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domingo, 5 de dezembro de 2021

LATIM EM APOSTILA

 

                            Prof. Dr. Moisés Monteiro de Melo Neto


Falar em língua latina é falar da imprecisão do termo e da sua divisão em períodos, os quais se ligam, de certo modo, à história político-cultural de Roma. Durante sete séculos de Império Romano, do século III a.C. ao século II d.C., ou até mesmo ao século V d.C., a língua latina conservou uma aparente fixidez, mas que escondia uma mudança radical que existia na estrutura interna da língua, resultado da evolução do latim que continuava prosseguindo. Assim que se deu a ruína do Império Romano Ocidental e de sua civilização, os resultados dessa mudança se manifestaram rapidamente. Na fase das origens, período que se costuma situar entre os séculos VI e IV, crê-se que o latim era relativamente uniforme, sendo foco irradiador dessa unidade o cerne de Roma, com o latim arcaico, uma língua de camponeses, com forte influência do indo-europeu.

Prof. Dr. Moisés Monteiro de Melo Neto



Um dos principais fatores de divulgação (extensão ou implantação) do latim no vasto Império Romano foi o exército. O soldado romano ensinava a sua língua e a sua pronúncia, mas ao mesmo tempo aprendia a prosódia e a língua de seus companheiros. Formava-se assim um latim um pouco mestiçado, pois se casava com os dialetos afins e por isto mesmo apresentava arcaísmos condenados em Roma. Quando os romanos começaram a se projetar, o latim era um mosaico de raças.

O latim é na verdade a língua dos dominadores da região. Por volta do ano 500 a.C., Roma conseguiu expulsar os etruscos, originários do norte de Roma, que tinham estendido seus domínios a Roma. Sucederam-se várias guerras na expansão de Roma, desde 500 a.C. a 117 d.C. Forma 301 províncias. Destacam-se por ordem cronológica algumas datas importantes: Em 494 a.C. uma tropa armada de plebeus – que falava o sermo plebeius reivindicando igualdade de direitos, principalmente a de ocuparem cargos públicos: trata-se da 1ª greve de que se tem notícia. Somente em 287 os plebeus conseguem ocupar todas as magistraturas. Em 272ª. C., todo o território da Itália faz parte da confederação romana e praticamente todos os povos se submetem ao direito romano, pagando impostos e obrigando-se ao serviço militar. As guerras contra Cartago, potência naval no séc. III a.C., ocorreram depois de subjugados os povos da Itália (conflitos envolvendo Roma e Cartago pelo domínio do Mar Mediterrâneo. ... Cartago, localizada no Norte da África, era uma antiga colônia fenícia. Ao longo dos séculos III e II a.C., Roma e Cartago travaram três guerras, que demonstraram a força militar das duas cidades.). Como consequência da 1ª guerra púnica (269-241 a.C.), anexaram-se a Sicília, em 241, a Sardenha e a Córsega, em 238. Depois da 2ª guerra púnica (218-201), vencida por Cipião, o africano (antes também por Aníbal), os romanos passaram a chamar o Mediterrâneo de Mare Nostrum. Com a 3ª guerra púnica (149-146), os romanos destruíram Cartago e apoderaram-se do norte da África, que se tornou província romana. Expandindo-se em várias frentes, Roma incorpora a Hispânia em 197, o Illyricum em 167, a Grécia (Achaia), em 146, a Ásia Menor em 129, a Gália Transalpina foi a grande conquista de César em 51-50. Outras conquistas: Egito (30 a.C.); Britânia (43 d.C.), com o Imperador Trajano houve as últimas conquistas, entre 114 e 117 d.C., incorporando a Arábia do Norte, a Assíria, a Armênia e a Mesopotâmia. A latinização não teve a mesma profundidade em todas as províncias. No Oriente foi bastante superficial; a Hispânia e a Sardenha exigiram dois séculos para uma romanização efetiva; outros territórios como a Britânia nunca foram romanizados, mas há marcas do latim por toda a parte. Fala-se, portanto, em fases da língua latina, que vão desde as suas primeiras manifestações, ou seja, desde a fundação de Roma (753 a.C.), representada por algumas inscrições, até a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.).

Sobre o Latim arcaico: a mais antiga inscrição latina, data de aproximadamente 600 a.C., é um latim dialetal: “MANIOS MED FHEFHAKED NVMASIOI” = “Manius me fecit Numerio” “Manios me fez para Numério”. Trata-se de uma inscrição em uma fivela de ouro, encontrada em Preneste (hoje em dia Palestina), por isso o nome “fíbula prenestina”. As características dialetais e arcaicas que estão presentes nessa frase são: a conservação do ditongo oi, observada em numasioi, um dativo (depois, o i final cai, e a desinência de dativo passa a o), a conservação do s intervocálico, que no latim muitas vezes sofre rotacismo (como no caso de flos, floris; honos, honoris), e a reduplicação do pretérito perfeito fhefhaked, além da desinência secundária em d.

No latim arcaico era feced, forma atestada em uma inscrição, chamada de “vaso de Duenos”. Depois esta forma evoluiu para fecit . Fhefhaked, como se disse, é uma forma dialetal do pretérito perfeito com redobramento. É interessante notar ainda, nesta inscrição, a posição medial do verbo, que contrasta com a posição mais normal de ser encontrada no latim clássico, que é no fim da frase.

Uma parte notável das tendências do latim vulgar, além de já estarem presentes no latim arcaico, resultam da estrutura do indo-europeu e se verificam em quase todas línguas europeias. São exemplos comprovados pela epigrafia latina que o ē e ō eram pronunciados como e fechado e o fechado, respectivamente, pois o ō longo aparece frequentemente representado por u e o ē longo por i. Como documentação do latim arcaico, há pouquíssimos textos

 

O “Latim clássico” é a norma literária, altamente estilizada, que compreende o período que vai de 81 a. C. a 14 d.C. Seus principais representantes são Cícero e César, na prosa e, no verso, Virgílio, Horácio, Ovídio e Catulo. É uma estilização do sermo urbanus ou usualis, língua coloquial das classes cultas, com o qual convivia.

Os escritores do período clássico haviam percebido que existiam variantes da língua latina e caracterizaram-nas adjetivando a palavra sermo que significa "linguagem", "conversação". Com efeito, há três fatores envolvidos nas variantes que uma língua pode apresentar: a variação social, correspondente à estratificação social, a geográfica, correspondente às diferenças geográficas, e as diferenças relativas ao grau de formalidade da situação de fala.

A língua literária continuou no sermo ecclesiasticus (a partir do séc. 5 d.C.) e também no sermo profanus, com os tratados de medicina, filosofia, ciência etc, durante toda a Idade Média e até mesmo já na Idade Moderna. Pode-se dizer que até hoje vive. É a língua do Vaticano e de toda a documentação da Igreja Católica, além de ser empregada na botânica e permanente nas línguas românicas ou até de línguas não-românicas, como o inglês. Como vemos, o sermo classicus fixou-se como uma língua escrita (o latim clássico que estudamos), porém, o latim culto falado, (sermo urbanus) a partir do qual obteve sua origem, extinguiu-se, com a ruína da classe social que o sustentava.

Latim culto falado, o sermo urbanus era a língua falada pelas classes altas de Roma, certamente correto do ponto de vista gramatical, mas sem os refinamentos estilísticos da norma literária, como os longos períodos de subordinação e de termos disjuntos.

Como língua falada desapareceu entre os séculos V e VI, devido ao aniquilamento das cidades e da vida cultural que elas apresentavam, juntamente, é claro, com a classe social que a mantinha. Este período coincide com a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C., séc.V) e a onda de invasões bárbaras (destacando-se os longobardos na Itália, em 568 d.C), na Europa, no séc. VI.

Do ponto de vista gramatical, o sermo urbanus é uma língua correta e não apresenta os “erros” do latim vulgar; mas tampouco apresenta o exagero de refinamentos estilísticos da prosa e poesia artísticas. Cícero (interessante que se pesquise na tese de Adriano Scatolin, USP, 2009), ele mesmo, nos fala da diferença de formalidade no emprego do latim em uma carta que escreveu ao seu amigo Paetus: Quid tibi ego in epistulis uideor? Nonne plebeio sermone agere tecum ... Epistolas uero cotidianis verbis texere solemus. Que pareço eu a ti nas cartas? Não pareço tratar contigo na língua do povo ... de fato, costumamos tecer as cartas com as palavras do dia a dia”.

Desde as primeiras manifestações da língua latina, tem-se notícia da coexistência de uma variedade culta falada e de outra variedade também falada, mas pelas classes populares (plebeias).

Mais tarde, enquanto a língua literária depurava os elementos alheios ao dialeto de Roma, a língua corrente exprimia o contato de outros dialetos itálicos. A fala rústica e vulgar era um instrumento através do qual se entendiam romanos, oscos e umbros.

A língua da sociedade elegante (o sermo quotidianus ou sermo urbanus ou usualis ou consuetudinarius, o uso comum da classe culta) e a das classes baixas (sermo plebeius) não constituíam compartimentos estanques. A literatura sobre o assunto é unânime em afirmar que muitas características da língua popular apareciam no uso corrente das classes mais altas. Não é apenas Cícero que se refere à diferença no grau de formalidade entre os seus discursos e tratados filosóficos, e suas cartas, Quintiliano, um século depois de Cícero, reflete sobre a diferença que há entre a norma do latim (grammatice loqui) e o uso real deste na comunicação (latine loqui). Seguindo os passos de Cícero, Quintiliano diz que o bom latim é o da cidade de Roma (urbanitas) e não a língua do campo (rusticitas).

Latim vulgar” era o latim essencialmente falado pela grande massa popular menos favorecida e quase que inteiramente analfabeta do Império Romano. Foi propositalmente ignorada pelos gramáticos e escritores romanos pois era considerada indigna de consideração. Distinguia-se do latim culto falado (e por extensão do latim clássico ou literário) em todos aspectos gramaticais. Era mais simples em todos os níveis, mais expressivo, mais concreto e mais permeável a elementos estrangeiros. Continuou se transformando ao longo dos séculos até que em mais ou menos 600 d.C. já constituía os primeiros “romances” (ou seja, as primeiras manifestações das línguas românicas, muito próximas ainda do latim vulgar) e depois, a partir do séc. IX, as línguas românicas. Sabe-se que as características gerais básicas do latim vulgar já se apresentavam desde o fim da época republicana ou desde o começo do período imperial, isto é, desde o século I a.C.ou no máximo desde o século I d.C.

É muito comum datarem-se dos séculos III ou IV da era cristã numerosas inovações atestadas pelo conjunto das línguas românicas. O latim vulgar é, na verdade, um latim popular que existiu em todas as épocas da língua latina. Este latim pertencia a uma população que era muito pouco ou nada escolarizada e que, portanto, não poderia ter sido influenciada pelos modelos literários e pela escola.

O latim vulgar não sucede ao clássico; teve origem nos meios plebeus de Roma e cercanias, sendo essencialmente falado pela plebe romana, embora muito de suas características se infiltrassem no seio da classe média e até das classes mais altas, sobretudo na época imperial. Uma vez que se trata de uma variedade de formas, que se ligam ao latim falado (mas não exclusivamente), não se pode considerar que existam realmente textos em latim vulgar. Quase nenhum texto, que contenha vulgarismos, é intencionalmente vulgar, à exceção da Cena Trimalchionis, de Petrônio, autor do sensacional SATYRICON, que muito tempo depois foi adaptado para o cinema pelo genial italiano Federico Fellini, e dos comediógrafos, principalmente Plauto, que colocam personagens do povo falando.

O dramaturgo/ comediógrafo romano Plauto (254-184 a.C.), Tito Mácio Plauto foi um escritor romano que viveu durante o período republicano. Suas comédias estão entre as obras em latim mais antigas preservadas até os dias de hoje, são quase todas adaptações de modelos gregos para o público romano, tal como ocorria na mitologia e na arquitetura. Plauto escreveu cerca de 130 peças, das quais 20 sobreviveram intactas, tornando-o o mais prolífico dramaturgo antigo em termos de obras sobreviventes. Aconselhamos a leitura deliciosa proporcionada pela peça ANFITRIÃO (O Anfitrião de Plauto é uma comédia de mil faces: farsa mitológica sobre o nascimento de Hércules, paródia trágica, jogo de espelhos, provável influência do cogito cartesiano. Mas, acima de tudo, é uma das mais divertidas e atemporais comédias que a antiguidade nos deixou. Inspirado em modelos gregos que desconhecemos, Plauto (séc. III a.C.) nos legou uma pérola que foi alvo de imitação, reescrita, adaptação e recriação de autores como Camões, Molière, Kleist, Giraudoux, Guilherme Figueiredo, Ignacio Padilla, entre tantos outros. Nesta comédia, você verá um Júpiter morrendo de amores pela esposa de um general tebano, Alcmena, com quem ele conseguirá passar a noite mais longa de todas a fim de gerar o grande herói Hércules, usando um dos artifícios mais antigos dos mitos de nascimento de grandes heróis: transfigurar-se no marido ausente, Anfitrião. Mercúrio, faz-tudo divino, torna-se Sósia, o servo da casa, e arquiteta todo o engano. Aí está, em tradução poética magnífica de Leandro Dorval Cardoso, com sua força de riso e poesia intensos, seus padrões rítmicos recriados para os nossos ouvidos, seu vigor renovado no Brasil, um dos mais antigos e maravilhosos tratamentos do sempre atual tema do duplo.).

O mero fato de ser escrito envolve o uso de certas convenções, e mesmo no caso de escritores simples, sem muita pretensão literária, há pelo menos a convenção ortográfica que eles tentam seguir.

O latim vulgar é um conjunto de tendências que se manifestavam diferentemente conforme o maior ou menor grau de educação dos que o falavam, e segundo o tempo e os lugares onde era falado. Porém, é surpreendente que apesar da variabilidade cronológica, social e geográfica, o latim vulgar possuía uma homogeneidade suficientemente extensa para que fosse entendido em seu vasto território. Havia uma unidade no latim vulgar; a norma latina era relativamente simples, porque em latim não havia dialetos, o que não acontecia com o grego.

Dado que os períodos da história de Roma são importantes para os romanistas, lembramos que eles correspondem às três formas de governo: Realeza (das origens a 509 a.C.), República (de 509 a.C. a 27 a.C.) e Império (de 27 a.C. a 476 d.C.). Apesar disso, uma vez que o latim vulgar é um conjunto de tendências, é imprudente falar em “gramática do latim vulgar”. É sobretudo pela gramática comparada das línguas românicas que se pode reconhecer as particularidades do latim vulgar, principalmente pelo que nos revelam o sardo e o romeno de um lado, e as outras línguas românicas de outro.

O latim vulgar tinha, desde a época de Plauto, e ainda mais, a partir de Cícero, peculiaridades gerais suficientes para dar-lhe um aspecto mais ou menos definido em oposição ao sermo urbanus e ao sermo litterarius, essas diferenças vinham de três fatores principais. O primeiro fator era por que o latim vulgar representava a língua do povo comum, da plebe romana, enquanto o latim clássico era um produto da sociedade aristocrática. A enorme oposição social entre essas duas classes se refletia na língua e que era capaz de explicar as diferenças no vocabulário e na sintaxe. O segundo é que o latim clássico, apesar de ter-se originado em um latim vivo e falado, é, em geral, mais conservador e arcaizante do que o latim vulgar. O terceiro fator deve-se ao fato de o latim vulgar ser fruto de uma população heterogênea, que empregava mal a língua latina, corrompendo-a. Sem esquecer que a criação da literatura é obra de estrangeiros, basta citar Plauto, Terêncio. O próprio Cícero afirma que o falar da cidade, em seu tempo, era diferente do século anterior, no qual ainda se ouvia o bom latim, embora já assinale a existência de uma linguagem corrompida em muitas famílias do século II a.C. Ele atribui a deturpação do latim à invasão de estrangeiros que falavam mal a língua. Para tornar a comparação entre o latim vulgar e o latim culto - sermo urbanus - ou até mesmo o literário - mais próxima à nossa realidade, podemos pensar no português falado pelas populações de um âmbito social limitado do ponto de vista de escolarização, que apresenta, ao lado de uma simplificação na gramática, restos de uma linguagem arcaica, já abandonados na língua culta. A mesma impressão que temos ao ouvir um português cheio de “erros” em comparação com a norma culta, teria um romano escolarizado ouvindo o latim vulgar, acostumado a uma língua ricamente flexionada e elegante. Diferenças entre o sermo plebeius e o sermo urbanus estão presentes na pronúncia, no vocabulário, na sintaxe, e na morfologia.

A distância que separava o latim vulgar do latim culto era a princípio pequena, mas já podia ser vista a partir do séc. IV a.C. O vocabulário era, em boa parte o mesmo, sobretudo o que servia para o uso da vida cotidiana: coisas, animais, plantas etc.

O latim vulgar nunca se isolou completamente da língua literária, pois sempre houve um convívio constante entre todas as classes, através do teatro, às vezes pela escola e, mais tarde, pela Igreja. Portanto, existiu sempre uma contribuição limitada, porém contínua, da língua clássica para a popular. Vestígios fonéticos, morfológicos, sintáticos e ainda de um vocabulário semelhante à língua clássica também ocorrem nas línguas românicas. Trata-se de sobrevivências de uma época em que o latim vulgar ainda conhecia essas formas, perdidas depois na maior parte do território. Por exemplo, o sardo conserva melhor as vogais do latim clássico.

O problema do latim vulgar, onde a questão da diferença entre as duas formas de língua latina falada está tão bem colocada: É perfeitamente razoável dizer que a língua falada latina apresenta matizes diversos e uma gradação contínua desde a linguagem inculta dos plebeus proletários dos bairros pobres de Roma até o falar elegante das pessoas mais cultas da alta sociedade.

Enquanto, porém, nessa forma elegante a língua falada divergia relativamente pouco da língua dos textos literários – pelo menos na época de Cícero -, nas camadas inferiores da sociedade romana e, mais tarde, na população latinizada do Império, esse latim apresentava outro aspecto: admitia inovações revolucionárias.

 A partir desta exposição, torna-se evidente que entre os séculos I a.C. e I d.C. conviviam três variedades do latim: o sermo classicus ou literarius, o sermo urbanus e o sermo plebeius.

Para concluir, vale a pena citarmos as principais características das variedades “clássica” e “vulgar” do latim. Do ponto de vista gramatical, o latim clássico é: I - uma língua sintética, isto é, possui terminações próprias (desinências), que, no fim da palavra, indicam a função sintática. Essas palavras que possuem flexão são os nomes (substantivos, adjetivos e pronomes) e os verbos. Em latim, a frase Intelligenti pauca traduz-se em português por ‘Ao que sabe compreender, pouca coisa basta’. Este é um bom exemplo do que significa ser uma língua sintética, por oposição a uma língua analítica como o português. Outra característica que se soma ao caráter sintético da língua latina é a concisão.

 Diz-se que a língua latina é concisa porque exprime somente as palavras essenciais. Inclui-se no caráter conciso da língua latina o fato de não haver artigos (definido e indefinido) e de poder omitir palavras em contextos sintáticos que línguas como o português e o francês não permitem, eis um exemplo da “concisão da língua latina”, onde entram fenômenos sintáticos e estilísticos, incluindo as tradicionais “figuras de linguagem. [1]

Do ponto de vista gramatical, resumidamente, pode-se dizer que o latim vulgar: é analítico na construção da sentença, pois, devido à progressiva perda dos casos, começa a exprimir as funções gramaticais por meio de preposições (complementos indiretos e circunstâncias) e pela ordem das palavras (sujeito e objeto). A frase popular faz um uso mais extensivo dos pronomes pessoais (1ª e 2ª pessoas), possessivos, demonstrativos, e inova com os artigos definido e indefinido, e com o pronome pessoal de 3ª pessoa. A disposição das palavras se “simplifica” e se fixa, em oposição ao latim literário no qual a ordem obedece em larga escala às preocupações de estilo.

A grande liberdade de colocação no uso clássico devia constituir a parte da língua em que a preocupação estilística e o exemplo dos modelos gregos mais profundamente modificaram a sua evolução espontânea.

A língua “vulgar”, como um todo, apresenta as seguintes características inovadoras que se distanciam dos textos literários clássicos:

(i)            a substituição do accusatiuum cum infinitiuo por construções formadas por conjunções e pronomes relativos;

(ii)           a inflação no uso dos pronomes pessoais de 1ª e 2ª pessoas;

(iii)          a inflação no uso dos diminutivos;

(iv)         o emprego dos demonstrativos ille e ipse, às vezes com o sentido próximo ao de artigo definido das línguas românicas;

(v)           a confusão no emprego dos casos;

(vi)         o aumento de frequência das preposições;

(vii)        a confusão nas declinações;

(viii)       as mudanças de gênero;

(ix)         o emprego da ordem da frase (Suj./Verbo/Compl.).

(x)          o uso de expressões tipicamente coloquiais.

A respeito da variedade que se chama sermo urbanus, sempre dissociada do latim literário, já que o que se vê, mais comumente, é o ensino do latim clássico como uma língua artificial, oposta à falada na variedade plebeia, porém, sem nenhum vínculo com a língua culta falada. O latim clássico não foi uma criação de gramáticos e letrados, e nem uma imitação do grego, como tantas vezes se vê afirmado, mas uma língua literária que teve como modelo uma língua culta falada.

 

2. A LITERATURA LATINA

2.1. HORÁCIO E SEU “CARPE DIEM”. Ode I.11

Não interrogues, não é lícito saber a mim ou a ti
que fim os deuses darão, Leucônoe. Nem tentes
os cálculos babilônicos. Antes aceitar o que for,

quer muitos invernos nos conceda Júpiter, quer este último
apenas, que ora despedaça o mar Tirreno contra as pedras
vulcânicas. Sábia, decanta os vinhos, e para um breve espaço de tempo
poda a esperança longa. Enquanto conversamos terá fugido despeitada
a hora: colhe o dia, minimamente crédula no porvir.

Tu ne quaesieris, scire nefas, quem mihi, quem tibi
finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios
temptaris numeros. ut melius, quidquid erit, pati.
seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam,
quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare
Tyrrhenum: sapias, vina liques, et spatio brevi
spem longam reseces. dum loquimur, fugerit invida
aetas: carpe diem quam minimum cr[2]edula postero.(1)

Quintus Horatius Flaccus, Horácio (65 a.C.-8 a.C.) foi um poeta lírico, satírico e moralista político, o primeiro literato profissional romano. Exerceu enorme influência sobre toda a literatura ocidental, ele nasceu na Itália, no dia 8 de dezembro de 65 a.C. Filho de um escravo emancipado e funcionário público financiou seus estudos em Roma e depois em Atenas. Após o assassinato de Júlio César, em 44 a.C., uniu-se ao grupo republicano e comandou uma legião do exército de Brutus na batalha de Filipos, na Grécia. Apesar da derrota, voltou para Roma graças a uma anistia.Passou graves dificuldades financeiras até conseguir um cargo administrativo. Começou a escrever seus versos e entrou para os círculos literários, sob a proteção do influente Caio Mecenas. Tornou-se amigo de Virgílio. Horácio foi o primeiro literato profissional romano. Ele aceitava ajuda, como a pequena propriedade nos montes Sabinos que lhe recebeu de Mecenas, mas evitava imposições que pudessem vir a afetar sua integridade.

A obra de Horácio compreende quatro livros de odes, dois de sátiras, dois de epístolas e um hino. Ele se dedicava a observar e comentar a vida romana. Seu primeiro livro de “Sátiras” (35 a.C.), contém dez poemas em que discute questões éticas. O segundo livro de sátiras foi publicado em 30 a.C. Sua obra-prima são os três livros de poemas líricos, as “Odes”, de 23 a.C., complementados por um quarto volume de 13 a.C. Algumas das odes são dedicadas ao nacionalismo estimulado por Augusto. Para o imperador, compôs o “Canto Secular”, hino de caráter litúrgico dedicado a Apolo e Diana. Poetizando a realidade romana, criou versos que exaltavam a política imperial. Pessoalmente valorizou o indivíduo e a elite.

Os dois livros de epístolas, cheias de sabedoria, são expressões da filosofia estoica (uma ética em que a imperturbabilidade, a extirpação das paixões e a aceitação resignada do destino são as marcas fundamentais do homem sábio, o único apto a experimentar a verdadeira felicidade [O estoicismo exerceu profunda influência na ética cristã.].). O primeiro, de 20 a.C., contém vinte cartas familiares escritas em tom filosófico, em que o poeta recomenda certas regras de conduta e uma vida estoica.

No segundo livro há duas longas cartas de crítica literária, em que Horácio estabelece os princípios da poesia augusta, descreve a função do poeta e enumera as regras da tragédia em Roma.

Na carta dedicada à família dos Pisões, mais conhecida como “Arte Poética”, a pretexto de dar conselho aos jovens que desejam ser poetas, resume as normas do Classicismo. Recomenda que evitem os excessos, dizendo: “há uma medida em todas as coisas”. Morreu em Roma, no dia 27 de novembro do ano 8 a.C.

Horácio exerceu influência enorme sobre toda a literatura ocidental. A estética de Horácio se define pela precisão dos metros, pela sobriedade de expressão e pela serenidade diante da vida. Um dos últimos representantes dessa tendência foi Ricardo Reis, um dos heterônimos de Fernando Pessoa.

Frases de Horácio

Quem começou, tem metade da obra executada.

Quando a casa do vizinho está pegando fogo, a minha casa está em perigo.

Quem tem confiança em si próprio comanda os outros.

O pinheiro mais alto é aquele que o vento agita mais vezes.

A duração breve da nossa vida proíbe-nos de alimentar uma esperança longa.

Ele viveu no momento histórico e literário do Século de Augusto, tratando dos círculos de escritores de Roma, sobretudo o de Mecenas, que estavam ligados à política cultural do Principado. Enumeração de suas obras: Sátiras, Odes, Canto secular, Epístolas e Arte poética. Foi amigo de Virgílio e de Mecenas, o que lhe proporcionou uma vida estável. Poeta do círculo de Mecenas, soube manter certa independência, recolhido à sua vila de Tíbur, hoje Tivoli, nas redondezas de Roma.

As Odes de Horácio refletem influências de poetas gregos como Alceu, Safo e Píndaro, mas o autor latino, além da sua originalidade, foi muito hábil na versificação. Horácio foi, sem dúvida, um dos maiores poetas latinos. A ode em questão, I, 11, I, 10 conforme outras edições, demonstra a permanência da obra do poeta de Venúsia, sua terra natal, no Sul da Itália. O tema do carpe diem é frequente na obra de Horácio: rapiamus, amici, occasionem de die “amigos, agarremos a ocasião prontamente” (Epodo, 13, 3-4).

 

2.2. OVÍDIO

OVÍDIO

Públio Ovídio Naso, Ovídio nasceu na cidade de Sulmona (Itália) em 20 de março de 43 a.C.. Faleceu, aos 59 anos, em 17 d.C., na cidade Constança (Romênia), foi um poeta romano da Antiguidade. É considerado, por muitos estudiosos, um dos maiores poetas do final do século I a.C. e início do século I d.C. Suas principais obras são Metamorfoses (onde analisa cerca da origem de 250 mitos) A Arte de Amar. Muitas de suas obras são excelentes fontes para o estudo e entendimento da mitologia romana.

 

 

Principais características de seu estilo literário:

 

- Presença de consciência literária.

 

- Escreveu elegias, poesias épicas e dramas.

 

- O tema do amor é muito presente em suas poesias.

 

- Abordagem de temas ligados à mitologia greco-romana.

 

- Presença de fluxo musical nos versos das poesias.

 

- Presença de objetividade e elegância nas poesias.

 

- No final da vida, ocorreu uma mudança significativa em seu estilo literário, que passou a ser introspectivo e triste.

 

Principais obras (poesias):

 

Amores (entre 25 e 16 a.C.)

 

A arte de amar (por volta de 1 a.C.)

 

Metamorfoses (por volta de 8 d.C.)

 

Tristezas (entre 8 e 12 d.C.)

 

Frases:

 

- "Enquanto fores feliz, contarás muitos amigos, mas se os tempos estiverem nublados, estarás só".


- "A boa consciência ri-se das mentiras da fama".


- "Odiarei, se puder, caso contrário amarei, contra a minha vontade".


- "Até onde a arte não será capaz de ir? Há pessoas que aprendem até mesmo a chorar com arte".


A arte de amar” é um título que seduz por sua simplicidade e inquieta por sua ingenuidade. Pode-se perguntar se é necessário, útil ou conveniente ensinar esta arte, que parece evidente, fazendo parte dessas coisas tão compartilhadas e tão comuns a todos sem que seja preciso ensiná-las. Mas Ovídio não ensina o sentimento, mas a habilidade; não o amor, mas a sedução. Reconcilia os dois sexos e dá à mulher sua participação e sua iniciativa neste jogo sério e leviano do qual séculos de “civilização” a excluíram. “Remédios de amor” é um poema de 814 versos escritos em latim pelo poeta romano Ovídio. Nesse poema, de caráter estoico, Ovídio oferece conselhos e estratégias para evitar os danos que o amor nos possa produzir. O objetivo do poema é ensinar, em particular a jovens homens, como evitar a idealização das mulheres amadas. Serve, também, como ajuda no caso de o amor trazer desesperança e desgraça. Ovídio assegura que os suicídios são produto de amores desafortunados, que podem ser evitados por meio do cumprimento de seus conselhos.

 

AS METAMORFOSES

As Metamorfoses de Ovídio (I, vv.452-566), por José Vicentini:

O poema máximo de Ovídio dispensa apresentações. Como uma enorme coleção de fábulas pagãs permanece sem par até hoje na literatura ocidental, e as revoluções que promoveu à sua época nos foram (e ainda nos são) fundamentais para a compreensão do gênero épico. Como Homero, Ovídio é inesgotável: todos os grandes que o leram lhe tiraram algo de proveitoso à sua própria arte (de Dante a Ezra Pound) e não somente na literatura, como convém lembrar.

Assim como todas as obras que dispensam apresentações, há muito o que falar sobre Ovídio e sua poesia. Senão nessa inesgotabilidade está o fator monumentum aere perennius (ou novidade que permanece novidade) dessas obras, que nunca envelhecem nem perdem a potência sob qualquer luz que lhes lancemos – e nos é sempre possível lhes lançar uma nova luz.

É preciso dizer, contudo, que somente agora se vem formando em língua portuguesa uma tradição de traduzir Ovídio. Contávamos antes com as traduções de Bocage e Haroldo de Campos (incompletas, ainda que até hoje insuperáveis). Trouxe assim à luz esta pequena tradução, correspondente ao verso 452 até o 566, que conta a história de Dafne e Apolo, uma das mais belas e icônicas, na minha opinião. Norteado pelas traduções de Bocage e Arthur Golding, me utilizei do verso decassílabo camoniano para verter o hexâmetro latino, dando importância não tanto a corresponder verso a verso quanto a tentar conferir ao português o ritmo, a sonoridade e a fluidez do original – características apontadas no texto de Ovídio de forma unânime por quem quer que lhe tenha contato. (José Vicentini)

* * *

[Argumento: Cupido, iroso por ter sido desdenhado pelo deus Apolo, tira de sua aljava duas flechas de efeitos diferentes e com uma, de ouro, fere o deus pela medula, que prontamente se apaixona por Dafne, ninfa filha de Peneu; a outra, de chumbo, fixa no peito da ninfa, que prontamente repele o amor e todos os pretendentes que a cortejam. Assim, enlouquecido pela paixão, Apolo espera tê-la, e ao passo que a ninfa foge de todos os homens e odeia a ideia do matrimônio, o deus a persegue por entre as ramagens e as feras da floresta.]

 

Dafne foi o primeiro amor de Apolo,
A ninfa filha de Peneu, a quem
O dirigiu não a Fortuna incerta,
Mas sim a cruel ira de Cupido.

Febo, soberbo da recém vencida
Píton, viu o menino com seu arco,
Fletindo as pontas pelo fio teso,
E lhe falou: “A que te irão servir,
Menino lépido, tais graves armas?
Essas convêm somente aos nossos ombros,
Nós que podemos dar à fera hostil
Certeiro ferimento, que pudemos
Estatelar por espaçosos acres
O ventre pestilento da atroz Píton,
Vencida ao voo de incontáveis flechas.
Contém-te ao facho teu que faz arder
Esses amores e contém-te desse
Desejo de carpir as nossas glórias.”

Cupido então: “A tudo ferem, Febo,
Tuas flechas, e a ti ferem as minhas,
E quanto o deus excede os animais,
Tanto menor é tua à nossa glória.”

Disse e, fendendo o ar co’ agudas penas,
Pousou alígero ao frondoso alcácer
De Parnaso, tirou de sua aljava
Duas flechas de efeitos diferentes:
Aquela faz, esta repele amor:
Áurea a que faz luzindo à ponta fina
E rude a que repele tendo chumbo
Ao junco seu, esta Cupido então
Fixou ao seio da peneia ninfa
E com aquela aurífera fendeu
Pela medula os ossos do deus Febo:
Este súbito a ama, aquela foge:
Leda, através da escuridão das selvas,
Por entre as presas das cativas feras,
Tal qual Diana, virgem caçadora,
Co’ a fita atada à desprendida coma.
Muitos a pedem; ela, hostil a todos,
No desdém seu pelo que quer que seja
De amores, de noivado, de Himeneu,
Busca por ermos bosques livres de homens.
Frequentemente lhe dizia o pai:
“Tu deves, filha, netos a teu pai”,
Deves, filha,”, dizia, “um genro a mim”.
Ela, odiosa aos fachos de conúbio,
Como se fossem qualquer coisa horrível,
Verte candor à linda fronte rubra,
E, ao envolver com delicados braços
A nuca de seu pai, assim lhe diz:
“Ó pai querido, rogo que permitas
A mim fruir perpétua virgindade!
Qual Jove outrora permitiu à Délia.”
Assim assente o pai, mas o que queres,
Dafne, tua beleza veda a ti,
E tua forma nega o que suplicas:
Apolo a ama e à vista dela anseia
Pela união conubial, e espera
Por aquilo que tanto anseia, assim
O iludem suas próprias predições.

Como haste fina a arder na espiga finda,
Como sebe a queimar-se com os fachos,
A qual ou tenha alguém aproximado
Demais ou tenha então deixado ao sol,
Assim se faz inteiro o deus em flamas,
Assim ao peito todo abrasa e, crendo,
Nutre a esperança d’um amor estéril.
Vê seus cabelos soltos ao pescoço,
Diz: e se os penteasse? Vê seus olhos
Vibrarem flamejantes como os astros,
Observa os lábios, cuja vista apenas
Não lhe é bastante; louva os dedos, mãos,
Os braços que se estendem nus aos ombros,
“Talvez melhores se cobertos?”, pensa…
E ela foge, mais célere que o ar,
Nem se detém às súplicas de Apolo:
“Ó ninfa, para! rogo-te, não sigo
Como inimigo! ninfa, para! Assim
A ovelha foge ao lobo, assim o cervo
Foge ao leão, assim as pombas à águia,
Assim qualquer um foge ao inimigo:
Amor é a causa que me faz seguir!
Ai de mim se caíres inclinada,
Indigna de feridas, se teus pés
Encontrarem espinhos ao caminho
E eu te causar imerecidas dores!
Tão áspero o local a que te apressas…
Diminui a corrida e cessa a fuga,
Que também eu diminuirei o encalço.
Pergunta a quem aprazes: não habito
O monte agreste nem protejo gados
Ou rebanhos. Não sabes, insensata,
Não sabes de quem foges, logo foges:
Tênedos, Claros, a Patara régia
E a terra délfica me são devotos.
Nato de Júpiter, por mim se mostra
Aquilo que é, que foi e que há de ser,
Por mim concerta-se o cantar à lira.
Certeira é nossa flecha; uma, contudo,
Mais certeira que a nossa me acertou,
Fedendo ao peito indene uma ferida.
A medicina é meu invento, chamam-me
Opífero pelo orbe, co poder
Das ervas curativas ao meu jugo;
E agora, que nenhuma cura podem
As ervas dar a um tal amor, as artes,
Que a tudo servem, frustram seu senhor.”

Querendo dizer mais o deus Apolo,
Lhe foge a ninfa em passo trepidante,
Deixando ao curso esclusa a sua fala.
O corpo dela se desnuda ao vento,
Vibram-lhe as vestes e a suave brisa
Impele para trás os seus cabelos:
Tão bela Dafne lhe parece em fuga…
Porém o deus não se contém ao zelo,
E enquanto lhe aconselha amor loquaz,
Apressa o passo impetuoso a ela.
Símile ao galgo que depara a lebre
Numa planície aberta e então, co’ as patas,
Um caça a presa; a outra, o seu abrigo:
Um, tão à espreita, em breve espera tê-la,
Abrindo as presas rente aos passos dela;
A outra trepida e teme ser comida,
Escapando às mordidas e ao focinho:
Assim vão Febo e Dafne: àquele move
Sua esperança e a esta o seu temor.
Porém o que a persegue, guarnecido
Pelas asas do amor, é mais veloz,
Não para e, estando na iminência dela,
Chega a soprar-lhe a coma solta atrás.

Findada a força, a ninfa empalidece.
Vencida pelo esforço de escapar,
Dirige o olhar às ondas do riacho:
“Ó pai, se tens mesmo o poder dos rios,
Concede ajuda àquela cuja forma
Por ser tão bela não pode ser vista,
E faz perder-se enfim a transformando!”

Assim mal Dafne finda sua prece
E súbito um torpor lhe invade os membros:
Fina casca lhe cinge o seio ameno,
Se faz em folhas seu cabelo e em ramos
Os seus braços; seus pés, antes velozes,
Se fixam lentamente ao solo em rígidas
Raízes e ao seu rosto todo envolto
Nada resta senão um brilho escuso.

Ainda Apolo a ama e põe a mão
Direita sobre o tronco: lhe é possível
Sentir pulsar o coração de Dafne.
E envolvendo as ramagens com seus braços,
Beija a madeira, que recusa os beijos.

Lhe diz o deus então: “Já que não podes
Ser minha esposa, tu serás minha árvore.
Te portarei, ó louro, para sempre
Na lira, nos cabelos e na aljava.
Estarás entre os líderes do Lácio,
Com leda voz a modular vitórias
E a ver do Capitólio imensos faustos.
Disposta à entrada do palácio augusto,
Serás fiel vigia dos portões
E, ao centro, irás velar pelo carvalho.
Sobre meus cachos tenros não cortados,
Tu portarás da fronde eterna glória.”

Calou-se enfim; e, com aqueles ramos,
Pareceu-lhe o laurel ter assentido,
Meneando no topo as suas folhas.

Primus amor Phoebi Daphne Peneia, quem non
fors ignara dedit, sed saeva Cupidinis ira,
Delius hunc nuper, victa serpente superbus,
viderat adducto flectentem cornua nervo
‘quid’ que ‘tibi, lascive puer, cum fortibus armis?’
dixerat: ‘ista decent umeros gestamina nostros,
qui dare certa ferae, dare vulnera possumus hosti,
qui modo pestifero tot iugera ventre prementem
stravimus innumeris tumidum Pythona sagittis.
tu face nescio quos esto contentus amores
inritare tua, nec laudes adsere nostras!’
filius huic Veneris ‘figat tuus omnia, Phoebe,
te meus arcus’ ait; ‘quantoque animalia cedunt
cuncta deo, tanto minor est tua gloria nostra.’
dixit et eliso percussis aere pennis
inpiger umbrosa Parnasi constitit arce
eque sagittifera prompsit duo tela pharetra
diversorum operum: fugat hoc, facit illud amorem;
quod facit, auratum est et cuspide fulget acuta,
quod fugat, obtusum est et habet sub harundine plumbum.
hoc deus in nympha Peneide fixit, at illo
laesit Apollineas traiecta per ossa medullas;
protinus alter amat, fugit altera nomen amantis
silvarum latebris captivarumque ferarum
exuviis gaudens innuptaeque aemula Phoebes:
vitta coercebat positos sine lege capillos.
multi illam petiere, illa aversata petentes
inpatiens expersque viri nemora avia lustrat
nec, quid Hymen, quid Amor, quid sint conubia curat.
saepe pater dixit: ‘generum mihi, filia, debes,’
saepe pater dixit: ‘debes mihi, nata, nepotes’;
illa velut crimen taedas exosa iugales
pulchra verecundo suffuderat ora rubore
inque patris blandis haerens cervice lacertis
‘da mihi perpetua, genitor carissime,’ dixit
‘virginitate frui! dedit hoc pater ante Dianae.’
ille quidem obsequitur, sed te decor iste quod optas
esse vetat, votoque tuo tua forma repugnat:
Phoebus amat visaeque cupit conubia Daphnes,
quodque cupit, sperat, suaque illum oracula fallunt,
utque leves stipulae demptis adolentur aristis,
ut facibus saepes ardent, quas forte viator
vel nimis admovit vel iam sub luce reliquit,
sic deus in flammas abiit, sic pectore toto
uritur et sterilem sperando nutrit amorem.
spectat inornatos collo pendere capillos
et ‘quid, si comantur?’ ait. videt igne micantes
sideribus similes oculos, videt oscula, quae non
est vidisse satis; laudat digitosque manusque
bracchiaque et nudos media plus parte lacertos;
si qua latent, meliora putat. fugit ocior aura
illa levi neque ad haec revocantis verba resistit:
‘nympha, precor, Penei, mane! non insequor hostis;
nympha, mane! sic agna lupum, sic cerva leonem,
sic aquilam penna fugiunt trepidante columbae,
hostes quaeque suos: amor est mihi causa sequendi!
me miserum! ne prona cadas indignave laedi
crura notent sentes et sim tibi causa doloris!
aspera, qua properas, loca sunt: moderatius, oro,
curre fugamque inhibe, moderatius insequar ipse.
cui placeas, inquire tamen: non incola montis,
non ego sum pastor, non hic armenta gregesque
horridus observo. nescis, temeraria, nescis,
quem fugias, ideoque fugis: mihi Delphica tellus
et Claros et Tenedos Patareaque regia servit;
Iuppiter est genitor; per me, quod eritque fuitque
estque, patet; per me concordant carmina nervis.
certa quidem nostra est, nostra tamen una sagitta
certior, in vacuo quae vulnera pectore fecit!
inventum medicina meum est, opiferque per orbem
dicor, et herbarum subiecta potentia nobis.
ei mihi, quod nullis amor est sanabilis herbis
nec prosunt domino, quae prosunt omnibus, artes!’

Plura locuturum timido Peneia cursu
fugit cumque ipso verba inperfecta reliquit,
tum quoque visa decens; nudabant corpora venti,
obviaque adversas vibrabant flamina vestes,
et levis inpulsos retro dabat aura capillos,
auctaque forma fuga est. sed enim non sustinet ultra
perdere blanditias iuvenis deus, utque monebat
ipse Amor, admisso sequitur vestigia passu.
ut canis in vacuo leporem cum Gallicus arvo
vidit, et hic praedam pedibus petit, ille salutem;
alter inhaesuro similis iam iamque tenere
sperat et extento stringit vestigia rostro,
alter in ambiguo est, an sit conprensus, et ipsis
morsibus eripitur tangentiaque ora relinquit:
sic deus et virgo est hic spe celer, illa timore.
qui tamen insequitur pennis adiutus Amoris,
ocior est requiemque negat tergoque fugacis
inminet et crinem sparsum cervicibus adflat.
viribus absumptis expalluit illa citaeque
victa labore fugae spectans Peneidas undas
‘fer, pater,’ inquit ‘opem! si flumina numen habetis,
qua nimium placui, mutando perde figuram!’
[quae facit ut laedar mutando perde figuram.]
vix prece finita torpor gravis occupat artus,
mollia cinguntur tenui praecordia libro,
in frondem crines, in ramos bracchia crescunt,
pes modo tam velox pigris radicibus haeret,
ora cacumen habet: remanet nitor unus in illa.
Hanc quoque Phoebus amat positaque in stipite dextra
sentit adhuc trepidare novo sub cortice pectus
conplexusque suis ramos ut membra lacertis
oscula dat ligno; refugit tamen oscula lignum.
cui deus ‘at, quoniam coniunx mea non potes esse,
arbor eris certe’ dixit ‘mea! semper habebunt
te coma, te citharae, te nostrae, laure, pharetrae;
tu ducibus Latiis aderis, cum laeta Triumphum
vox canet et visent longas Capitolia pompas;
postibus Augustis eadem fidissima custos
ante fores stabis mediamque tuebere quercum,
utque meum intonsis caput est iuvenale capillis,
tu quoque perpetuos semper gere frondis honores!’

finierat Paean: factis modo laurea ramis
adnuit utque caput visa est agitasse cacumen.

 

No tempo de Virgílio, Roma já havia completado seu domínio sobre a bacia do Mediterrâneo. No século transcorrido após a conquista da Grécia (146 a. C.) consolida essa hegemonia. Iniciara também a incorporação do continente europeu. Na década de cinquenta, entre 58 e 51, estabelece-se no território denominado Gália, que deveria corresponder á França e á Alemanha que conhecemos. Internamente, é o período de grandes agitações e guerras civis, que culminam com a abolição da República e a chegada ao poder do Primeiro Imperador (Otávio Augusto, que governou de 29 a 14 a. C.). Virgílio viveu grande parte desta última época, acreditando-se que se haja disposto a escrever Eneida por solicitação do Imperador. Faleceu no ano 19 a. C., aos 51 anos de idade.

Ainda que inspirado em Homero, que igualmente mereceria perene acolhimento no Ocidente, a Eneida de Virgílio é que inauguraria nova modalidade de obra literária, servindo de modelo a diversos autores em variados contextos históricos. Trata-se do poema épico que se propõe cantar determinado evento que a seus olhos – ou da geração correspondente – constitui autêntica epopeia. No caso, tudo conspirava para alcançar tal efeito: o autor canta as glórias da Itália, na língua erudita adotada pelos que a recebem em primeira mão, num verso perfeito.

Supõe-se que a composição dos doze cantos que integram a Eneida haja absorvido os últimos anos da vida do autor. Pretenderia acrescentar-lhe mais três, depois de conhecer a Grécia, mas faleceu antes de realizar tal projeto. Os seis primeiros cantos acompanham de perto o roteiro seguido por Homero para descrever as peripécias de Ulisses no regresso a Ítaca, inclusive a sua passagem pelo inferno, para avistar-se com o pai (cena do Sexto Canto, em Virgílio). Os demais estariam inspirados na Ilíada.

Eneida é uma extraordinária epopeia devotada ao destino glorioso da Itália, traçado pelos deuses e que, num dado momento, esteve em mãos de Enéas. Em lugar do grego vitorioso da Odisseia, Virgílio coloca a um troiano derrotado (Enéas). Abandonando a cidade em chamas (Tróia), dirige-se á Itália, destinada a tornar-se prolongamento dos troianos. Do mesmo modo que ocorreu a Ulisses, também Enéas em sua viagem por mar é perseguido, enfrenta a fúria das tempestades. Chega a Cartago, colônia fenícia no Norte da África, sob domínio romano na altura em que viveu Virgílio. Ainda seguindo a Homero, o herói de Virgílio é retido na cidade e instado a relatar a monumental história da guerra de Tróia (Cantos Segundo e Terceiro). O relato é brilhante mas será no Quarto Canto onde irá transparecer plenamente a genialidade de Virgílio.

Dido, rainha de Cartago, delira de amores por Enéas e planeja seduzi-lo. O texto de Virgílio contagia com a emoção das artimanhas da conquista, tornando de todo aceitável que Enéas se deixasse seduzir, esquecendo-se dos seus deveres e colocando-se ao serviço de um novo amo. A mudança de estado de espírito que lhe provoca a reprimenda dos deuses é deveras brilhante e não preserva nenhum indício de insanidade. Descobrindo os planos do amante de evadir-se, a transformação que se opera em Dido marca um extraordinário momento de criação literária, do mesmo modo que o diálogo em que Enéas tenta justificar-se e o próprio desfecho, representado pelo suicídio de Dido e a consumação da fuga de Enéas. A simples leitura deste Quarto Canto explica o impacto que a sua descoberta iria provocar na Itália do apogeu da Idade Média. Poesia primorosa, além do mais escrita na língua que era a dos homens cultos da época. Compreende-se o deslumbramento provocado, entre outros, em Dante Alighieri.

No Canto Sexto, tendo chegado à Sicília, Enéas deixa ali uma parte da frota e segue com os restantes em demanda do continente. É aqui que, do mesmo modo que Ulisses, visita aos mortos no Inferno e ouve da alma do pai (Anquises) o relato das glórias futuras da Itália a partir da fundação de Roma. Esse relato abre a outra parte do poema, nestes termos: “Depois que Anquises conduziu seu filho a todos os lugares e lhe acendeu o ânimo com o amor da fama que há de vir, fala-lhe das guerras que terá de sustentar.”

Os cantos restantes, segundo todos os estudiosos, se seguem a Homero, como os precedentes, desta vez a Odisseia é substituída pela Ilíada, onde o tema central é a guerra de Tróia. Ao contrário do que seria plausível, já que os deuses haviam destinado Enéas a valer-se da Itália para reconstituir Tróia, encontrará não só apoio mas uma forte resistência desde que parte dos habitantes locais tratam-no como intruso. Na terrível guerra que se segue, desfilam heróis e deuses homéricos. Embora Virgílio não haja concluído o poema, a parte que chegou até nós acha-se entremeada de circunstâncias que permitem ao poeta referir o glorioso destino reservado á Itália e reverenciar seu protetor, o Grande Augusto. Com a ajuda dos deuses, Enéas ganha a guerra e, recusando de modo frontal as súplicas do rei Turno, comandante das tropas que lhe opuseram resistência “arrebatado de cólera, enterra a espada no meio do peito (de Turno) ... e sua vida (alma), indignada, foge com um gemido para as sombras.”

Sobre METAMORFOSES, ASSISTIR:

https://www.youtube.com/watch?v=2znAMWHXzTI

E   https://www.youtube.com/watch?v=s82UzNMvjMY

 

 

 

2.3 PETRÔNIO  e o seu Satíricon

O mais antigo exemplar do romance latino a sobreviver até os nossos dias, ainda que de forma fragmentária, Satíricon foi escrito por volta de 60 d.C., no período do imperador romano Nero.

Narrando as aventuras de Encólpio, seu amante Ascilto e o servo Gitão, que formam um tumultuado triângulo amoroso e se metem em uma série de confusões para pagar uma dívida ao deus Priapo, o livro é uma grande sátira à caótica civilização romana, ao mesmo tempo em que registra de forma ferina as relações entre os diferentes estratos sociais da época.

Tudo é impreciso quando se trata de Petrônio Árbitro, a quem a tradição atribui a autoria do Satíricon: personagem da política romana sob Nero, chegou a cônsul e chefe de cerimonial — elegantiae arbiter — no palácio do imperador, antes de ser obrigado a cometer suicídio em 66 d.C. por envolvimento numa conspiração. Seja como for, uma coisa é certa: a prosa do Satíricon não tem nada de vago ou de impreciso, pródiga que é de traços fortes, detalhes argutos e alusões ferinas.

Em Satíricon Petrônio lança os leitores no meio do caos plebeu e mundaníssimo da Roma imperial, que se descortina ao sabor das cambalhotas do enredo. Seus personagens são de toda origem e de vária plumagem, de retores a gladiadores, de prostitutos a novos-ricos, cada um deles dotado de voz própria, crassa, lépida.

Andam todos às voltas com o desejo e a ambição, motores centrais desse universo — e, vez por outra, também com a nostalgia e a melancolia. Têm todos, sobretudo, que se haver com a escrita cômica e paródica de seu autor, que não poupa nada nem ninguém — e que faz do Satíricon uma das obras centrais da literatura latina e — por que não? — do romance ocidental.

Pouco se sabe sobre Petrônio Árbitro, que a tradição considera ser o autor do Satíricon. De sua suposta lavra seriam apenas, além do próprio texto remanescente do romance, alguns fragmentos e poemas esparsos.

A julgar pelas informações indiretas fornecidas pelo historiador romano Públio Cornélio Tácito (55-117 d.C.) em sua obra Anais (XVI.18-19), o autor de Satíricon seria o político romano Tito Petrônio Árbitro, que exerceu importante papel junto a Nero como chefe do cerimonial do palácio imperial, função que, em latim, se dizia elegantiae arbiter (que significava algo como “perito, especialista, promotor de elegância, refinamento”).

Essa atuação como um verdadeiro promoter teria valido a Petrônio a alcunha de Arbiter (Árbitro), que ele portava junto a seu nome. Além de ter sido um dos conselheiros do imperador, teria ocupado cargos importantes no Império Romano como procônsul da província da Bitínia, antiga região do noroeste da Ásia Menor por onde hoje se estende a Turquia, no litoral do Mar Negro, e como cônsul eleito em Roma. Tendo sido envolvido na conspiração de Pisão contra Nero em 65 d.C., foi forçado a suicidar-se, o que teria ocorrido no ano de 66 d.C.

2.4. DANTE E A COMÉDIA

Muito boa e gratuita esta edição de A DIVINA COMÉDIA:

http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/eb00002a.pdf

 

Livro A Divina Comédia, de Dante Alighieri, pela Dra. Rebeca Fuks

 

poema épico escrito pelo autor Dante Alighieri (1265-1321) é um clássico da literatura mundial escrito durante o Renascimento. A extensa obra, toda composta em versos, é dividida em três partes: Inferno, Purgatório e Paraíso. Cada uma delas possui exatamente 33 cantos. A Divina Comédia foi escrita em florentino, no início do século XIV, e pretendeu fazer uma síntese enciclopédica do conhecimento científico e filosófico da Idade Média.Nela o protagonista do livro A Divina Comédia é o próprio poeta Dante Alighieri que percorre uma viagem entre três instâncias completamente distintas: o Inferno, o Purgatório e o Paraíso. Ao longo do caminho, Dante vai cruzando com amigos e conhecidos, figuras públicas ou do universo pessoal do autor, e debatem sobre os mais variados temas. É extremamente descritiva e contempla imensos detalhes visuais. Enquanto se encontra no inferno, Dante recebe a ajuda do poeta romano Virgílio, que serve como uma espécie de guia. Virgílio (70 a 19 a.C.), autor dos tempos de Júlio César, foi dos maiores poetas da Antiguidade, tendo escrito o clássico Eneida. Dante era um admirador profundo da poética de Virgílio, por isso é a ele que pede ajuda para percorrer o doloroso caminho. Quando está no céu, por sua vez, quem realiza o trabalho de acompanhamento é Beatriz, uma musa inspiradora que foi a paixão platônica de Dante durante a adolescência. Beatriz é símbolo do amor divino e é responsável por guiar o poeta para fora da selva.

O poema possui três personagens principais:

·         Dante, o protagonista que personifica o homem;

·         Beatriz, que representa a fé;

·         Virgílio, que pode ser considerado o símbolo da razão.

A Divina Comédia é basicamente a história da conversão de um pecador ao caminho de Deus. Os versos sublinham a necessidade de se seguir o caminho do bem e da ética.

O protagonista é o símbolo do ser humano vulgar e representa o cidadão comum, que tem dúvidas, hesita, é tentado pelo mal. Ao mesmo tempo, Dante não se vê exatamente como uma criatura humilde e, no Canto IV (do Inferno), se coloca lado a lado com grandes escritores:

Olha o que vem à frente qual decano
dos outros três, segurando uma espada;
ele é Homero, poeta soberano;
o satírico Horácio junto vem,
terceiro é Ovídio e último Lucano.
Desde que cada um deles detém
os mesmos dotes co’os quais fui saudado,
recebo sua honraria como convém.
Assim o belo grupo vi formado
da escola do senhor do excelso canto
cujo vôo, como d’águia, é incontestado.
Longo foi seu colóquio, e entretanto
acenavam a mim, e eu vi o prazer
no sorriso do Mestre meu, porquanto
o privilégio iriam me conceder
da acolhida na sua comunidade.
E assim fui sexto entre tanto saber

Assistimos ao longo do poema como o protagonista é alvo de tentações e como contorna os obstáculos que, aos poucos, vão se apresentando pelo percurso. Nesse sentido considera-se A Divina Comédia como uma obra moralizante, isto é, uma obra que reafirma os valores cristãos (embora apresente alguns elementos pagãos).

O próprio papa Bento XV, em declaração oficial, sublinhou a importância da composição de Dante:

"Embora não seja escasso o número dos grandes poetas católicos que unem o útil ao agradável, em Dante é singular o fato de que, fascinando o leitor com a variedade das imagens, com a vivacidade das cores, com a grandiosidade das expressões e dos pensamentos, ele o arrasta ao amor da sabedoria cristã. (...) A sua Comédia, que merecidamente recebeu o título de divina, mesmo nas várias ficções simbólicas e nas recordações da vida dos mortais sobre a terra, não visa a outro fim senão a glorificar a justiça e a providência de Deus"

Apesar de ser uma criação de forte elogio à Igreja, A Divina Comédia também pode ser lida como uma crítica à instituição em determinados momentos específicos.

Embora alguns críticos apontem a publicação como sendo uma epopeia, não se pode considera-la efetivamente como uma porque não se trata de uma história ficcional de um herói que batalha pelo seu povo ou pela sua região.

O correto seria classificá-la como um texto didático alegórico (didático porque tem como fim o ensinamento e alegórico porque é construída a partir de símbolos).

História da publicação

O livro, redigido em italiano, foi publicado em três partes. A primeira delas foi divulgada em 1317, a segunda em 1319 e a terceira após a morte do autor. Estima-se que Dante tenha dedicado catorze anos da sua vida a composição do livro (iniciou em 1307 e concluiu o trabalho pouco antes de sua morte, em 1321).

Trata-se de um poema épico narrativo rigorosamente simétrico, cada parte possuindo 33 cantos, com aproximadamente 40 a 50 tercetos. O número três é essencial para a construção do poema. Os versos são escritos a partir de uma técnica original conhecida como terza rima, onde as estrofes de dez sílabas, com três linhas cada rimam de uma determinada maneira específica.

Originalmente o livro chamava-se apenas Comédia, tendo ganhado o título composto apenas posteriormente, em 1555, na edição veneziana composta por Ludovico Dolce.

Quem primeiro observou que o nome deveria ser A Divina Comédia, pelos assuntos que o livro abordava e pela qualidade com que o trabalho foi feito, foi o poeta Giovanni Boccaccio (1313-1375).

Em Trattatello in laude di Dante, composto em 1357, Boccaccio explicita que a obra de Dante, que considerava brilhante, merecia título mais adequado. Somente em 1555, na impressão preparada por Ludovico Dolce, o título A Divina Comédia ficou eternizado para sempre.

Sobre o autor Dante Alighieri

Escritor fundamental da literatura medieval, Dante Alighieri nasceu em Florença, na Itália, no ano de 1265 (estima-se que tenha sido no dia 25 de maio), filho de dona Bella e de Aldighiero Alighieri.

Dante ficou órfão muito jovem. A mãe faleceu quando o menino era ainda criança e o pai quando o jovem tinha apenas dezoito anos.

Apesar de ter sido casado e tido filhos (pelo menos três), Dante nutria um amor platônico por Beatrice de Folco Portinari, uma amiga de quando tinha 9 anos que veio a reencontrar em 1283. Beatrice casou-se em 1287 com o banqueiro Simone dei Bardi e Dante casou-se com Gemma Donati dois anos antes, em 1285. Beatrice morreu subitamente em 1290, para desespero do escritor italiano.

Dante foi bastante consagrado em vida, tendo sido celebrado como o maior poeta da região da Toscana. De acordo com R. W. B. Lewis, autor de Dante:

"Já em 1321, as duas primeiras partes da Comédia encontravam-se transcritas e à disposição de leitores havia alguns anos, e Dante era aclamado em quase toda a Toscana como o maior poeta da região."

Sua obra-prima, A Divina Comédia, foi profundamente celebrada. Harold Bloom, um dos mais duros e importantes críticos literários, escreveu em O cânone ocidental que:

“o poema de Dante possui uma qualidade inominável, talvez tão grande quanto os melhores versos de Hamlet ou Rei Lear."

Além de escritor, Dante Alighieri atuou como político, tendo pertencido ao partido moderado. Ele estudou na universidade de Bologna nos anos em torno de 1285. Foi exilado de Florença por suspeita de corrupção, improbidade administrativa e oposição ao papa quando ocupou cargos públicos. Durante o exílio viveu em Forlì, Verona, Arezzo, Veneza, Lucca, Pádua, Paris, Bologna, Verona e Ravenna.

O autor morreu aos 56 anos, no dia 14 de setembro de 1321, em Ravenna, na Itália.

Principais obras de Dante Alighieri

A Divina Comédia foi a obra-prima de Dante e o trabalho que mais lhe ocupou tempo e dedicação, no entanto o escritor italiano também redigiu alguns outros livros, confira abaixo:

La Vita Nuova

Coletânea de poesias publicado em 1292 em homenagem ao seu amor platônico, Beatrice.

Convivio

Incompleta, a obra reúne quatro tratados que pretendiam reunir todo o conhecimento da época.

De Vulgari Eloquentia

Obra mais sucinta onde Dante defende veementemente a língua italiana.

De Monarchia

Escrito em 1310, é um tratado sobre política onde Dante defende a total separação entre a Igreja e o Estado.

 

 

Ler também sobre DE VULGARI ELOQUENTIA , vale a pena dar uma olhada em   https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8148/tde-17112009-153952/publico/COSIMO_BARTOLINI_S_V.pdf

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

BASSETTO, Bruno Fregni. Elementos de filologia românica. São Paulo, Edusp, 2001.

FARIA, Ernesto. Fonética histórica do latim. Rio de Janeiro, Livraria Acadêmica, 1975.

MARTINS, Maria Cristina. A língua latina: sua origem, variedades e desdobramentos. Porto Alegre: UFRS, 2004.

MAURER Jr., Theodoro Henrique (1951) A unidade da România ocidental. USP/FFLCH. Gramática do latim vulgar. Rio de Janeiro, Acadêmica, 1959.



[1] A maior parte das gramáticas latinas dedica-se à morfologia, apresentando as declinações dos nomes e a conjugação dos verbos (o sistema de concordância nominal e verbal), como sendo a própria gramática latina. Quanto à sintaxe, pouco se encontra nessas gramáticas, mas destacam-se as seguintes peculiaridades (sintáticas) da língua latina: o acusativo com infinitivo, as diversas funções do ablativo, inclusive a oração subordinada em ablativo, o chamado "ablativo absoluto" e o emprego das formas nominais do verbo.

 

[2] Falemos sobre esta Ode I, 11 de Horácio, o Carpe diem. Tal poema é um dos mais importantes da obra do poeta latino. Ode, entre os antigos gregos, era o poema lírico destinado ao canto. Aqui um texto original, de métrica elaborada. Falamos de língua latina; literatura latina; poesia; Horácio.No que diz respeito à morfologia nominal e verbal, deve-se dar destaque a formas como nefas (neutro indeclinável da 3ª declinação), di (ao lado de dei e dii), Leuconoe (palavra grega da 1ª declinação), quicquid (ou quidquid, neutro de quisquis, pronome relativo indefinido, substantivo ou adjetivo), pluris (ou plures) e pumex, -micis, valendo lembrar que é sempre bom enunciar os verbos nas duas primeiras pessoas do singular do presente do indicativo, no infinitivo presente, na primeira pessoa do singular do perfeito do indicativo e no supino (em anexo). Quanto à sintaxe dos tempos e dos modos, merecem digressão os empregos do futuro perfeito do indicativo (fugerit), do perfeito do subjuntivo (dederint) e a ordem negativa (ne + presente, 1ª e 3ª pessoas, ou perfeito, 2ª pessoa, do subjuntivo). Deve-se chamar a atenção para ne... nec, bem como para seu... seu. No mais, procurar explicar as elipses, particularmente a última, postero diei. A tradução é escolar, sem pretensão poética, o mais literal possível. O emprego do verbo de ligação deve ser explicado em “saber é ilícito” e “como é melhor”. A tradução livre requer esclarecimento em “há de vir”. A expressão spatio breui é geralmente entendida como temporal, mas também se vê na passagem uma conotação causal. A lição “por causa da nossa breve existência” encontra guarida em Péricles Eugênio da Silva Ramos, explicativa: “que é breve o nosso prazo de existência”. A forma dederint é traduzida pelo perfeito do indicativo em português. O latim emprega o subjuntivo pois a oração quem mihi, quem tibi finem di dederint é objeto do verbo quaero, tratando-se de uma interrogativa indireta, o que alguns tradutores não observaram. Ao desenvolver as notas, foi mantido o texto da Hachette, pois o confronto com edições críticas mais recentes não o desabonou para a empreitada. O dicionário de António Gomes Ferreira (1983) deve ser usado com cautela, pois carece de uma revisão de conteúdo, o que pode comprometer o trabalho do aluno, sendo necessária a presença de um professor experiente. São exemplos de suas incorreções: sapio (4ª por 3ª conjugação), flos, lapis, Messala (femininos por masculinos), anas (sílaba final longa por breve), quoque (sílaba inicial longa por breve). O candidato a concurso que não tem fluência em língua estrangeira deve se servir do velho Saraiva (1993), sobretudo na prova de tradução e comentário. Ainda para o candidato, é de boa política fazer uso da pronúncia restaurada ou reconstituída, uma vez que é a mais usada nos cursos superiores de Letras do Brasil. Também se recomenda a adoção da ortografia empregada na Collection des Universités de France (Les Belles Lettres), como se fez com o texto da ode em estudo, apesar das incoerências de tal ortografia: os antigos romanos não usavam a nossa letra U nem conheciam as nossas minúsculas. Carpe diem O papel da morte, em Horácio, é ensinar a viver, colhendo o dia de hoje, como se fosse um fruto, sem alimentar longos projetos. Ninguém sabe quando será o fim, inútil consultar os Horóscopos. O suicídio fica completamente excluído. O fim só depende dos deuses. O modo de gozar o dia de hoje deriva do espírito eucarístico do vinho, nada tem a ver com um epicurismo vulgar, como pensam os que nunca entenderam o poeta. Não se pode quebrar as leis da natureza, impostas pelos deuses. Etimologicamente, Leucônoe quer dizer mente branca, limpa, vazia no sentido zenbudista

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