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quarta-feira, 28 de outubro de 2020

CARTAS CHILENAS: A SATÍRICA VISÃO DE UM (DES)GOVERNO NO BRASIL COLONIAL

 


 

Djael Martins Pedro da Silva

Orientador: Moisés Monteiro de Melo Neto

 

RESUMO:O presente artigo reúne análises de cunho literário sobre a obra de Tomás Antônio Gonzaga. Em seu conteúdo estão expostos os estudos que contemplam          as áreas: histórica, pois se trata de um contexto de transformações sociais, e literária, pois a literatura utiliza-se desta função de registro de acontecimentos passados. Através de um detalhamento, se analisou o governo de Fanfarrão Minésio, a partir da sátira de Gonzaga pelo personagem Critilo.

Palavras-chave: Cartas chilenas; Sátira;  GovernanteFanfarrão; Governo

 

ABSTRACT:This article brings together literary analyzes of the work of Tomás Antônio Gonzaga. In its content are exposed the studies that contemplate the areas: historical, because it is a context of social transformations, and literary, because the literature uses this function to record past events. Through detail, the government of FanfarrãoMinésio was analyzed, based on Gonzaga's satire by the character Critilo.

Keyword: Chilean letters; Satire; Bully; Government.

 

  1. INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta a conclusão de estudos voltados ao campo literário referente à obra Cartas chilenas. Esta produção da literatura é atribuída ao escritor Tomás Antônio Gonzaga, que durante muito tempo intrigou pesquisadores sobre quem seria o autor de tal obra, chegando-se a um consenso através de estudos estilísticos. O contexto em que esta obra foi produzida é composto de grandiosas transformações e de conflitos políticos e sociais. Embora o seu conteúdo aborde episódios que aconteceram às vésperas da Inconfidência Mineira (por volta dos anos de 1789), apenas em 1940, por meio dos estudos promovidos por Afonso Arinos e Rodrigues Lapa, onde se fizeram comparações com  a escrita de diversos possíveis escritores, foi descoberto que o escritor desta obra seria Tomás, o mesmo, ocupara o cargo de Ouvidor e durante o governo em questão, sofrera com diversas contrariedades.

A obra Cartas chilenas é composta de 13 (treze) cartas escritas em versos decassílabos, nos quais acontece a crítica a um (des)governo comandado por Fanfarrão Minésio (nome escolhido para a representação do governador da época do estado de Minas Gerais, o senhor Luís da Cunha Meneses, que governou o estado até a Inconfidência Mineira). Apenas no ano de 1863, aconteceu a publicação das cartas através de Luís Francisco da Veiga, que se utilizou de manuscritos de seu pai que fora contemporâneo dos inconfidentes.

Este trabalho se dispõe a fazer uma análise das cartas que compõem a obra, pesquisando em cada uma delas seu conteúdo e como se dá a representação do governo no qual as personagens estão inseridas, a satírica descrição do Poder Público em sua medíocre administração, os desmandos dos membros que compõem aquela gestão, a representação de Fanfarrão Minésio e a descrição que o autor faz daquele momento histórico.

 

Objetivo

Analisar a sátira na narração dos atos promovidos pelo governo, a representação das personagens e as críticas que são levantadas contra os desmandos do governante.

Situar a obra em um contexto de transformações mundiais e a recepção de influências de movimentos como o iluminismo, a revolução francesa e a “necessidade” de uma revolta separatista devido às más ações do governador.

Explicitar e procurar entender o conteúdo narrado em cada uma das cartas e associá-lo ao contexto em que foi produzido.

 

Justificativa

            Colaborar com os estudos da literatura trazendo uma (re)leitura detalhada de cada carta com o contexto que a obra nos posiciona. Trazendo uma análise desse papel social da literatura, que Tomás Antônio Gonzaga se utiliza para nos apresentar a “Chile” de “Fanfarrão Minésio”.

 

Metodologia:

            Tendo conhecimento dos objetivos que tínhamos como meta a ser alcançados, fez-se necessário o conhecimento e a leitura da obra em texto integral, a busca de referenciais que abordassem o contexto histórico e professores de literatura que conhecem a obra de Gonzaga. A leitura detalhada de cada verso acompanhada de pesquisas auxiliares e busca de trabalhos já produzidos que giram ao redor de tal temática.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

 

2.1   DO CONTEXTO SOCIAL, NASCE A OBRA

A produção de uma obra literária, geralmente está relacionada e dependente das influências do ambiente ao qual o escritor pertence. Em períodos de grandes transformações políticas e sociais, as obras produzidas recebem influência direta ou indiretamente do amontoado de ideias que está a borbulhar naquele momento, e consequentemente traz em si, vestígios do posicionamento do escritor. Sobre tais influências, Cândido afirma que“A Obra depende estritamente do artista e das condições sociais que determinam sua posição”. (CANDIDO, 2000, p. 30)

 

Esta afirmação encaixa-se perfeitamente às nossas observações sobre o conteúdo das tais “cartas”. A obra de Tomás Antônio Gonzaga foi produzida no período compreendido como as vésperas da inconfidência mineira. Sob os personagens Critilo e Doroteu, Tomás constrói uma narração satírica que se objetiva a expor e criticar o governo do assim nomeado Fanfarrão Minésio. Vivendo o contexto da inconfidência mineira, os textos que circulavam na cidade no final do século XVIII, tinham como uma de suas marcas a ocultação de seu autor. As personagens já mencionadas, são pseudônimos criados para ocultar das autoridades aqueles que estavam a satirizar o governo. Sendo assim, Critilo é um pseudônimo criado para o próprio Tomás Antônio Gonzaga (aquele que redige as cartas que são enviadas para Doroteu, que estaria em Madri, Espanha); Doroteu representa o escritor Cláudio Manuel da Costa (o receptor das cartas de Critilo); e o alvo das sátiras, o Fanfarrão Minésio representa Luís da Cunha Meneses.

O foco principal desta obra seria apontar os casos de injustiça, corrupção, tirania, abusos de poder, administração do governo, cobrança de altos impostos, narcisismo dos governantes e casos de nepotismo. A obra recebe a titularidade de Cartas Chilenas, pois aquele que as escreve (Critilo) reside em Santiago no Chile (nomenclaturas também usadas de forma simbólica), na verdade, reside em Vila Rica, em Minas Gerais.

 

2.2  – ENTRE AS INFLUÊNCIAS EXTERNAS E A ESCOLA LITERÁRIA

O momento representado pela segunda metade do século XVIII na Europa traz uma fase de singular importância para uma transformação cultural. Um dos principais símbolos dessa renovação, a “Enciclopédia” é publicada em 1751, tendo como um dos representantes, Voltaire. Esse movimento denominado “Iluminismo” que instigou o engrandecimento das ciências, e propôs a razão como um agente propulsor do progresso social e cultural, se opôs radicalmente às ideias religiosas que eram propagadas na época, por serem consideradas retrógradas. Nas “Cartas chilenas”, obra pertencente à escola literária nomeada como “Arcadismo”, percebe-se a ruptura no estilo que se distancia do que se convencionou como características do Barroco (escola anterior) que prezava pelo predomínio de temas religiosos e o rebuscamento da linguagem.

Em meio a esse cenário de revolução cultural e elevação científica, surge o Arcadismo, dentro da corrente neoclássica. Esse movimento literário vai reagir contra os exageros do estilo barroco, e trazer uma literatura que seja em sua composição mais simples e espontânea. Diante desse contexto de progresso científico, esses novos autores não foram tão religiosos, nem expressaram tantos problemas ligados à metafísica quantos os barrocos. Podemos perceber através da comparação de fragmentos de obras das duas escolas literárias:

 

O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo.

 

Em todo o sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda a parte,
Em qualquer parte sempre fica o todo.

 

O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.

 

Não se sabendo parte deste todo,
Um braço, que lhe acharam, sendo parte,
Nos disse as partes todas deste todo.

 

(Soneto de Gregório de Matos, Barroco)

"Acaso são estes                                            os sítios formosos,                                aonde passava                                               os anos gostosos?                                       São estes os prados,                                  aonde brincava, enquanto pastava,                  o manso rebanho                                          que Alceu me deixou?"

(Versos de Tomás Antônio Gonzaga, Arcadismo)

 

 

 

 

 

Quadro 1

Nos exemplos acima, é nítida uma das influências do movimento Iluminista sobre o estilo de escrita dos autores Árcades. O arcadismo também possui outras características, como uma visão mais sensualista da existência, um retorno à natureza (conforme citação latina locusamoenus, local tranquilo) e uma vida mais simples no campo. Esse bucolismo não se faz presente em Cartas Chilenas.

Em cartas chilenas, Tomás faz da literatura um modo de combate (influência do iluminismo, que era totalmente contra o absolutismo). A influência iluminista francesa se apresenta de forma clara, pois, Tomás teria se inspirado no estilo satírico de Voltaire e nas Cartas Persas,de Montesquieu, para poder nomear seu poema. Na obra de Montesquieu, um persa visita a França e procura entender os costumes e instituições do país, e nas comparações entre as culturas e costumes, residem as ironias (semelhante àquilo que Tomás fará em sua obra).

 

 

2.3  – AS CARTAS 1 E 2: ILUSÕES DE UM BOM GOVERNO

No total, são treze cartas escritas em versos decassílabos brancos (sem rima). Antes que se inicie a narração da primeira carta, ainda no prólogo, o autor deixa em uma das linhas uma recomendação de finalidade da obra para os governantes. No verso abaixo constata-se o exposto no Prólogo:“Um D. Quixote pode desterrar do mundo as loucuras dos cavaleiros andantes; um Fanfarrão Minésio pode também corrigir a desordem de um governador despótico”.

Neste trecho, ao colocar a imagem de Fanfarrão Minésio, o escritor lança aos governantes uma compreensão em entrelinhas de como um bom governante não deve agir. Fanfarrão é utilizado como um exemplo daquilo que não se deve seguir pelos responsáveis por um governo, este pensamento se justifica nos fatos apresentados nas narrativas das cartas que vêm em seguida.

Nos versos iniciais da primeira carta, há a apresentação daqueles que se comunicam; Critilo, é o narrador que escreve desde o momento da chegada de Fanfarrão para o receptor das cartas, Doroteu. Nos primeiros sete versos, encontramos Critilo “acordando” Doroteu, para lhe informar que lhe traz novidades importantes e que o mesmo as classifica como “raras”. Segue um fragmento:

 

Versos 1 – 7 (Carta 1ª)

Versos 51- 55 (Carta 1ª)

Amigo Doroteu, prezado amigo,

Abre os olhos, boceja, estende os braços

E limpa, das pestanas carregadas,

O pegajoso humor, que o sono ajunta.

5 Critilo, o teu Critilo é quem te chama;

Ergue a cabeça da engomada fronha

Acorda, se ouvir queres coisas raras.

Escuta a história de um moderno chefe.

Que acaba de reger a nossa Chile,

Ilustre imitador a Sancho Pança.

E quem dissera, amigo, que podia

55  Gerar segundo Sancho a nossa Espanha!

Quadro 2

Nos versos que se seguem após esse início que promete histórias raras e incríveis, Critilo continua a persuadir seu amigo Doroteu, que aquilo que irá lhe contar é até mais importante que seu descanso físico. Entre os versos 51 – 55, há um dos primeiros momentos de crítica satírica ao governante Fanfarrão, no qual o narrador o compara ao Sancho Pança (personagem da obra “Dom Quixote de La Mancha), que tem como uma de suas características seus desejos de vantagens materiais. Entre os versos 74 – 82, acontece a descrição do governante a partir da visão do narrador.

Na carta 2ª desta narrativa, são narrados os fingimentos que fez Fanfarrão Minésio no início de seu governo. Também é descrito a centralização dos negócios do governo. Entre os versos 64 – 80 da segunda carta, acontecem críticas e exposição de atos promovidos pelo governante na tentativa de uma impressão causar. Tais versos seguem anexados:

Versos 64 – 70 (Carta 2ª)

Versos 71 – 80 (Carta 2ª)

Apenas, Doroteu, o nosso chefe

65 – As rédeas manejou, do seu governo,

Fingir-nos intentou que tinha uma alma

Amante da virtude. Assim foi Nero.

Governou aos romanos pelas regras

Da formosa justiça, porém logo

70 – Trocou o cetro de ouro em mão de ferro.

Manda, pois, aos ministros lhe dêem listas

De quantos presos as cadeias guardam,

Faz a muitos soltar e aos mais alenta

De vivas, bem fundadas esperanças.

75 – Estranha ao subalterno, que se arroga

O poder castigar ao delinqüente

Com troncos e galés; enfim ordena

Que aos presos, que em três dias não tiverem

Assentos declarados, se abram logo

80 – Em nome dele, chefe, os seus assentos.

Nos versos acima, Critilo afirma o fingimento de Fanfarrão e lhe critica fazendo comparações a Nero e seu governo.

Neste fragmento, veem-se o início de algumas desordens, para manter boa aparência comenda as prisões, mas, sem lei.

Quadro 4

No decorrer de toda a carta 2, são mostrados variados atos promovidos pelo governante para que em um primeiro momento se crie sobre ele, uma imagem de um líder misericordioso e bondoso. Atos como a não punição para malfeitores e restituição daquilo fora roubado às vítimas de próprio ouro, libertação de presos acusados de leves crimes, bons posicionamentos públicos diante de igrejas (para alcançar o comum populismo) e até mesmo a concessão de perdão sobre o assassinato de uma pessoa. Anexos alguns dos citados:

Versos 85 – 94 (Carta 2ª)

Versos 135 – 146 (Carta 2ª)

85 – Mal se põe nas igrejas, de joelhos,

Abre os braços em cruz, a terra beija,

Entorta o seu pescoço, fecha os olhos,

Faz que chora, suspira, fere o peito,

E executa outras muitas macaquices

90 – Estando em parte onde o mundo as veja. Assim o nosso chefe, que procura

Mostrar-se compassivo, não descansa

Com estas poucas obras: passa a dar-nos

Da sua compaixão maiores provas.

135 – Ao nosso grande chefe outro soldado

Por vários crimes convencido e preso.

Lança-se o tal soldado, de joelhos

Aos pés do seu herói, suspira e treme,

Não nega que ferira e que matara,

140 – Mas pede que lhe valha a mão piedosa

Que tudo pode, que ele aperta e beija.

Pergunta-lhe o bom chefe se os seus crimes

Divulgados estão e o camarada,

Com semblante já leve, lhe responde

145 – Que suas graves culpas foram feitas

Em sítios mui distantes desta praça.

Quadro 5

Nos versos acima são mostrados alguns dos atos realizados por Fanfarrão para atrair a população para si como sendo um bom governante. Desta forma seguem as narrações até a conclusão da segunda carta. Contudo, ainda nesta narração já são mostrados os resultados desse fingimento:

Versos 185 – 196 (Carta 2ª)

Versos 263 – 268 (Carta 2ª)

185 – O nosso grande chefe, decisivos

Da piedade que finge, a louca gente

De toda a parte corre a ver se encontra

Algum pequeno alívio à sombra dele.

Não viste, Doroteu, quando arrebenta

190 – Ao pé de alguma ermida a fonte santa,

Que a fama logo corre e todo o povo

Concebe que ela cura as graves queixas.

Pois desta sorte entende o néscio vulgo

Que o nosso general lugar-tenente,

195 – Em todos os delitos e demandas,

Pode de absolvição lavrar sentenças.

E que queres, amigo, que suceda?

Esperavas, acaso, um bom governo

265 – Do nosso Fanfarrão? Tu não o viste

Em trajes de casquilho, nessa corte?

E pode, meu amigo, de um peralta

Formar-se, de repente, um homem sério?

Quadro 6

Nos versos acima, é observado que Fanfarrão consegue com que o povo o veja como alguém a se confiar, justamente aquilo que ele almejava. Já entre os versos 263 – 268, Critilo continua a satirizar o governo com duras críticas, categorizando o governante como um “peralta” (malandro). Até a conclusão desta carta, continuam as ações em busca da aprovação popular por Fanfarrão Minésio.

 

2.4  – CARTAS 3 E 4: O CETRO DE OURO PELA MÃO DE FERRO

Nas cartas seguintes, Critilo para surpresa dos leitores, apresenta um governante diferente daquele que nos primeiros momentos de sua chegada à Chile se mostrava tão afetuoso para a população. Nas cartas 3 e 4, são narradas as injustiças e violências que utilizou Fanfarrão, por causa de uma cadeia que deu início. A partir do verso 62 da 3ª carta, se inicia a narrativa do desejo que se desperta no governante em executar a construção desta obra.

Versos 62 – 72 (Carta 3ª)

Versos 126 – 135 (Carta 3ª)

No seu contrário vicio, degenera

A falsa compaixão do nosso chefe,

Qual o sereno mar, que, num instante,

65 – As ondas sobre as ondas encapela.

Pretende, Doroteu, o nosso chefe

Erguer uma cadeia majestosa,

Que possa escurecer a velha fama

Da torre de Babel e mais dos grandes,

70 – Custosos edifícios que fizeram,

Para sepulcros seus, os reis do Egito.

Para haver de suprir o nosso chefe

Das obras meditadas as despesas,

Consome do senado os rendimentos

E passa a maltratar ao triste povo,

130 – Com estas nunca usadas violências:

Quer cópia de forçados que trabalhem

Sem outro algum jornal, mais que o sustento

E manda a um bom cabo que lhe traga

A quantos quilombotas se apanharem

135 – Em duras gargalheiras.

Quadro 7

Nos primeiros versos acima mostrados, é revelada a mudança de comportamento de Fanfarrão, e sua vontade de construir uma cadeia majestosa, nos versos seguintes é explicado como que esta construção seria para o governante um símbolo de seu poder. Enquanto que entre os versos 126 ao 137, é mostrado um ato de corrupção e até crime de Fanfarrão, no qual para financiar as despesas de sua construção, “consome do Senado os rendimentos”. Além de começar a maltratar o povo, dando ordens de se buscarem presos e inocentes para o trabalho.

Versos 256 – 263 (Carta 3ª)

Versos 52 – 59 (Carta 4ª)

Já descarregam golpes desumanos,

Já soam os gemidos e respingam

Miúdas gotas de pisado sangue.

Uns gritam que são livres, outros clamam

Que as sábias leis do rei os julgam brancos,

Este diz que não tem algum delito

Que tal rigor mereça, aquele pede

Do justo acusador, ao céu, vingança.

Mal o duro inspetor recebe os presos

Vão todos para as obras; alguns abrem

Os fundos alicerces, outros quebram,

55 – Com ferros e com fogo, as pedras grossas.

Aqui, prezado amigo, não se atende

Às forças nem aos anos. Mão robusta

De atrevido soldado move o relho,

Que a todos, igualmente, faz ligeiros.

Quadro 8

Nos primeiros versos, são exibidas as “torturas” aplicadas àqueles que inicialmente resistiram em trabalhar na construção da cadeia, alguns inocentes, outros chamados “vadios” e tantos escolhidos pelos servos de Fanfarrão. Apresentados são ao governante que os mandam serem castigados a cem açoites, em alguns se perdem as contas, reiniciando para a infelicidade uma nova conta.

Na carta 4ª, são narrados para Doroteu os sofrimentos que os escolhidos para a construção da cadeia padecem. Nos versos acima, se mostra que após os acoites, são direcionados ao trabalho que o Fanfarrão está de longe ciente e acompanha a humilhação de seus governados. Seguindo a narração, mostra-se a indignação de Critilo diante do “duro peito” que tem o chefe, trocando a vida de simples pessoas em troca do erguimento de uma obra por capricho. Entre os versos 92 – 107 (carta 4ª), há a atribuição dos sofrimentos dos escravos a Fanfarrão que, ciente do que se passa, permite a exploração do seu povo.

Versos 175 – 183 (Carta 4ª)

Versos 343 – 352 (Carta 4º)

Amarela-se a cor, baceia a vista,

O semblante se afila, o queixo afrouxa,

Os gestos e os arrancos se suspendem;

Nenhum mais bole, nenhum mais respira

Assim, meu Doroteu, sem um remédio,

180 – Sem fazerem despesas em um só caldo,

Sem sábio diretor, sem sacramentos,

Sem a vela na mão, na dura terra

Estes pobres acabam seus trabalhos.

Levanta um edifício em tudo grande,

Um soberbo edifício, que desperte

345 – A dura emulação na própria Roma.

Em cima das janelas e das portas

Põe sábias inscrições, põe grandes bustos,

Que eu lhes porei, por baixo, os tristes nomes

Dos pobres inocentes, que gemeram

350 – Ao peso dos grilhões, porei os ossos

Daqueles que os seus dias acabaram,

Sem Cristo e sem remédios, no trabalho.

Quadro 9

A narrativa da carta 4ª é o desdobramento do conteúdo exibido na carta 3ª. Todavia, nesta são exibidos os detalhes que apenas na conclusão da carta anterior são introduzidos. São narradas as opressões que os cidadãos sofrem para construírem a obra “símbolo” de poder para Minésio. Entre uma abordagem e outra, são feitas reflexões sobre a ética do governante, entre os versos 146 e 150 chega-se a questionar até a divina piedade; são denunciados alguns padecimentos, como está exemplificado no trecho acima.

Para que se construísse tal obra de seu íntimo capricho, há pessoas que não sobreviveram; em nome destes o próprio Critilo condena Fanfarrão em seus escritos. Já nos versos finais (343 – 352), o narrador direciona uma crítica sobre as vítimas, injustiças, corrupções, desmandos, crimes e outros atos promovidos por Fanfarrão como sendo o culpado (junto com seus servos) por tantas desgraças.

 

2.5  – CARTAS 5 E 6: ENTRE FESTIVIDADES E DESORDENS

Seguem-se narradas as tiranias que executa Fanfarrão em seu governo. Nestas narrações, acontecem as festividades de desposórios de D. João com a princesa da Espanha, Carlota Joaquina.

Versos 30 – 36 (Carta 5ª)

Versos 99 – 105 (Carta 5ª)

Chegou à nossa Chile a doce nova

De que real infante recebera,

Bem digna de seu leito, casta esposa.

Reveste-se o baxá de um gênio alegre

E, para bem fartar os seus desejos

35 – Quer que, a despesas do senado e povo,

Arda em grandes festins a terra toda.

E, enquanto entende que o senado zela

100 – Mais as leis, que o seu gosto, não descansa

Aos tristes senadores não responde,

Mas manda-lhes dizer que, a não fazerem

Os pomposos festejos, se preparem

Para serem os guardas dos forçados,

105 – Trocando as varas em chicote e relho.

Quadro 10

Nas primeiras dezenas de versos da 5ª carta, Critilo pondera o fechamento dos assuntos tristes narrados na carta anterior, e satiriza as novas narrações que tem para Doroteu contar. No quinto verso o narrador classifica as futuras narrações como “lindas” e afirma que seu remetente haverá de “soltar gargalhadas descompostas”. Adiantando-se para o verso 30, como acima é exibido, é narrada a chegada da “casta esposa” à nossa Chile para o casamento. Porém, nesse belo contexto acompanha um ato que lhe tira o encanto: para custear os gastos de tais festividades, o Fanfarrão ordena que o dinheiro seja extraído do senado e do povo. O governante redige uma carta direcionada ao senado, na qual relata todos os atos que por sua vontade, devem ser executados. Nos versos seguintes são apresentadas as reações a tais desordens. Entre os versos 99 – 105, como percebemos, é mostrado um ato que causa repulsa ao autor das cartas: vendo-se contrariado, o governante ameaça aos senadores para que amedrontados recuem e façam suas vontades. Assim acontece.

Nos versos seguintes, são narradas as ameaças que fez Fanfarrão para que aqueles já citados juntamente com o povo, acabem por fazer o financiamento dos festejos.

Versos 181 – 187 (Carta 5ª)

Versos 148 – 155 (Carta 6ª)

Chega enfim o dia suspirado,

O dia do festejo. Todos correm

Com rostos de alegria ao santo templo.

Celebra o velho bispo a grande missa,

185 – Porém o sábio chefe não lhe assiste Debaixo do espaldar, ao lado esquerdo:

Para a tribuna sobe e ali se assenta.

Chegam-se, enfim, as horas do festejo;

Entra na praça a grande comitiva;

150 – Trazem os pajens as compridas lanças

De fitas adornadas, vêm à destra

Os formosos ginetes arreados,

Seguem-se os cavaleiros, que cortejam

Primeiro ao bruto chefe, logo aos outros,

155 – Dividindo as fileiras sobre os lados.

Quadro 11

Apenas nos versos 181 – 187 da carta 5ª, Critilo anuncia o dia das festividades, anunciando que todo o povo segue em direção ao templo para a missa da celebração. Entre os versos anteriores e os acima destacados, o narrador exibe a série de acontecimentos para que o senado e o povo aceitassem financiar tais festividades. Ainda antes da chegada deste dia, entre os versos 106 – 109, Critilo se mostra indignado com as ameaças proferidas àqueles que apenas seguem as leis do rei. Após o anúncio da chegada deste importante dia, a carta 5ª se destina a pensamentos e diálogos filosóficos de Critilo a Doroteu.

Na carta 6ª, como o exposto acima, continuam as narrações das festividades iniciadas na carta anterior, todavia, nesta são focadas além das comemorações, as confusões causadas neste evento. Entre os versos 156 -162 é enfocada a falta de postura de um chefe de grande representatividade como Fanfarrão. Entre os versos 182 – 199 são mostrados presentes que o chefe recebe com ausência de bons modos. Adiantando-se as narrações (que focam em outras más posturas do chefe), chegamos nos versos 314 – 316, os quais Critilo pede uma pausa para relatar um fato que excita afetos de ódio e raiva:

Versos 317 - 327

Versos 426 – 434

No dia. Doroteu, em que se devem

Correr os mansos touros, acontece

Morrer a casta esposa de um mulato,

320 – Que a vida ganha por tocar rabeca;

Dá-se parte do caso ao nosso chefe

Este, prezado amigo, não ordena

Que outro músico vá em lugar dele

A rabeca tocar no pronto carro;

325 – Ordena que ele escolha ou a cadeia

Ou ir tocar a doce rabequinha

Naquela mesma tarde, pela praia.

Embora! sacrifica ao próprio gosto

As fortunas dos povos que governas;

Virá dia em que mão robusta e santa

Depois de castigar-nos, se condoa

430 – E lance na fogueira as varas torpes.

Então rirão aqueles que choraram,

Então talvez que chores, mas debalde.

Que suspiros e prantos nada lucram

A quem os guarda para muito tarde.

Quadro 12

Exatamente como está exposto no verso acima. Ciente da morte da esposa de um mulato, no dia da festividade, Fanfarrão despreza as dores deste servo e o obriga a ir ao trabalho, deixando o cadáver de sua esposa para outro momento. Contudo, além da falta de sensibilidade, ameaça-o de ir preso, caso não lhe obedeça às ordens. Esta é uma das atrocidades mostradas durante as festividades. Nos versos seguintes (365 – 384) encontra consolo o viúvo, pois pensa que ganhará dinheiro para fazer o velório e enterro de sua amada, todavia, em sua frieza o governador, engana-o e paga-lhe com um embrulho do qual se descreve o seguinte: “Assim o bom viúvo discorria/ Quando pega no embrulho, e mal o rasga/ Encontra, Doroteu, confeitos grandes/ Encontra manuscrito e rebuçados”.

Nos próximos versos continua-se a narração das festividades e das judiações promovidas. Já nos versos finais (426 – 434) há um direcionamento a Fanfarrão. Critilo mostra uma não sensibilidade por um possível arrependimento da parte de Fanfarrão. De tal forma, encerram-se as cartas que contam entre festejos e desordens, as atrocidades de Fanfarrão Minésio.

 

2.6- CARTAS 7 E 8, NARRANDO ALGUNS ATOS E CORRUPÇÕES

            Seguindo as narrações, o conteúdo que predomina nas cartas 7ª e 8ª, são voltados para a narração de corrupções do governador. Sendo a carta 7ª a mais curta de todas as 13 que compõem a obra, com apenas 92 versos, inicia-se sem um subtítulo. Nesta carta são apontadas algumas decisões do governador Fanfarrão.

Versos 20 – 24 (Carta 7ª)

Versos 66 – 76

Maldito, Doroteu, maldito seja

O pai de Fanfarrão, que deu ao mundo,

Ao mundo literário tanta perda,

Criando ao hábil filho numa corte,

Qual morgado, que habita em pobre aldeia!

Não lucra, doce amigo, o nosso chefe

Somente em revogar os extermínios

Que fazem os ministros: ele mesmo

Ordena se despejem os ricaços,

70 – Ainda que estes vivam sem suspeita

Do infame contrabando. Desta sorte

Os obriga, também, a vir à tenda

Comprar, por grossas barras, seus despachos.

Todos largam, enfim, e todos entram

75 – No vedado distrito, sem que importe

Haver ou não haver de crime indicio.

Quadro 13

 

Nos primeiros versos desta carta, Critilo começa por expor um dos primeiros atos que serão acusados com mais fervor na carta seguinte, se tratando de corrupção, na qual beneficia (financeiramente, principalmente) aqueles que lhe apoiam em suas atitudes (versos 3-12). Em seguida, não disfarça sua repulsa por Fanfarrão (versos 20-24). Ainda nesta carta, são abordados alguns questionamentos para que em seguida (nos versos 66-76) seja narrados alguns outros atos do governador.

A carta seguinte (8ª) se dedica a denunciar as corrupções do governo de Fanfarrão. Entre as várias narrações de corrupção, algumas serão aqui transcritas:

 

Versos 157 - 163 (Carta 8ª)

Versos 178 – 186 (Carta 8ª)

A sábia lei do reino quer e manda

Que os nossos devedores não se prendam.

Responde agora tu, por que motivo

160 – Concede o grande chefe que tu prendas

A quantos miseráveis te deverem?

Porque, meu Silverino? Porque largas,

Porque mandas presentes, mais dinheiro.

Porque, por que razão o nosso chefe

Consente que tu faças tanto insulto,

180 – Sendo um touro, que parte ao leve aceno?

Porque, meu Silverino? Porque largas

Porque mandas presentes, mais dinheiro.

A lei do teu contrato não faculta

Que possas aplicar aos teus negócios

185 – Os públicos dinheiros. Tu, com eles,

Pagaste aos teus credores grandes somas!

Quadro 14

 

No primeiro recorte acima, Silverino faz referência a um dos servos do governante. O narrador expõe o que dita a lei do reino e em seguida mostra um dos atos que Fanfarrão promove em troca de presente e dinheiro. Não apenas neste episódio, mas também em outros anteriores e posteriores, Fanfarrão se coloca acima das leis para que possa ter algum benefício desta forma.

No segundo recorte, mostra-se o mesmo funcionário. Desta vez, ele transfere o dinheiro público para quitação de dívidas pessoais, um ato considerado crime. Fanfarrão que disto tem conhecimento, não lhe aplica punição, colaborando com esse ato de corrupção. Como achando nosso governante não suficientes tais desordens, para fingir ao monarca que está administrando bem as cobranças a ele pertencente, envia soldados aos devedores exigindo o pagamento e quanto àqueles que não o podem fazer, manda-os à cadeia.

Versos 202 – 208 (Carta 8ª)

Versos 246 – 257 (Carta 8ª)

Pretende, Doroteu, o nosso chefe

Mostrar um grande zelo nas cobranças

Do imenso cabedal que todo o povo,

205 – Aos cofres do monarca, está devendo.

Envia bons soldados às comarcas,

E manda-lhe que cobrem, ou que metam,

A quantos não pagarem, nas cadeias.

Agora, Fanfarrão, agora falo

Contigo, e só contigo. Por que causa

Ordenas que se faça uma cobrança

Tão rápida e tão forte contra aqueles

250 – Que ao erário só devem tênues somas?

Não tens contratadores, que ao rei devem,

De mil cruzados centos e mais centos?

Uma só quinta parte, que estes dessem,

Não matava, do erário, o grande empenho?

255 – O pobre, porque é pobre, pague tudo,

E o rico, porque é rico, vai pagando

Sem soldados à porta, com sossego!

Quadro 15

 

O segundo recorte é um direcionamento que faz Critilo a Fanfarrão pelo ato seletivo que o mesmo fez, enquanto ao pobre manda soldados cobrarem com urgência e aprisionamentos para aqueles que não o podem pagar, sendo que tais pessoas simples possuem pequenas dívidas; enquanto que os ricos que muito devem, recebem o privilégio de sem nenhum soldado a sua porta, pague quando puder e como o quiser. Segue-se até a conclusão desta carta, outras narrações de desmandos e corrupções.

 

2.7- CARTAS 9 E 10, MAIORES DESORDENS DO SEU GOVERNO

            As cartas seguintes (9ª e 10ª) se dedicam a mostrar do governo de Fanfarrão, as maiores desordens. Na Carta 9, Critilo faz algumas considerações relacionadas às desordens no governo das tropas. O primeiro fragmento mostra uma sátira acusatória referente a um fato, no qual um “indigno soldado” deixa um homem quase morto a punhaladas pelas costas, e o chefe não o pune como deveria. No segundo fragmento mostra-se a venda de cargos, neste quesito, Fanfarrão não elege por experiência ou boa prestação de serviço, mas, como é narrado em versos posteriores, lhe interessa o valor pago pela vaga.

Versos 80 – 90 (Carta 9ª)

Versos 116- 130 (Carta 9ª)

Meu caro Doroteu, o nosso chefe

É muito compassivo, sim, bem pode

Oprimir os paisanos inocentes

Com pesadas cadeias, pode, ainda,

Ver o sangue esguichar das rotas costas

85 – À força dos zorragues, mas não pode

Consentir que se dê, nos seus soldados,

Por maiores insultos que cometam,

A pena inda mais leve: assim praticam

Os famosos guerreiros, que nasceram

90 – Para obrarem, no mundo, empresas grandes.

Tens visto, Doroteu, o como o chefe

Os delitos castigam; agora sabe

Da sorte que reparte, aos bons, os prêmios.

Morreu um capitão, e subiu logo,

120 – Ao posto devoluto, um bom tenente.

Porque foi, Doroteu? seria, acaso,

Por ser tenente antigo? Ou porque tinha

Com honra militado? Não, amigo,

Foi só porque largou três mil cruzados!

125 – Ah! não mudes a cor de teu semblante,

Prudente Maximino! Não, não mudes.

Que importa que comprasses a patente?

Se tu a merecias, a vileza

Da compra não te infama, sim ao chefe,

130 – Que nunca faz justiça, sem que a venda.

Quadro 16

   Entre os versos 193-201, o ato de Fanfarrão surpreende Doroteu, ao ser narrado que o governante manda que a todos os “varões” desde aqueles que ainda se encontram crianças até os mais velhos, se juntem aos soldados. Entre os versos 199-201, é dito que ao ir receber o sacramento batismal, já se utiliza a curta farda (para dizer que já possuem um destino).  Nos versos iniciais da décima carta, de se narram os maiores desmandos deste governo, Critilo inicia fazendo um severo julgamento, caracterizando os atos do governante como “asneiras sobre asneiras”.

Versos 193 – 201 (Carta 9ª)

Versos 15 – 26 (Carta 10ª)

O coronel, valente, agarra tudo

Quanto tem, de varão, a forma e traje;

195 – Nem lhe obsta, Doroteu, que os seus soldados

Meninos inda sejam; que eles crescem,

E cresce, com os corpos, igualmente,

O santo amor das armas. Muitos, muitos,

Quando vão para a igreja receberem

200 – As águas salvadoras do batismo,

Já vão vestidos com a curta farda.

Os mares, Doroteu, jamais descansam;

Agitam sem cessar as verdes águas,

E, depois que levantam ondas nove,

Com menos fortidão, despedem outra,

Que corre mais ligeira e que se quebra

20 – Nos musgosos rochedos com mais força.

Assim o nosso chefe não descansa

De fazer, Doroteu, no seu governo,

Asneiras sobre asneiras e, entre as muitas,

Que menos violentas nos parecem,

25 – Pratica outras que excedem muito e muito

As raias dos humanos desconcertos.

Quadro 17

Cumprindo a junta seu dever de evitar contrabandos, prende trinta delinquentes e os envia para serem castigados. Contudo, Fanfarrão compreende que sem ser comunicado não devia tal órgão tomar tal atitude e decide castigar o condutor que os levou da seguinte forma: deveria manter bem e cuidar dos 30 presos, com médicos, remédios e galinhas. Acabando o dinheiro que recebera, vai falar com Fanfarrão, que o manda procurar forma para deles cuidar apenas.

            Nos versos 127 – 132, vemos a desordem na qual Fanfarrão manda que um corpo de militares que recebera a missão de que conduzem uma carta ao magistrado, se hospedarem na casa de moradores de uma pobre gente. Porém, além de hospedagem, devem dar todos os dias meia oitava de ouro, milho e capim para os cavalos entre outros fatores. Como pode uma gente pobre que mal consegue o que comer, sustentar a tantas exigências diárias um militar?

Versos 47- 55 (Carta 10ª)

Versos 127 – 132 (Carta 10ª)

Entende o nosso chefe que esta Junta

Não devia mandar aos malfeitores

Sem sua autoridade e, dela, toma

50 – O mais estranho, bárbaro despique.

Manda embargar aos presos na cadeia

Do nosso Santiago, e manda ao pobre

Do condutor meirinho que os sustente,

Assistindo, também, aos que enfermarem,

55 – Com médicos, remédios e galinhas.

Não se concede ao pobre que sustente,

Em casa, o seu soldado; manda o chefe

Que a cada um se dê, em cada um dia.

130 – Para sustento, meia oitava de ouro, Fora milho e capim para o cavalo;

E não entrando aqui o régio soldo.

 

Quadro 18

 

2.8- CARTAS 11, 12 E 13, ÚLTIMAS CARTAS

 

            As cartas finais relatam as últimas desordens desse governo. Na 11ª são narrados os métodos maliciosos que teve Fanfarrão para poder controlar o povo em suas vontades.

            Na narração da carta 12, é descrito um episódio de injustiça grave. Acontece em tal narração que Fanfarrão lança na prisão as vitimas e ao malfeitor nada lhe acontece. Entre os versos 191 -208, é exposto a acusação de uma escrava contra Ribério, o mesmo a engana, prende-a por vários dias, dela tem dois filhos entre outros atos; Fanfarrão ao saber de tal assunto, envia soldados, porém, não em favor da vítima e de seu protetor.

            A carta de conclusão, 13ª, sem título, ficou inacabada. Em apenas 29 versos, Critilo comenta sobre o sistema e a perversidade do governo. Porém, após a última carta, há uma epístola a Critilo, obviamente escrita por Doroteu. Nestes escritos, entre vários assuntos há a ratificação do conteúdo das cartas recebidas, alguns comentários sobre marcantes episódios, reflexões, uma certa homenagem pelos escritos recebidos e entre os últimos versos, o trechos que segue, no qual Doroteu comenta sobre o efeito de tais versos para os futuros governantes e durante narrações anteriores, deixa-se claro que Fanfarrão não é um exemplo a ser seguido por outros governadores.

 

Versos 209 – 218 / 223 – 227 (Carta 12ª)

Versos 193 – 199 (Epístola a Critilo)

Agora dirás tu, amigo honrado:

"Agora, agora sim, agora é tempo,

Insolente Ribério, de nós vermos,

Para exemplo dos mais, o teu castigo.

Os soldados já marcham, já te prendem,

Já vens maniatado, já te metem

215 – Na sórdida enxovia, já te encaixam,

No pescoço, a corrente, e vais marchando

Com rosto baixo, a ver Angola ou Índia.”

218 - Devagar, devagar com essas coisas:

223 - Mas não para prenderem a Ribério,

Sim para conduzirem, entre as armas,

225 – Ao pobre Ludovino e à sua serva,

Que já buscando vão à sua casa,

Que dista desta terra muitas léguas.

Este, ó Critilo, o precioso efeito

Dos teus versos será, como em espelho,

195 – Que as cores tomam e que reflete a imagem,

Os ímpios chefes de uma igual conduta

A ele se verão, sendo arguídos

Pela face brilhante da virtude,

Que, nos defeitos de um, castiga a tantos.

Quadro 19

 

3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            Defronte deste trabalho de diagnósticoconcluído, o estudo definiu como objetivo geral uma análise detalhada das cartas que compõem a obra. Tendo seu caráterdirecionado aos acontecimentos históricos de um momento específico, a produção de Gonzaga se sobressai, pois carrega em si enormesatributosda escola literária do arcadismo, juntamente com sua singular relevância para os estudos e pesquisasliterários.

 

REFERÊNCIAS

 

BERTOLINO, Ana Maria. LUZ, Guilherme Amaral. Cartas chilenas: transformações e tensões em versos satíricos as vésperas da inconfidencia mineira. Disponível em: http://www.se er.ufu.br/index.php/horizontecientifico/article/view/17906. Acesso em: 23 Jun. 2020.

BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Ed. Cultrix, 2009

COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. São Paulo: Global Editora, 2004.

GONZAGA, T. A. Obras completas de Tomás Antônio Gonzaga. V. 1. Poesias. Cartas Chilenas. Edição crítica de M. Rodrigues Lapa. Rio de Janeiro: INL, 1957.

MELO E SOUZA, Antônio Cândido. Literatura e Sociedade: Estudos de teoria e história literária. São Paulo: T.A. Queiroz, 2000.

NASCIMENTO, Ana Paula Gomes. Os gêneros epistolar e satírico nas cartas chilenas, atribuídas a Tomás Antônio Gonzaga. Disponível em: http://www.periodicos.ufc.br/entrelace s/article/view/33983/99091. Acesso em: 28 Jun. 2020

PEREIRA, Alan Ricardo Duarte. A relação entre história e literatura:  as cartas chilenas e a sociedade colonial. Disponível em: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/E spacoAcademico/article/vie w/27885. Acesso em: 28 Jun.