerva leonem,
sic aquilam penna fugiunt
trepidante columbae,
hostes quaeque suos: amor
est mihi causa sequendi!
me miserum! ne prona cadas
indignave laedi
crura notent sentes et sim
tibi causa doloris!
aspera, qua properas, loca
sunt: moderatius, oro,
curre fugamque inhibe,
moderatius insequar ipse.
cui placeas, inquire tamen:
non incola montis,
non ego sum pastor, non hic
armenta gregesque
horridus observo. nescis,
temeraria, nescis,
quem fugias, ideoque fugis:
mihi Delphica tellus
et Claros et Tenedos
Patareaque regia servit;
Iuppiter est genitor; per
me, quod eritque fuitque
estque, patet; per me
concordant carmina nervis.
certa quidem nostra est,
nostra tamen una sagitta
certior, in vacuo quae
vulnera pectore fecit!
inventum medicina meum est,
opiferque per orbem
dicor, et herbarum subiecta
potentia nobis.
ei mihi, quod nullis amor
est sanabilis herbis
nec prosunt domino, quae
prosunt omnibus, artes!’
Plura locuturum timido Peneia cursu
fugit cumque ipso verba
inperfecta reliquit,
tum quoque visa decens;
nudabant corpora venti,
obviaque adversas vibrabant
flamina vestes,
et levis inpulsos retro
dabat aura capillos,
auctaque forma fuga est. sed
enim non sustinet ultra
perdere blanditias iuvenis
deus, utque monebat
ipse Amor, admisso sequitur
vestigia passu.
ut canis in vacuo leporem
cum Gallicus arvo
vidit, et hic praedam
pedibus petit, ille salutem;
alter inhaesuro similis iam
iamque tenere
sperat et extento stringit
vestigia rostro,
alter in ambiguo est, an sit
conprensus, et ipsis
morsibus eripitur
tangentiaque ora relinquit:
sic deus et virgo est hic
spe celer, illa timore.
qui tamen insequitur pennis
adiutus Amoris,
ocior est requiemque negat
tergoque fugacis
inminet et crinem sparsum
cervicibus adflat.
viribus absumptis expalluit
illa citaeque
victa labore fugae spectans
Peneidas undas
‘fer, pater,’ inquit ‘opem!
si flumina numen habetis,
qua nimium placui, mutando
perde figuram!’
[quae facit ut laedar
mutando perde figuram.]
vix prece finita torpor
gravis occupat artus,
mollia cinguntur tenui
praecordia libro,
in frondem crines, in ramos
bracchia crescunt,
pes modo tam velox pigris
radicibus haeret,
ora cacumen habet: remanet
nitor unus in illa.
Hanc quoque Phoebus amat
positaque in stipite dextra
sentit adhuc trepidare novo
sub cortice pectus
conplexusque suis ramos ut
membra lacertis
oscula dat ligno; refugit
tamen oscula lignum.
cui deus ‘at, quoniam
coniunx mea non potes esse,
arbor eris certe’ dixit
‘mea! semper habebunt
te coma, te citharae, te
nostrae, laure, pharetrae;
tu ducibus Latiis aderis,
cum laeta Triumphum
vox canet et visent longas
Capitolia pompas;
postibus Augustis eadem
fidissima custos
ante fores stabis mediamque
tuebere quercum,
utque meum intonsis caput
est iuvenale capillis,
tu quoque perpetuos semper
gere frondis honores!’
finierat Paean: factis modo laurea ramis
adnuit utque caput visa est
agitasse cacumen.
No tempo de Virgílio, Roma já havia
completado seu domínio sobre a bacia do Mediterrâneo. No século transcorrido
após a conquista da Grécia (146 a. C.) consolida essa hegemonia. Iniciara
também a incorporação do continente europeu. Na década de cinquenta, entre 58 e
51, estabelece-se no território denominado Gália, que deveria corresponder á França
e á Alemanha que conhecemos. Internamente, é o período de grandes agitações e
guerras civis, que culminam com a abolição da República e a chegada ao poder do
Primeiro Imperador (Otávio Augusto, que governou de 29 a 14 a. C.). Virgílio
viveu grande parte desta última época, acreditando-se que se haja disposto a
escrever Eneida por solicitação do Imperador. Faleceu no ano
19 a. C., aos 51 anos de idade.
Ainda que inspirado em Homero, que
igualmente mereceria perene acolhimento no Ocidente, a Eneida de
Virgílio é que inauguraria nova modalidade de obra literária, servindo de
modelo a diversos autores em variados contextos históricos. Trata-se do poema
épico que se propõe cantar determinado evento que a seus olhos – ou da
geração correspondente – constitui autêntica epopeia. No caso, tudo conspirava
para alcançar tal efeito: o autor canta as glórias da Itália, na língua erudita
adotada pelos que a recebem em primeira mão, num verso perfeito.
Supõe-se que a composição dos doze
cantos que integram a Eneida haja absorvido os últimos anos da
vida do autor. Pretenderia acrescentar-lhe mais três, depois de conhecer a
Grécia, mas faleceu antes de realizar tal projeto. Os seis primeiros cantos
acompanham de perto o roteiro seguido por Homero para descrever as peripécias
de Ulisses no regresso a Ítaca, inclusive a sua passagem pelo inferno, para
avistar-se com o pai (cena do Sexto Canto, em Virgílio). Os demais estariam
inspirados na Ilíada.
Eneida é uma
extraordinária epopeia devotada ao destino glorioso da Itália, traçado pelos
deuses e que, num dado momento, esteve em mãos de Enéas. Em lugar do grego
vitorioso da Odisseia, Virgílio coloca a um troiano derrotado
(Enéas). Abandonando a cidade em chamas (Tróia), dirige-se á Itália, destinada
a tornar-se prolongamento dos troianos. Do mesmo modo que ocorreu a Ulisses,
também Enéas em sua viagem por mar é perseguido, enfrenta a fúria das
tempestades. Chega a Cartago, colônia fenícia no Norte da África, sob domínio
romano na altura em que viveu Virgílio. Ainda seguindo a Homero, o herói de
Virgílio é retido na cidade e instado a relatar a monumental história da guerra
de Tróia (Cantos Segundo e Terceiro). O relato é brilhante mas será no Quarto
Canto onde irá transparecer plenamente a genialidade de Virgílio.
Dido, rainha de Cartago, delira de
amores por Enéas e planeja seduzi-lo. O texto de Virgílio contagia com a emoção
das artimanhas da conquista, tornando de todo aceitável que Enéas se deixasse
seduzir, esquecendo-se dos seus deveres e colocando-se ao serviço de um novo
amo. A mudança de estado de espírito que lhe provoca a reprimenda dos deuses é
deveras brilhante e não preserva nenhum indício de insanidade. Descobrindo os
planos do amante de evadir-se, a transformação que se opera em Dido marca um
extraordinário momento de criação literária, do mesmo modo que o diálogo em que
Enéas tenta justificar-se e o próprio desfecho, representado pelo suicídio de
Dido e a consumação da fuga de Enéas. A simples leitura deste Quarto Canto
explica o impacto que a sua descoberta iria provocar na Itália do apogeu da
Idade Média. Poesia primorosa, além do mais escrita na língua que era a dos
homens cultos da época. Compreende-se o deslumbramento provocado, entre outros,
em Dante Alighieri.
No Canto Sexto, tendo chegado à
Sicília, Enéas deixa ali uma parte da frota e segue com os restantes em demanda
do continente. É aqui que, do mesmo modo que Ulisses, visita aos mortos no
Inferno e ouve da alma do pai (Anquises) o relato das glórias futuras da Itália
a partir da fundação de Roma. Esse relato abre a outra parte do poema, nestes
termos: “Depois que Anquises conduziu seu filho a todos os lugares e lhe
acendeu o ânimo com o amor da fama que há de vir, fala-lhe das guerras que terá
de sustentar.”
Os cantos restantes, segundo todos os
estudiosos, se seguem a Homero, como os precedentes, desta vez a Odisseia é
substituída pela Ilíada, onde o tema central é a guerra de Tróia.
Ao contrário do que seria plausível, já que os deuses haviam destinado Enéas a
valer-se da Itália para reconstituir Tróia, encontrará não só apoio mas uma
forte resistência desde que parte dos habitantes locais tratam-no como intruso.
Na terrível guerra que se segue, desfilam heróis e deuses homéricos. Embora
Virgílio não haja concluído o poema, a parte que chegou até nós acha-se
entremeada de circunstâncias que permitem ao poeta referir o glorioso destino
reservado á Itália e reverenciar seu protetor, o Grande Augusto. Com a ajuda
dos deuses, Enéas ganha a guerra e, recusando de modo frontal as súplicas do
rei Turno, comandante das tropas que lhe opuseram resistência “arrebatado de
cólera, enterra a espada no meio do peito (de Turno) ... e sua vida (alma),
indignada, foge com um gemido para as sombras.”
Sobre METAMORFOSES, ASSISTIR:
https://www.youtube.com/watch?v=2znAMWHXzTI
E
https://www.youtube.com/watch?v=s82UzNMvjMY
2.3 PETRÔNIO e o seu Satíricon
O mais antigo exemplar do romance latino a
sobreviver até os nossos dias, ainda que de forma fragmentária, Satíricon foi
escrito por volta de 60 d.C., no período do imperador romano Nero.
Narrando as aventuras de Encólpio, seu amante
Ascilto e o servo Gitão, que formam um tumultuado triângulo amoroso e se metem
em uma série de confusões para pagar uma dívida ao deus Priapo, o livro é uma
grande sátira à caótica civilização romana, ao mesmo tempo em que registra de
forma ferina as relações entre os diferentes estratos sociais da época.
Tudo é impreciso quando se trata de Petrônio
Árbitro, a quem a tradição atribui a autoria do Satíricon:
personagem da política romana sob Nero, chegou a cônsul e chefe de cerimonial —
elegantiae arbiter — no palácio do imperador, antes de ser obrigado a cometer
suicídio em 66 d.C. por envolvimento numa conspiração. Seja como for, uma coisa
é certa: a prosa do Satíricon não tem nada de vago ou de
impreciso, pródiga que é de traços fortes, detalhes argutos e alusões ferinas.
Em Satíricon Petrônio lança os
leitores no meio do caos plebeu e mundaníssimo da Roma imperial, que se
descortina ao sabor das cambalhotas do enredo. Seus personagens são de toda
origem e de vária plumagem, de retores a gladiadores, de prostitutos a
novos-ricos, cada um deles dotado de voz própria, crassa, lépida.
Andam todos às voltas com o desejo e a ambição,
motores centrais desse universo — e, vez por outra, também com a nostalgia e a
melancolia. Têm todos, sobretudo, que se haver com a escrita cômica e paródica
de seu autor, que não poupa nada nem ninguém — e que faz do Satíricon uma
das obras centrais da literatura latina e — por que não? — do romance
ocidental.
Pouco se sabe sobre Petrônio Árbitro, que a
tradição considera ser o autor do Satíricon. De sua suposta lavra
seriam apenas, além do próprio texto remanescente do romance, alguns fragmentos
e poemas esparsos.
A julgar pelas informações indiretas fornecidas
pelo historiador romano Públio Cornélio Tácito (55-117 d.C.) em sua obra Anais (XVI.18-19),
o autor de Satíricon seria o político romano Tito Petrônio
Árbitro, que exerceu importante papel junto a Nero como chefe do cerimonial do
palácio imperial, função que, em latim, se dizia elegantiae arbiter (que
significava algo como “perito, especialista, promotor de elegância,
refinamento”).
Essa atuação como um verdadeiro promoter teria
valido a Petrônio a alcunha de Arbiter (Árbitro), que ele portava junto a seu
nome. Além de ter sido um dos conselheiros do imperador, teria ocupado cargos
importantes no Império Romano como procônsul da província da Bitínia, antiga
região do noroeste da Ásia Menor por onde hoje se estende a Turquia, no litoral
do Mar Negro, e como cônsul eleito em Roma. Tendo sido envolvido na conspiração
de Pisão contra Nero em 65 d.C., foi forçado a suicidar-se, o que teria
ocorrido no ano de 66 d.C.
2.4. DANTE E A COMÉDIA
Muito boa e
gratuita esta edição de A DIVINA COMÉDIA:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/eb00002a.pdf
Livro
A Divina Comédia, de Dante Alighieri, pela Dra. Rebeca Fuks
O poema épico escrito pelo
autor Dante Alighieri (1265-1321) é um clássico da literatura
mundial escrito durante o Renascimento. A extensa obra,
toda composta em versos, é dividida em três partes:
Inferno, Purgatório e Paraíso. Cada uma delas possui exatamente 33 cantos. A Divina Comédia foi
escrita em
florentino,
no início do século XIV, e pretendeu fazer
uma síntese enciclopédica do conhecimento científico e
filosófico da Idade Média.Nela o protagonista do livro A Divina Comédia é
o próprio poeta Dante Alighieri que percorre uma viagem entre três instâncias
completamente distintas: o Inferno, o Purgatório e o Paraíso. Ao longo do
caminho, Dante vai cruzando com amigos e conhecidos, figuras públicas ou do
universo pessoal do autor, e debatem sobre os mais variados temas. É extremamente
descritiva e contempla imensos detalhes visuais. Enquanto se encontra no
inferno, Dante recebe a ajuda do poeta romano Virgílio, que serve como uma
espécie de guia. Virgílio (70 a 19 a.C.), autor dos tempos de Júlio César, foi dos
maiores poetas da Antiguidade, tendo escrito o clássico Eneida.
Dante era um admirador profundo da poética de Virgílio, por isso é a ele que
pede ajuda para percorrer o doloroso caminho. Quando está no céu, por sua vez,
quem realiza o trabalho de acompanhamento é Beatriz, uma musa inspiradora que
foi a paixão platônica de Dante durante a adolescência. Beatriz é símbolo do
amor divino e é responsável por guiar o poeta para fora da selva.
O poema possui três personagens principais:
·
Dante, o protagonista que personifica o homem;
·
Beatriz, que representa a fé;
·
Virgílio, que pode ser considerado o símbolo da razão.
A Divina Comédia é basicamente a história da conversão de um pecador ao
caminho de Deus. Os versos sublinham a necessidade de se seguir o caminho do
bem e da ética.
O protagonista é o
símbolo do ser humano vulgar e representa o cidadão comum, que tem dúvidas,
hesita, é tentado pelo mal. Ao mesmo tempo, Dante não se vê exatamente como uma
criatura humilde e, no Canto IV (do Inferno), se coloca lado a lado com grandes
escritores:
Olha o que vem à frente qual decano
dos outros três, segurando uma espada;
ele é Homero, poeta soberano;
o satírico Horácio junto vem,
terceiro é Ovídio e último Lucano.
Desde que cada um deles detém
os mesmos dotes co’os quais fui saudado,
recebo sua honraria como convém.
Assim o belo grupo vi formado
da escola do senhor do excelso canto
cujo vôo, como d’águia, é incontestado.
Longo foi seu colóquio, e entretanto
acenavam a mim, e eu vi o prazer
no sorriso do Mestre meu, porquanto
o privilégio iriam me conceder
da acolhida na sua comunidade.
E assim fui sexto entre tanto saber
Assistimos ao longo do poema como o protagonista é alvo de tentações e como
contorna os obstáculos que, aos poucos, vão se apresentando pelo percurso.
Nesse sentido considera-se A Divina Comédia como
uma obra moralizante, isto é, uma obra que reafirma os valores cristãos (embora
apresente alguns elementos pagãos).
O próprio papa Bento
XV, em declaração oficial, sublinhou a importância da composição de Dante:
"Embora não seja escasso o
número dos grandes poetas católicos que unem o útil ao agradável, em Dante é
singular o fato de que, fascinando o leitor com a variedade das imagens, com a
vivacidade das cores, com a grandiosidade das expressões e dos pensamentos, ele
o arrasta ao amor da sabedoria cristã. (...) A sua Comédia, que merecidamente
recebeu o título de divina, mesmo nas várias ficções simbólicas e nas
recordações da vida dos mortais sobre a terra, não visa a outro fim senão a
glorificar a justiça e a providência de Deus"
Apesar de ser uma
criação de forte elogio à Igreja, A Divina Comédia também
pode ser lida como uma crítica à instituição em determinados momentos
específicos.
Embora alguns
críticos apontem a publicação como sendo uma epopeia, não se pode considera-la
efetivamente como uma porque não se trata de uma história ficcional de um herói
que batalha pelo seu povo ou pela sua região.
O correto seria
classificá-la como um texto didático alegórico (didático porque tem como fim o
ensinamento e alegórico porque é construída a partir de símbolos).
História da
publicação
O livro, redigido em
italiano, foi publicado em três partes. A primeira delas foi divulgada em 1317,
a segunda em 1319 e a terceira após a morte do autor. Estima-se que Dante tenha
dedicado catorze anos da sua vida a composição do livro (iniciou em 1307 e
concluiu o trabalho pouco antes de sua morte, em 1321).
Trata-se de um poema épico narrativo
rigorosamente simétrico, cada parte possuindo 33 cantos, com aproximadamente 40
a 50 tercetos. O número três é essencial para a construção do poema. Os
versos são escritos a partir de uma técnica original conhecida como terza rima, onde as estrofes de dez sílabas, com três linhas cada rimam de uma
determinada maneira específica.
Originalmente o livro chamava-se apenas Comédia,
tendo ganhado o título composto apenas posteriormente, em 1555, na edição
veneziana composta por Ludovico Dolce.
Quem primeiro observou que o nome deveria ser A Divina Comédia,
pelos assuntos que o livro abordava e pela qualidade com que o trabalho foi
feito, foi o poeta Giovanni Boccaccio (1313-1375).
Em Trattatello
in laude di Dante, composto em 1357, Boccaccio explicita que a obra
de Dante, que considerava brilhante, merecia título mais adequado. Somente em
1555, na impressão preparada por Ludovico Dolce, o título A
Divina Comédia ficou eternizado para sempre.
Sobre o autor Dante
Alighieri
Escritor fundamental
da literatura medieval, Dante Alighieri nasceu em Florença, na Itália, no ano
de 1265 (estima-se que tenha sido no dia 25 de maio), filho de dona Bella e de
Aldighiero Alighieri.
Dante ficou órfão
muito jovem. A mãe faleceu quando o menino era ainda criança e o pai quando o
jovem tinha apenas dezoito anos.
Apesar de ter sido
casado e tido filhos (pelo menos três), Dante nutria um amor platônico por
Beatrice de Folco Portinari, uma amiga de quando tinha 9 anos que veio a
reencontrar em 1283. Beatrice casou-se em 1287 com o banqueiro Simone dei Bardi
e Dante casou-se com Gemma Donati dois anos antes, em 1285. Beatrice morreu
subitamente em 1290, para desespero do escritor italiano.
Dante foi bastante
consagrado em vida, tendo sido celebrado como o maior poeta da região da
Toscana. De acordo com R. W. B. Lewis, autor de Dante:
"Já em 1321, as duas
primeiras partes da Comédia encontravam-se transcritas e à disposição de
leitores havia alguns anos, e Dante era aclamado em quase toda a Toscana como o
maior poeta da região."
Sua obra-prima, A
Divina Comédia, foi profundamente celebrada. Harold Bloom, um dos
mais duros e importantes críticos literários, escreveu em O
cânone ocidental que:
“o poema de Dante possui uma
qualidade inominável, talvez tão grande quanto os melhores versos de Hamlet ou
Rei Lear."
Além de escritor,
Dante Alighieri atuou como político, tendo pertencido ao partido moderado. Ele
estudou na universidade de Bologna nos anos em torno de 1285. Foi exilado de
Florença por suspeita de corrupção, improbidade administrativa e oposição ao
papa quando ocupou cargos públicos. Durante o exílio viveu em Forlì, Verona,
Arezzo, Veneza, Lucca, Pádua, Paris, Bologna, Verona e Ravenna.
O autor morreu aos 56 anos, no dia 14 de setembro de 1321, em Ravenna, na Itália.
Principais obras de Dante Alighieri
A Divina Comédia foi a obra-prima de Dante e o trabalho que mais lhe ocupou
tempo e dedicação, no entanto o escritor italiano também redigiu alguns outros
livros, confira abaixo:
La Vita Nuova
Coletânea de poesias
publicado em 1292 em homenagem ao seu amor platônico, Beatrice.
Convivio
Incompleta, a obra
reúne quatro tratados que pretendiam reunir todo o conhecimento da época.
De Vulgari Eloquentia
Obra mais sucinta
onde Dante defende veementemente a língua italiana.
De Monarchia
Escrito em 1310, é
um tratado sobre política onde Dante defende a total separação entre a Igreja e
o Estado.
Ler também sobre DE
VULGARI ELOQUENTIA
, vale a pena dar
uma olhada em https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8148/tde-17112009-153952/publico/COSIMO_BARTOLINI_S_V.pdf
REFERÊNCIAS
BASSETTO,
Bruno Fregni. Elementos de filologia
românica. São Paulo, Edusp, 2001.
FARIA,
Ernesto. Fonética histórica do latim.
Rio de Janeiro, Livraria Acadêmica, 1975.
MARTINS,
Maria Cristina. A língua latina: sua
origem, variedades e desdobramentos. Porto Alegre: UFRS, 2004.
MAURER
Jr., Theodoro Henrique (1951) A unidade da România ocidental. USP/FFLCH. Gramática do latim vulgar. Rio de
Janeiro, Acadêmica, 1959.
[1]
A
maior parte das gramáticas latinas dedica-se
à morfologia, apresentando as declinações dos nomes e a conjugação dos verbos
(o sistema de concordância nominal e verbal), como sendo a própria gramática
latina. Quanto à sintaxe, pouco se encontra nessas gramáticas, mas
destacam-se as seguintes peculiaridades (sintáticas) da língua latina: o acusativo com infinitivo, as diversas
funções do ablativo, inclusive a oração subordinada em ablativo, o chamado "ablativo absoluto" e o emprego das
formas nominais do verbo.
[2]
Falemos
sobre esta Ode
I, 11 de Horácio, o Carpe diem. Tal poema é um dos mais importantes
da obra do poeta latino. Ode, entre
os antigos gregos, era o poema lírico destinado ao canto. Aqui um texto
original, de métrica elaborada. Falamos de língua latina; literatura latina;
poesia; Horácio.No que diz respeito à morfologia nominal e verbal, deve-se dar
destaque a formas como nefas (neutro indeclinável da 3ª declinação), di (ao
lado de dei e dii), Leuconoe (palavra grega da 1ª declinação), quicquid (ou
quidquid, neutro de quisquis, pronome relativo indefinido, substantivo ou
adjetivo), pluris (ou plures) e pumex, -micis, valendo lembrar que é sempre bom
enunciar os verbos nas duas primeiras pessoas do singular do presente do
indicativo, no infinitivo presente, na primeira pessoa do singular do perfeito
do indicativo e no supino (em anexo). Quanto à sintaxe dos tempos e dos modos,
merecem digressão os empregos do futuro perfeito do indicativo (fugerit), do
perfeito do subjuntivo (dederint) e a ordem negativa (ne + presente, 1ª e 3ª
pessoas, ou perfeito, 2ª pessoa, do subjuntivo). Deve-se chamar a atenção para
ne... nec, bem como para seu... seu. No mais, procurar explicar as elipses,
particularmente a última, postero diei. A tradução é escolar, sem pretensão
poética, o mais literal possível. O emprego do verbo de ligação deve ser
explicado em “saber é ilícito” e “como é melhor”. A tradução livre requer
esclarecimento em “há de vir”. A expressão spatio breui é geralmente entendida
como temporal, mas também se vê na passagem uma conotação causal. A lição “por
causa da nossa breve existência” encontra guarida em Péricles Eugênio da Silva
Ramos, explicativa: “que é breve o nosso prazo de existência”. A forma dederint
é traduzida pelo perfeito do indicativo em português. O latim emprega o
subjuntivo pois a oração quem mihi, quem tibi finem di dederint é objeto do
verbo quaero, tratando-se de uma interrogativa indireta, o que alguns
tradutores não observaram. Ao desenvolver as notas, foi mantido o texto da
Hachette, pois o confronto com edições críticas mais recentes não o desabonou
para a empreitada. O dicionário de António Gomes Ferreira (1983) deve ser usado
com cautela, pois carece de uma revisão de conteúdo, o que pode comprometer o
trabalho do aluno, sendo necessária a presença de um professor experiente. São
exemplos de suas incorreções: sapio (4ª por 3ª conjugação), flos, lapis,
Messala (femininos por masculinos), anas (sílaba final longa por breve), quoque
(sílaba inicial longa por breve). O candidato a concurso que não tem fluência
em língua estrangeira deve se servir do velho Saraiva (1993), sobretudo na
prova de tradução e comentário. Ainda para o candidato, é de boa política fazer
uso da pronúncia restaurada ou reconstituída, uma vez que é a mais usada nos
cursos superiores de Letras do Brasil. Também se recomenda a adoção da
ortografia empregada na Collection des Universités de France (Les Belles
Lettres), como se fez com o texto da ode em estudo, apesar das incoerências de
tal ortografia: os antigos romanos não usavam a nossa letra U nem conheciam as
nossas minúsculas. Carpe diem O papel da morte, em Horácio, é ensinar a viver,
colhendo o dia de hoje, como se fosse um fruto, sem alimentar longos projetos.
Ninguém sabe quando será o fim, inútil consultar os
Horóscopos. O suicídio fica completamente excluído. O fim só depende dos
deuses. O modo de gozar o dia de hoje deriva do espírito eucarístico do vinho,
nada tem a ver com um epicurismo vulgar, como pensam os que nunca entenderam o
poeta. Não se pode quebrar as leis da natureza, impostas pelos deuses.
Etimologicamente, Leucônoe quer dizer mente branca, limpa, vazia no sentido
zenbudista
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