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terça-feira, 27 de agosto de 2019

BACURAU, filme pernambucano barbariza e recebe aplausos CALOROSOS E PRÊMIOS.

Assisti à pré-estreia do filme pernambucano Bacurau, com grife de Kleber Mendonça Filho. Numa palavra? PERPLEXO. 




Se todo fascismo imperialista acabasse daquele modo, seria bom. Digo por zombaria que esse filme colocaria Tarantino no chinelo num cruzamento estonteante de referências que nem dá para citar assim, e que vão muito além dos americannófilos. Sônia Braga, Aquino, Udo, Junior Black, enfim: TODA a equipe está de parabéns
Merecido o Prêmio francês. Que venham outros. Excelente fotografia, montagem notável, direção de arte, trilha sonora de mestre. Um filme alegórico que não sapateia no ÓBVIO, traz um Pernambuco audível, visível, com pitadas de humor que não eclipsa o tom crítico. 
Gostei das alfinetadas na região Sudeste. 
A cena da punição moral e física do político corrupto, em público, é notável. Como um todo: vejo em 'Bacurau' uma representação inspiradora do Brasil 2019.

Moisés Monteiro de Melo Neto, cinema São Luiz, Pernambuco, Recife, Brasil


SETEMBRO ALÉM DOS MEDOS por JMB, o famigerado mau velhinho

                                Jomard Muniz de Britto 






Ser sem parecer ou imitar                                                    crianças felizes.                                                            Ensaiando novos desejos                                                      para todos sem exceção. 
        Tentando ultrapassar notas e aplausos.                                       Eles somos NÓS: entre a realidade,                                           os símbolos e as mistificações.                 Melhor saber sem museificar  a metódica escolaridade.                   Brincando com outras paisagens.                               Roteiros abertos aos presentes  e provocadores.                      Ou seria tudo melhor sem os                                                  Neros de bolso e negatividades.  
Recife, setembro/outubro de 2019 


Moisés Neto e JMb com colega no carnaval do Recife

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Era uma vez em Hollywood



Acabei de assistir à nova inconsequência de Tarantino. A vida de Brian é paródia mais consistente. American way of life. Leonardo está bem, mas o personagem de Brad não diz a que veio, parece escada. Resumindo a ópera: 7, passa por média. Al Pacino merecia algo melhor pelo conjunto da obra. Sharon é mostrada como uma fútil e os hippies como idiotas. Os neon zumbis vão amar. No final dá para a plateia rir muito com a matança. Gostam disso? Pois é: Tarantino sempre faz propaganda de armas e é fã de séries antigas. É daí? Resolver na bala e na violência faz parte da indústria de diversões do país dos games. Viva a obra de arte que louva uma existência descartável.

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

ANJOS DE FOGO E GELO Peça de Moisés Monteiro de Melo Neto (Moisés Neto) Recife, abril de 2008.







O escritor e jornalista Raimundo Carrero escreve sobre ANJOS DE FOGO E GELO no SUPLEMENTO CULTURAL DO DIÁRIO OFICIAL do Governo do Estado de Pernambuco (Editado pela CEPE em Setembro de 2008):

Cena da montagem pernambucana d peça de Moisés monteiro de melo Neto sobre o relacionamento de Rimbaud e Verlaine, poeatas franceses do século XIX



SOBRE O AMOR MAGOADO
(O escritor e jornalista Raimundo Carrero escreve sobre ANJOS DE FOGO E GELO no SUPLEMENTO CULTURAL DO DIÁRIO OFICIAL do Governo do Estado de Pernambuco (Editado pela CEPE em Setembro de 2008)

         O que mais importa  na arte: o artista  ou a obra?  A pergunta nem sempre tem resposta segura.  Em  princípio pode-se dizer,  simplesmente, a arte. O  que seria o ideal, claro.  Mas nem sempre é assim.  Há  vidas que superam  o objeto artístico  e se impõem  pela forma,  pela qualidade.  Pela loucura,  talvez.  E há casos em que arte e artista se confundem  tanto, que uma coisa jamais será separada da outra. É o caso das vidas de Rimbaud e Verlaine? Ou seria  mais apropriado  dizer das duas em uma só?
Os dois  se transformaram em  símbolos do amor  gay,  embora cheios de violência, sofrimento e dor. E não somente para eles;  também  para as esposas e,  lógico,  para os parentes e amigos. E é justamente  para refletir sobre essa turbulência que está em  cartaz,  no Teatro Barreto Júnior, a peça “Anjos de fogo e gelo”,  de Moisés Neto.
Um texto exigente  naquilo que  a peça de teatro  tem  de mais significativo: o condicionante  humano no tratamento  do mundo gay.  Algo que provoca sempre divergências profundas e gestos desmesurados. É claro que não é atributo apenas  de pessoas do mesmo sexo. As atribuições estão em todos. Mas, no caso especial dos dois, que também geraram obras de artes extraordinárias, a paixão e a convivência causariam, como  causaram,  muitas inquietações.
Basta lembrar o tiro que Verlaine  deu em Rimbaud,  na Bélgica,  e que por isso teve de pagar pena de prisão. É claro que o tratamento agressivo pode ocorrer entre casais os mais diversos, do mesmo sexo ou não.  Violência não tem particularidade.  O efeito da luta, porém, recebe hábil tratamento no texto do experimentado Moisés Neto, através de referências e alusões.  Até porque um tema que começa a entrar na infalível lista do lugar-comum é  a violência.
A arte contemporânea terá  que superar esse impasse – seria mesmo um impasse? – de tratar o sexo e a violência em todas as manifestações artísticas. Sobretudo no caso do amor entre pessoas do mesmo sexo. É algo que está beirando o óbvio e, por isso mesmo, precisa ser repensado. O sexo ainda causaria, mesmo, estranhamento artístico?  É um elemento artístico de qualidade?  Ou ainda provoca escândalo e,por ser escandaloso,  geraria o fator artístico?  É o caminho?  Uma das questões da contemporaneidade,  em que a violência e o sexo estão terrivelmente presentes, precisa receber outro tratamento, que não seja apenas pela beleza ou pelo escândalo.
No entanto, o que mais se ressalta no texto de Moisés Monteiro de Melo Neto é o equilíbrio cênico, o que também é um atributo do diretor. Dentro de um cenário leve, também com ótimo equilíbrio de luz, pode-se acreditar, sinceramente, naqueles dois seres dilacerados.
[quanto às personagens Vitalie e Mathilde] Trabalhando este lado mais inquietante do drama teatral que, no entanto, não tem nada de teatral – na origem  são (a mãe de Arthur e a esposa de Paul são) duas mulheres que se debatem  entre a dor e o amor.  E nada mais intranqüilo  do que o amor magoado. O amor que se debate entre o choro e o soluço.
 Jornal do Commercio
ARTES CÊNICAS
Ato, do Magiluth, é a zebra do Janeiro
Publicado em 05.02.2009
Peça feita com apenas R$ 3 mil desbancou Rasif e Anjos de fogo e gelo e levou troféu Melhor Espetáculo em cerimônia da Apacepe

Com o ator Bobby Mergulhão como mestre-de-cerimônias e interpretando uma de suas mais famosas personagens, Dona Verinha, a cerimônia de premiação dos melhores do Janeiro de Grandes Espetáculos, na noite da terça, foi um verdadeiro festival de prêmios. Trinta e nove estatuetas foram entregues aos indicados, sendo a mais disputada entregue ao grupo Magiluth, que levou o troféu de melhor espetáculo (eleito pela comissão julgadora) com Ato, desbancando o favoritismo de Rasif e a arrasa-quarteirão Anjos de fogo e gelo. O resultado surpreendeu os integrantes do grupo, uma das revelações do cenário artístico local dos últimos anos. Ato foi realizada com um orçamento baixíssimo (principalmente em relação a Rasif e Anjos..): R$ 3 mil. A peça levou ainda levou o prêmio Melhor Figurino, conquistado por Júlia Fontes.


Jornal do Commercio
Destaques do Janeiro são premiados
Publicado em 03.02.2009

O 15º Janeiro de Grandes Espetáculos entrega hoje o troféu Apacepe de Teatro e Dança para os destaques do festival. A cerimônia, que acontece às 19h, no Teatro de Santa Isabel, é aberta ao público.
As peças indicadas ao prêmio de melhor espetáculo adulto são: Anjos de fogo e gelo, Ato e Rasif. A árvore de Julia, Historinhas de dentro e Outra vez, era uma vez concorrem ao prêmio de melhor espetáculo de teatro infantil. Enquanto que, na categoria dança, Tempo fragmentado e Imagens não explodidas disputam a preferência do júri.

Jornal do Commercio. 1 fev 2009»
ENTREVISTA  A  ATRIZ  DE ANJOS DE FOGO E GELO
 PERSONA/STELLA MARIS
Entre o palco, o jornalismo
Publicado em 01.02.2009
Dentro de uma rotina corrida e estressante, Stella Maris, que há cerca de 20 anos estava afastada dos palcos, encontrou na arte o equilíbrio necessário para enfrentar o dia a dia. Integrando o elenco de Anjos de fogo e gelo, ela planeja para 2009 uma turnê pelas capitais nordestinas. Apaixonada pelo teatro e pelos livros, Stella conta à repórter Manuella Antunes sua trajetória no jornalismo, na vida e no tablado.

JC – Há quanto tempo não fazia teatro?
STELLA MARIS – Voltei para os palcos depois de 20 anos. Nesse meio tempo, fiz duas Paixões de Cristo, mas nenhum espetáculo de temporada no teatro convencional.
JC – Qual o motivo de ter parado?
STELLA MARIS – Na época, houve uma mudança no cenário local, pois fazer teatro é caro e difícil. Aliado a isso, minha vida como jornalista engolia meu tempo. Todo ano eu dizia que voltaria a atuar, mas não conseguia.
JC – E qual o motivo da retomada?
STELLA MARIS – Faltou equilíbrio na minha vida. O jornalismo é comunicação acima de tudo. E o teatro é a criação e estava em falta com o exercício criativo, ficou difícil até respirar. Tinha que voltar, surgiu o convite para Anjos de fogo e gelo e aceitei na hora.
JC – Como você descreve sua relação com o teatro?
STELLA MARIS – Depois de nove espetáculos e duas Paixões de Cristo, posso dizer que, antes de tudo, sou uma apaixonada pelo teatro.
JC – Qual desses espetáculos é a menina dos seus olhos?
STELLA MARIS – Os fuzis da Senhora Carrar. Foi uma montagem belíssima onde, com 18 anos, interpretei uma mulher de 40. Era época de ditadura no Brasil e a peça pôde, com metafóras, discutir o regime.
JC – Professora, jornalista e atriz. Como administra tudo?
STELLA MARIS – Trouxe a rotina da televisão para minha vida. Priorizo o que é mais importante e faço cada minuto render o máximo.
JC – Quando consegue parar, o que gosta de fazer?
STELLA MARIS – Sou apaixonada por literatura. Perto da cama, tenho um pilha de livros e, sempre que tenho tempo, pego um deles. Ler é a primeira coisa que faço quando acordo, antes do dia começar.
JC – E o teatro em 2009?
STELLA MARIS – Começaremos uma turnê que, inicialmente, passará pelas principais capitais do Nordeste.J








Renato Filho/Divulgação
Folha de Pernambuco.  30/01/2009
Janeiro de Grandes Espetáculos se despede
“Anjos de Fogo e Gelo” está na programação de encerramento
“Anjos de Fogo e Gelo”, hoje, no Santa Isabel

 
Foram três semanas intensas para organizadores, técnicos, júri, diretores e atores. E público, claro, parte fundamental para a manutenção e desenvolvimento do Janeiro de Grandes Espetáculos, cuja 15ª edição encerra nesse fim de semana. Hoje, no Santa Isabel, a ousada história de amor dos poetas Arthur Rimbaud e Paul Verlaine ganha o palco com “Anjos de Fogo e Gelo”.
O espetáculo coloca em cena momentos decisivos da vida dos dois poetas; a crise do casamento de Verlaine, a incompreensão da mãe de Rimbaud com relacionamento. A apresentação é às 21h. Já no Teatro Apolo, às 19h, Ivaldo Mendonça em Grupo apresenta “Tempo Fragmento”, espetáculo de dança contemporânea.
Amanhã, último dia da maratona, é dia de rever “Rasif - Mar Que Arrebenta”, do Coletivo Angu de Teatro. Baseada no livro homônimo de Marcelino Freire, a peça traduz em linguagem cênica doze contos que revelam as fissuras do tecido social brasileiro contemporâneo. Personagens obscuros se cruzam com figuras cômicas para traduzir emoções e dissabores.“Rasif” está no Teatro Hermilo Borba Filho, às 19h.
Também no sábado o publico vai poder assistir de novo “As Andanças do Divino”(às 21h, no Santa Isabel), do Balé Popular do Recife. O espetáculo celebra os 30 anos da companhia, completados ano passado, unindo teatro e dança em cima da história de um mamulengueiro que sai do Sertão rumo ao litoral. E fechando a programação infantil, “Historinhas de Dentro” (às 16h30, no Barreto Junior), do Grupo de Teatro Quadro de Cena, narra a trajetória de uma menina que descobre, numa viagem ao interior do seu corpo, um grande circo. Os ingressos para os espetáculos no Santa Isabel custam R$ 15 e R$ 7,50. Demais teatros, R$ 10 e R$ 5.



FOLHA DE PERNAMBUCO. CADERNO PROGRAMA. PÁGINA  5 EM 04/11/2008.
Teatro nordestino pede parada em São Paulo
A
programação é variada, e vai até o dia 3 de dezembro.

                                                                                    Talles Colatino


Não soa estranho que São Paulo seja a maior cidade nordestina do País. E para exercer uma proximidade ainda maior entre a região e a metrópole, tem início hoje, lá na terra do céu cinza, a Mostra Paulista do Teatro Nordestino. Até o dia 3 de dezembro, uma série de atividades gratuitas relacionadas à produção teatral da região ocupa o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e o Centro Cultural São Paulo (CCSP), incluindo peças, leituras dramáticas e demonstrações de trabalho. A mostra também recebe a 6ª Semana do Teatro Nordestino, reunindo dramaturgos de São Paulo e do Nordeste em mesas de debates e lançamentos de livros.
O fato de abrir as portas de dois dos mais importantes centros culturais do País (o CCBB e o CCSP) à Dramaturgia Nordestina é um ato de reconhecimento do valor de autores e de criadores cênicos, abundantes nessa região, que tornam o Brasil um dos lugares do planeta onde o teatro está mais vivo do que nunca. Se o evento conseguir abrir um pouco mais o diálogo entre Nordeste e Sudeste, em meio às luzes e às sombras da cena, terá cumprido importante papel”, afirma Sebastião Milaré, curador da Mostra.
As quatro montagens selecionadas para se apresentar no evento homenageiam o pesquisador e dramaturgo alagoano Altimar Pimentel, falecido esse ano. Pimentel é autor de “A Construção”, uma das peças emblemáticas do final dos anos 60, encenada em 1969, pelo Grupo A Comuna,  de Amir Haddad, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. De autoria do dramaturgo, a mostra traz ao palco “Como Nasce um Cabra da Peste”, com a companhia paraibana Agitada Gang.
Pernambuco vai representado pela companhia Arte-em-Cena, com seu já clássico “Deus Danado”. “Lesados” (CE) e Sinhá Flor (PB) completam o time de espetáculos.
SEMANA
Como parte da programação da Mostra, pela primeira vez São Paulo é palco da Semana do Teatro Nordestino, evento que acontece anualmente em Natal (RN) desde 2003, por iniciativa da Associação dos Dramaturgos do Nordeste. A programação da Semana inclui lançamento de livros e palestras com dramaturgos nordestinos e paulistas. “A idéia principal foi dar acesso aos criadores cênicos paulistas, aos estudiosos e ao público interessado de São Paulo a obras dramatúrgicas produzidas no Nordeste. Essa idéia ia ao encontro da proposta básica da Associação de Dramaturgos do Nordeste, que é difundir essa produção dramatúrgica”, conta Sebastião Milaré, mediador das mesas.
Para as palestras, os dramaturgos convidados são: Cleise Furtado Mendes (BA); Oswald Barroso, José Maria Mapurunga, Rafael Martins, Yuri Yamamoto (CE); Tácito Borralho (MA); Eliézer Rolim, Elpídio Navarro, Paulo Vieira, Celly Albuquerque (PB); João Denys(autor de “Deus Danado”), Moisés Neto (autor de “Anjos de Fogo e Gelo”), Romildo Moreira (PE); Ací Campelo (PI); Racine Santos, Paulo Dumaresq (RN); Lindolfo Amaral (SE); Luis Alberto de Abreu, Márcio Aurélio e Newton Moreno (SP). Lá, toda a programação é gratuita.


» BARRETO JÚNIOR
Anjos de fogo e gelo em DVD
Publicado
em 31.10.2008
A apresentação de Anjos de fogo e gelo de amanhã tem sabor especial. A peça, que traz o polêmico relacionamento entre os poetas Rimbaud e Verlaine, foi gravada em um DVD que é lançado amanhã. Com cinqüenta e cinco minutos de duração e legendas em francês e inglês, o material traz depoimentos do elenco e do diretor da peça, José Francisco. O plano de direção e os desafios enfrentados pela produção para montagem do espetáculo são comentados ali. A peça está em cartaz no Teatro Barreto Júnior, sábados e domingos às 20h.

ANJOS DE FOGO E DE GELO

Saturday, October 11, 2008

O CICLISTA vai ao teatro


O ator Rogério Bravo, mui generosamente, me franqueou entradas para o espetáculo ANJOS DE FOGO E GELO. Confesso que temi – não pelo Rogério, que é um ator sensível e competente, mas pela onda (eterna, meu Deus!) de “travestismo” que ocupa os palcos recifenses; ando tão cansado do exagero, de atores berrando abobrinhas...

Mas encontrei um elenco afinado, uma luz que funciona, marcações perfeitas, um figurino impecável – destaque para Rogério Bravo, que dá conta de um personagem difícil, e a atuação poderosa de Stella Maris Saldanha – que sequer aparece no cartaz - a todo momento roubando a cena – sua mão, delicadamente dobrando o vestido ao descer do palco, é a mão de uma mulher do século XIX. “Deus está no detalhe”, reza o ditado alemão. A atuação dos grandes atores, também.

Vão ver o quanto antes, porque o teatro, meus queridos, é fugaz como a vida e não está para os indecisos.
Walther Moreira Santos

 

 

Sábado, 13 de Setembro de 2008

ANGES DE FLAMME ET DE GLACE - Pièce de théâtre

"[...] L'arrivée de Rimbaud en enfer".

"Rimbaud : La lune blanche luit dans le bois. De chaque branche part une voix sous la ramée… Ô bien-aimée ! L’étang reflète, profond miroir, la silhouette du saule noir où le vent pleure… Rêvons, c’est l’heure. Un vaste et tendre apaisement semble descendre du firmament que l’astre irise…"

Verlaine: Pâle étoile du matin, tourne devers le poète [...]".*



Sempre foi dito que tanto ao dramaturgo quanto ao poeta se deve consentir liberdade de espírito e de texto e Moisés Neto, autor da peça Anjos de Fogo e Gelo, usou e abusou dessa liberdade.
A fala inicial, transcrita acima, é um trecho do magistral “La Lune Blanche”, do poema “La Bonne Chanson”, de Paul Verlaine, colocado na boca de Arthur Rimbaud, no que o autor imaginou ser o momento da chegada do poeta ao inferno e com o qual inicia a descrição de parte da vida e da obra de Rimbaud, ambas patrimônios da humanidade. No dia 30 de agosto passado fui ao Recife, entre outras coisas para assistir, como convidado, à estréia da peça referida acima e, confesso, não me arrependi. Revi amigos que não encontrava há muito tempo, refleti, debaixo de uma árvore do fruta-pão toda florida, a respeito dos Rimbauds, Verlaines, Mathildes e Vitalies existentes em cada um de nós e fiquei feliz com o que o diretor de “Anjos de Fogo e Gelo”, o consagrado José Francisco Filho, conseguiu fazer com o bizarro texto colocado em suas mãos. Trabalho muito difícil, tenho a certeza.

O texto, como podem deduzir da abertura, é um coletânea não só de poemas de Rimbaud, mas também de alguns de Verlaine, juntamente com uma descrição livre, feita pelo autor, de fatos da vida dos dois, inseridos para facilitar a compreensão dos assistentes. Os poemas também foram livremente adaptados à prosa, tentando tornar o texto mais perceptível.
Se o resultado está sendo conseguido, deixo a resposta ao público e à crítica.

O diretor, esse sim, deve ter feito das “tripas coração” para prender a platéia - como de fato prende - durante a quase uma hora de duração da peça, já que Rimbaud, o poeta, é denso e Arthur, o homem, complexo demais, para serem - poeta e homem - facilmente compreendidos pelo público do meu querido Recife, nem sempre aberto à poesia, ao teatro ou a comportamentos humanos. De minha parte, ainda que não sendo crítico teatral, captei uma certa insegurança dos protagonistas masculinos, bastante natural em estréias impactantes, talvez fruto do natural receio da reação que o texto e as marcas poderiam gerar nos assistentes. Receio desnecessário, ao menos naquela estréia. Considero um dos destaques da peça - não sei se fruto do texto criado pelo autor, se do trabalho do diretor - a força das duas mulheres presentes no palco: Vitalie, mãe de Arthur Rimbaud e Mathilde, mulher de Paul Verlaine, que conseguem ser protagonistas de uma narrativa na qual seriam coadjuvantes. Mathilde, numa excelente interpretação de Stela Maris Saldanha, conduz linearmente todo o texto, tornando-se no elo de ligação entre as narrativas. Graças à atriz, o texto ficou bem mais fácil para os leigos. Vitalie, também muito bem interpretada, transforma em momentos de comicidade a dispensável maldade que lhe tentaram atribuir. Discordo, data venia, de quem pensou mostrar Vitalie Rimbaud como um mulher amarga, ambiciosa e cruel na relação com o filho.
Vitalie era uma mulher da burguesia rural do interior da França na época de Napoleão III, no rígido século XIX, e o filho era um gênio, que poderia ter nascido em qualquer lugar ou em qualquer época. Impossível, portanto, para uma mulher comum como Vitalie, entender as idiossincrasias de Arthur sem as criticar, aceitar e conviver com os seus atos sem se magoar, sem os recriminar. Daí, porém, a ser uma mãe sem amor, só interessada, anos mais tarde, nos lucros nascentes de Le bateau Ivre e dos demais poemas, eu não concordo. Ainda bem que Ivonete Melo conseguiu minimizar (mostrando ingenuidade) a suposta ambição de Vitalie Rimbaud. A música (muitíssimo bem escolhida) e a iluminação completam o texto e a direção. Parabéns ao autor, ao diretor, aos quatro atores e a toda a equipe, que estão levando ao Recife um momento mágico da vida de pessoas mágicas, em um espetáculo que poderá alçar vôos ainda mais altos.

Aos que estejam no Recife e leiam esta postagem, sugiro que vão ao teatro Barreto Júnior e apreciem o espetáculo, pois vale a pena sim senhor.
Por puro diletantismo, para matar o tempo, resolvi colocar na língua mãe dos quatro personagens o texto de Moisés Neto, tarefa difícil devido ao "melting pot textual" que ele é, mas tenho me distraído bastante e o “trabalho” contribuído para que possa melhor conhecer a obra dos dois poetas. O título em francês - Anges de Flamme et de Glace - não é meu, mas emprestado de Arthur Rimbaud, mesmo assim, por se tratar da versão em outro idioma de uma obra teatral, é bom estar registrado (na versão em francês, é claro), para evitar constrangimentos ulteriores.
____________
 Captado  em 5-out-2008
http://lugardosouto1.blogspot.com/2008/09/anges-de-flamme-et-de-glace-rimbaud.html


Professora de Jornalismo estréia peça no Teatro Barreto Júnior
Por Lucélia Brito




Poetas e amantes, Paul Verlaine e Arthur Rimbaud estão tendo suas vidas encenadas em Anjos de fogo e gelo. A peça estreou sábado (30), às 20h, no Teatro Barreto Júnior, e conta com a participação da professora do curso de Jornalismo da Católica Stella Maris Saldanha, no papel de Mathilde, esposa de Verlaine. A direção do espetáculo é de José Francisco Filho, ex-integrante do Teatro da Universidade Católica de Pernambuco (Tucap).
Na fase liderada por José Francisco Filho e Carlos Borba, entre 1973 e 1975, o Tucap se tornou um dos melhores grupos de teatro amador de Pernambuco, conquistando mais de 30 prêmios. Durante a sua trajetória no grupo, que durou até 1984, José Francisco Filho dirigiu as montagens Torturas de um coração (1972), A revolta dos brinquedos (1972), Prometeu acorrentado (1973), Os escolhidos (1974), A barca d’ajuda (1975) e A farsa do Mestre Pathelin (1984).
O retorno aos palcos da professora Stella Maris também era aguardado com expectativa.“Volto para o teatro depois de muitos anos de ausência. Nesse intervalo, que começou no final dos anos 80, interpretei Maria por duas vezes na Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, mas não atuei por nenhuma temporada maior”, contou Stella Maris.
O espetáculo Anjos de fogo e gelo retrata o período no qual Verlaine, poeta já renomado, convida Rimbaud para morar com ele e sua mulher, Mathilde. A peça mostra momentos decisivos da vida dos dois poetas, a partir da cumplicidade e da paixão entre eles. A crise no casamento de Verlaine, a incompreensão da mãe de Rimbaud e reprovação da sociedade francesa diante do amor entre os poetas são alguns dos temas abordados. 
Dono de uma poesia lírica e singular, Paul Verlaine se casou com Mathilde Mauté de Fleurville numa tentativa de acomodar-se a uma vida familiar. Mas tudo mudou quando o poeta conheceu Jean-Nicolas-Arthur Rimbaud, jovem que o fascinava e se tornou seu amante. Rimbaud começou a escrever poemas quando tinha apenas 12 anos e aos 19 deu por encerrada sua obra literária. Precoce e cheio de inquietações, o poeta desenvolveu uma obra incomum, densa e delicada. Admirador de Verlaine, em 1871 Rimbaud escreveu sua primeira carta para aquele que seria seu maior companheiro.
A união dos poetas causou uma mágoa profunda em Mathilde, a esposa traída, levando Verlaine a se afastar de Rimbaud. Hostilizados pelo meio intelectual francês, Verlaine e Rimbaud se aventuraram pela Europa, numa viagem na qual escreveram poemas que modificaram para sempre a poesia ocidental. De volta ao continente europeu, Verlaine
trabalhou em "Romances sem Palavras", enquanto Rimbaud publicou "Uma temporada no inferno". Depois de várias rupturas e reconciliações, em 1873, Verlaine deu um tiro de pistola em Rimbaud, em Bruxelas.
A montagem Anjos de fogo e gelo tem texto de Moisés Neto e atuações de George Meireles, Roger Bravo, Stella Maris Saldanha e Ivonete Melo. O espetáculo fica em cartaz no Teatro Barreto Júnior até o dia 16 de novembro, aos sábados e domingos, sempre às 20h.


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Em busca do tom
Escrito por  Alexandre Figueirôa   
O espetáculo Anjos de fogo e gelo não chega a ser a redenção de uma cena na qual as comédias de gosto duvidoso dão o tom, mas nos faz ver que nem tudo está perdido

Um espetáculo para marcar múltiplos retornos. Assim é Anjos de fogo e gelo, peça em cartaz até novembro no Teatro Barreto Júnior.  Ela assinala a reabertura, devidamente reformada, de uma das poucas salas municipais exclusivas para as artes cênicas no Recife. Traz de volta, também, um encenador – José Francisco –, que andava afastado dos palcos; uma atriz – Stella Maris Saldanha –, cuja carreira ficou adormecida pela necessidade de enfrentar a ribalta do jornalismo; um autor – Moisés Neto –,  que afirma ter voltado à adolescência de leitor voraz de poemas de Rimbaud; e, ainda, um tema, cuja mística enfeitiça o Ocidente e já inspirou outras tantas peças, filmes e livros: a turbulenta relação entre os poetas Arthur Rimbaud e Paul Verlaine, no final do século 19, na França.


Numa cidade onde as comédias de gosto duvidoso dão o tom, não deixa de ser animador ver mais um grupo de pessoas se debruçar sobre um projeto teatral que tenta escapar das fórmulas previsíveis do humor fácil e afirmar: o teatro pernambucano permanece vivo. Por isso acho ser obrigação da crítica não baixar a voz e, mais uma vez, buscar estabelecer um diálogo sereno e propositivo com esta cena que resiste. Na troca de impressões, talvez consigamos recuperar um espaço que, infelizmente, vem sendo ocupado, cada vez mais, pelas manifestações artísticas massivas onde qualidade e apuro estético pouco importam.
Isto não significa que Anjos de fogo e gelo consiga ser a redenção de tantos conflitos, mas nos faz ver que nem tudo está perdido.  Em primeiro lugar, é preciso ressaltar o cuidado da produção, equilibrando os recursos materiais disponíveis a partir de uma coerente articulação entre a proposta de encenação e os elementos cenográficos. No figurino, predominam as cores marrom e bege e, junto com a iluminação, em tom amarelo cobre, temos a impressão de que folheamos as páginas envelhecidas de um livro esquecido na estante. As plataformas por onde circulam os atores, com degraus decorados com sinais de escrita, também conseguem dar unidade ao drama que se desenrola diante do espectador e funcionam de forma precisa como elementos para definição do jogo dramático proposto.


Alex Alencar, na sua coluna do JC, Caderno C
Publicado em 26.09.2008:
Não diria que o relacionamento homo tornou-se algo absolutamente natural. Pela evolução no mundo, pelas propostas das novas religiões, bem poderosas, ou de novas maneiras de acreditar e ter fé num Deus. As várias igrejas que partem de um país e vão atravessando pacificamente outras fronteiras mudaram as idéias e posicionamentos. A liberdade e os novos direitos que surgiram permitiram que atrizes famosas, ou pessoas com elevado nível social e financeiro, até militares tomaram a decisão de posar para fotos de jornais confessando que são do mesmo sexo mas que se amam. Atitude forte. Claro que muitos não aceitam, mas que fiquem apenas com seu direito. Não persigam, não matem nem maltratem aqueles que fizeram a opção. Tenho um DVD que narra o relacionamento amoroso de dois dos maiores poetas franceses em toda história da literatura francesa, são Arthur Rimbaud e Paul Verlaine. No filme quem interpretou Rimbaud foi Leonardo De Caprio, que vem se revelando bom ator, o Verlaine teve como intérprete um ator francês. Não vou comentar o filme. Mas a história amorosa e dramática dos dois poetas está sendo representada no teatro Barreto Júnior aos sábados e domingos com o título de Anjos de fogo e gelo, dirigido por José Francisco. Tenho ouvido muitos depoimentos sobre a peça. Vera Brandão achou colossal, e tem bom gosto. O tema é insólito, mas deve ser visto.




O escritor e jornalista Raimundo Carrero escreve sobre ANJOS DE FOGO E GELO no SUPLEMENTO CULTURAL DO DIÁRIO OFICIAL do Governo do Estado de Pernambuco (Editado pela CEPE em Setembro de 2008):


SOBRE O AMOR MAGOADO

            O que mais importa  na arte: o artista  ou a obra?  A pergunta nem sempre tem resposta segura.  Em  princípio pode-se dizer,  simplesmente, a arte. O  que seria o ideal, claro.  Mas nem sempre é assim.  Há  vidas que superam  o objeto artístico  e se impõem  pela forma,  pela qualidade.  Pela loucura,  talvez.  E há casos em que arte e artista se confundem  tanto, que uma coisa jamais será separada da outra. É o caso das vidas de Rimbaud e Verlaine? Ou seria  mais apropriado  dizer das duas em uma só?
Os dois  se transformaram em  símbolos do amor  gay,  embora cheios de violência, sofrimento e dor. E não somente para eles;  também  para as esposas e,  lógico,  para os parentes e amigos. E é justamente  para refletir sobre essa turbulência que está em  cartaz,  no Teatro Barreto Júnior, a peça “Anjos de fogo e gelo”,  de Moisés Neto,  som e direção de José Francisco.  Um espetáculo  difícil,  que exige o máximo do elenco,  sobretudo de George Meireles  e Roger  Bravo.
Além da natural e óbvia responsabilidade de encarnarem personagens-símbolos de toda uma geração e de toda uma época, enfrentam  um texto exigente  naquilo que  a peça de teatro  tem  de mais significativo: o condicionante  humano no tratamento  do mundo gay.  Algo que provoca sempre divergências profundas e gestos desmesurados. É claro que não é atributo apenas  de pessoas do mesmo sexo. As atribuições estão em todos. Mas, no caso especial dos dois, que também geraram  obras de artes extraordinárias, a paixão e a convivência causariam, como  causaram,  muitas inquietações.
Basta lembrar o tiro que Verlaine  deu em Rimbaud,  na Bélgica,  e que por isso TVE de pagar pena de prisão. É claro que o tratamento agressivo pode ocorrer entre casais os mais diversos, do mesmo sexo ou não.  Violência não tem particularidade.  O efeito da luta, porém, recebe hábil tratamento no texto do experimentado Moisés Neto, através de referências e alusões.  Até porque um tema que começa a entrar na infalível lista do lugar-comum é  a violência.
A direção da peça não conseguiu evitar outro lugar-comum da arte contemporânea:   as cenas de sexo. A arte contemporânea terá  que superar esse impasse – seria mesmo um impasse? – de tratar o sexo e a violência em todas as manifestações artísticas. Sobretudo no caso do amor entre pessoas do mesmo sexo. É algo que está beirando o óbvio e, por isso mesmo, precisa ser repensado. O sexo ainda causaria, mesmo, estranhamento artístico?  É um elemento artístico de qualidade?  Ou ainda provoca escândalo e,por ser escandaloso,  geraria o fator artístico?  É o caminho?  Uma das questões da contemporaneidade,  em que a violência e o sexo estão terrivelmente presentes, precisa receber outro tratamento, que não seja apenas pela beleza ou pelo escândalo.
No entanto, o que mais se ressalta no texto de Moisés Neto é o equilíbrio cênico, o que também é um atributo do diretor. Dentro de um cenário leve, também com ótimo equilíbrio de luz, pode-se acreditar, sinceramente, naqueles dois seres dilacerados, na pele de George Meireles e Roger Bravo,  sem esquecer as duas  atrizes Stella Maris e Ivonete Melo. As duas, aliás, fazia tempo que não pisavam  no palco. E estão ótimas.  Seguras, firmes. Trabalhando este lado mais inquietante do drama teatral que, no entanto, não tem nada de teatral – na origem  são duas mulheres que se debatem  entre a dor e o amor.  E nada mais intranqüilo  do que o amor magoado. O amor que se debate entre o choro e o soluço.



JORNAL DO COMMERCIO:
Anjos e fogo e gelo grava DVD no Barreto
Publicado no CADERNO C  em 19.09.2008
Iniciando a quarta semana de exibição, Anjos de fogo e gelo, peça que mostra o conturbado relacionamento entre os poetas franceses Rimbaud e Verlaine, será gravada em DVD amanhã, às 20h, no Teatro Barreto Júnior. Quatro câmeras captarão as imagens e microfones direcionais serão instalados nas coxias do teatro garantindo a qualidade do som. O DVD será legendado em inglês e francês. O material será usado também para divulgar o espetáculo nos principais festivais cênicos do País. Com texto de Moisés Neto e direção de José Francisco Filho, a peça traz George Meireles (Verlaine), Roger Bravo (Rimbaud) Stella Maris Saldanha (Mathilde) e Ivonete Melo (Vitalie). O ingresso custa R$ 20, inteira, e R$ 10 (estudante).


JORNAL DO COMMERCIO
Coluna social  DIA-A-DIA. Segunda-feira, 01/09/08:
Estréia de sucesso: Arrebentou a estréia da peça Anjos de fogo e gelo, no Barreto Júnior, sábado. O teatro teve lotação esgotada, com direito a muitos conhecidos na platéia. Por lá: Turíbio e Zezinho Santos, Carlos Trevi, Paula Ribeiro... que gravaram depoimentos sobre a peça. Detalhe: para o espetáculo de ontem, mais de 100 ingressos já haviam sido vendidos até a noite de sábado.



Publicado no DIÁRIO DE PERNAMBUCO
Em 01.09.08

Rimbaud e Verlaine:
Anjos de fogo e gelo estréia com teatro lotado

Tatiana Meira // Diario
tmeira@diariodepernambuco.com.br


Para o diretor José Francisco Filho, fazer teatro é como andar de bicicleta. Você pode passar anos sem ter contato com o palco, mas quando decide retornar, esta volta transcorre naturalmente. A julgar pela interpretação do elenco de Anjos de fogo e gelo, que fez sua estréia neste final de semana, no Teatro Barreto Júnior, o diretor tem razão. Quatro atores estão em cena - Roger Bravo, George Meireles, Stella Maris Saldanha e Ivonete Melo.Os três últimos não encaravam os espectadores numa peça adulta há anos e defenderam com dignidade seus papéis.

Apesar da atuação correta e da produção impecável, a história do amor conturbado entre os poetas Paul Verlaine (George Meireles) e Arthur Rimbaud (Roger Bravo), em plena Europa do século 19, carece de mais emoção. Não sei se esta impressão persiste por estarmos acostumados a textos mais lineares. A peça inova e coloca os personagens mergulhados em seu próprio fluxo de consciência. Da acolhida de Rimbaud pelafamília de Verlaine, ao fim do casamento entre este e a aristocrata Mathilde, ou a passagem de Rimbaud pela África, somos apresentados a situações-limite, e há instantes, como na primeira cena, em que a poesia se confunde com os diálogos.

O texto, de autoria de Moisés Neto, também evita o caminho mais fácil ao apenas pincelar os fatos mais conhecidos do relacionamento tempestuoso dos poetas. Os dois tiros que Verlaine deu em Rimbaud, e que o levaram a ficar um ano e meio numa prisão da Bélgica, são apenas citados, ficando tudo nas entrelinhas.

A questão da homossexualidade também poderia ser tratada com menos pudores. Na segunda cena da peça, quando Verlaine e Rimbaud ficam nus e fazem sexo, o palco fica quase na penumbra. Eles atingem o clímax e, instantes depois, já estão discutindo novamente, como se nada de importante tivesse acontecido. Verlaine corre para vestir a roupa de baixo, como se ficasse envergonhado do próprio corpo. Nota dez para os figurinos e adereços de época criados por Aníbal Santiago e para o cenário de Marcondes Lima, com várias escadarias e plataformas de madeira por onde o quarteto se movimenta.

Extremamente pontuais em relação ao teatro local, que costuma atrasar em até meia hora o início de uma peça, Anjos de fogo e gelo começou às 20h05 do último sábado. A platéia do Barreto Júnior estava abarrotada de gente e quem chegou por último precisou se acomodar nos corredores laterais, ficando em pé, enconstado nas paredes. Ao contrário de outras ocasiões, porém, o elenco não agradeceu formalmente à presença do público, nem aproveitou a oportunidade para explicar até quando ficariam em cartaz. Apenas Roger Bravo e Ivonete Melo se abraçaram ao final do espetáculo, talvez pela tensão da estréia.

Em seguida, as luzes do palco se apagaram e o público começou a deixar a sala. A platéia, aliás, continua mal-educada: os celulares tocaram repetidas vezes durante a encenação. Quem comparecer à temporada, que continua até meados de novembro, aos sábados e domingos, às 20h, pode adquirir o programa da peça junto com um brinde - um CD com poesias de Rimbaud e Verlaine- por R$ 5.




 ESTRÉIA: Poesia e erotismo em lavagem de roupa suja
Publicado no JORNAL DO COMMERCIO em 01.09.2008
Marcos Toledo
mtoledo@jc.com.br
O público recifense lotou o recém-reaberto Teatro Barreto Júnior, no Pina, anteontem, para conferir a estréia de Anjos de fogo e gelo, espetáculo dirigido por José Francisco a partir de texto de Moisés Neto. Apesar do zunzunzum gerado pela polêmica em torno do tema, a relação amorosa entre os poetas franceses Rimbaud e Verlaine, a peça, com menos de uma hora de duração, contém apenas uma seqüência de erotismo (a programação visual do material de divulgação pode gerar expectativa) e foca mais na tensão do triângulo amoroso formado pelo par central e a esposa de Verlaine, Mathilde.
Mesmo quando não há figurino em cena, Anjos de fogo e gelo é uma grande lavagem de roupa suja entre os personagens supracitados e a mãe de Rimbaud, Vitalie. Bem-escolhidos, os atores encarnam bem os papéis aos quais foram destinados: Roger Bravo, na pele do jovem, arrogante e desmedido Rimbaud, George Meireles, como o inseguro Verlaine, Stela Maris encarnando a preterida e rancorosa Mathilde, e Ivonete Melo como a mãe amargurada Vitalie, responsável por algumas das falas mais engraçadas da peça.
Apesar da tensão da estréia, e até pela larga experiência dos profissionais envolvidos, o espetáculo se saiu bem em sua primeira apresentação. O texto, porém, tem uma particularidade: mescla momentos históricos de uma maneira paradidática, mas necessária, com citações poéticas e diálogos de conflito dos personagens. Há contudo, um certo desequilíbrio entre os momentos de mágoa – mais fortes –, os românticos e os líricos.
Em um cenário bem bolado, que segue uma tendência prática e funcional, o elenco destila os dilemas dos personagens se movimentando de forma bem coreografada que deixa o trabalho mais dinâmico. A boa trilha sonora e o belo figurino de época completam os pontos fortes da peça que, tecnicamente, coloca-se acima da média da produção local.



DIÁRIO DE PERNAMBUCO
Quinta-feira- 28.08.08

O amor conturbado de Rimbaud e Verlaine
por Tatiana Meira


Estréia // Anjos de fogo e gelo inicia temporada sábado no Teatro Barreto Júnior e quebra o jejum dos atores George Meireles, Stella Maris Saldanha e Ivonete Melo, que estavam distantes dos palcos
Tatiana Meira // Diário: tmeira@diariodepernambuco.com.br

Quando assistiu à montagem carioca Pólvora e poesia, sobre o relacionamento tempestuoso entre os poetas Paul Verlaine e Arthur Rimbaud, George Meireles gostou do resultado, mas sentiu falta de um enfoque maior na obra dos artistas cujo romance conturbado movimentou os cafés parisienses no final do século 19. A vontade de interpretar este drama amoroso que gerou polêmica acabou tornando irrecusável o convite feito ao ator - há uma década longe da ribalta - pelo diretor José Francisco Filho e pelo escritor Moisés Neto, autor do texto original de Anjos de fogo e gelo. A estréia do espetáculo será neste sábado, no Teatro Barreto Júnior, no Pina, com temporada até 16 de novembro, sempre aos sábados e domingos, às 20h. "A poesia é a forma do texto, que assume um formato diferente, o que me instigou muito", destaca George.

Foto: Renato Filho/Divulgação
Com uma trama enxuta, de 55 minutos, Anjos de fogo e gelo relata a história dos dois poetas, vividos por George Meireles (que faz Verlaine em dois momentos, aos 27 e aos 60 anos) e Roger Bravo (Rimbaud), etambém marca a volta à cena das atrizes Stella Maris Saldanha (a aristocrata Mathilde Mauté de Fleurville, que viu seu casamento de dois anos com Verlaine ser esfacelado quando ele se interessou por Rimbaud) e Ivonete Melo (na pele de Vitalie, a mãe de Rimbaud). "O quinto ator é a luz, que faz com que o público se reporte aos atores e aos planos e escadarias onde se realiza a ação", diz o diretor José Francisco Filho.

Ele explica que os cenários de tom expressionista criados por Marcondes Lima contrastam com os figurinos rebuscados de época pensados por Aníbal Santiago, numa reconstituição rigorosa da indumentária do final do século 19. A trilha sonora erudita proposta por Fernando Lobo, a maquiagem de Henrique Melo e a direção de arte de Renato Filho também ajudam a dar o tom naturalista da montagem, onde os atores foram orientados a economizar nos gestos e na voz e a focar a interpretação nas expressões faciais. "Todo o trabalho é fruto de muita pesquisa, do cuidado com os fatos históricos, para conseguir passar ao público a vida e a obra de Verlaine e Rimbaud", pontua o diretor.

Stella Maris Saldanha está muito emocionada com este retorno aos palcos. "Tenho uma relação muito visceral com o teatro, mas estava sem atuar desde o final da década de 1980, embora tenha participado duas vezes da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém", recorda Stella. Para ela, Mathilde tem um papel estratégico no triângulo amoroso que acaba formando com Verlaine e Rimbaud, experimentando um processo de muito sofrimento. "Ela fica amargurada, magoada, pois é surpreendida por esta relação tempestuosa, até que a dor fica insuportável", explica. A atriz afirma que também está feliz por perceber um "burburinho", uma chama que se acende novamente na cena teatral pernambucana. "Já fomos a terceira capital em produção teatral no país, atrás apenas do Rio e de São Paulo. Temos um movimento muito generoso na música e no cinema, mas no teatro esta palidez ainda está se desfazendo".

Na opinião de Roger Bravo, os oito meses transcorridos entre a leitura do texto e os ensaios vêm sendo bastante intensos. "É um mergulho no desconhecido, uma experiência libertadora, sem fórmulas a seguir", diz Roger, que fica praticamente o tempo todo em cena como Rimbaud, o que exige um alto nível de concentração.

George Meireles acredita que participar de Anjos de fogo e gelo é ainda mais provocador porque o ambiente é simples e não restam "muletas" para apoiar a interpretação do elenco. "É mais difícil, porque somos levados a passar a alma do personagem", revela George, que havia feito a promessa de só voltar ao teatro com uma peça de conteúdo denso, que possa desafiar o público.

Serviço

Anjos de fogo e gelo
Direção de
José Francisco Filho
Onde: Teatro Barreto Júnior (Rua Jeremias Bastos, Pina)
Quando: Estréia sábado, às 20h. Em cartaz aos sábados e domingos, às 20h, até 16 de novembro
Quanto: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada)


























Diario de Pernambuco - PE
29/08/2008 - 07:32
Diario de Pernambuco - PE


Paixão visceral embalada pela poesia
Amor de Arthur Rimbaud e Paul Verlaine é tema da peça Anjos de fogo e gelo, que estréia no Barreto Júnior



Tatiana Meira













Um paralelo entre a vida e a obra poética de Paul Verlaine e Arthur Rimbaud, mostrando as influências mútuas entre os dois poetas, ajuda a compor o enredo de Anjos de fogo e gelo, peça que estréia sábado, às 20h, no Barreto Júnior, no Pina. Além de trazer para o teatro a trajetória pessoal e artística de Anjos de fogo e gelo dois ícones da literatura francesa do século 19, o espetáculo conseguiu reunir no mesmo elenco atores que estavam afastados dos palcos há vários anos, como George Meireles (que vive Verlaine), Stella Maris Saldanha (que estava longe das artes cênicas desde o final da década de 1980) e Ivonete Melo. Também faz parte deste time Roger Bravo, que interpreta Rimbaud.

Dirigido por José Francisco Filho e baseado no texto escrito por Moisés  Monteiro de Melo Neto, Anjos de fogo e gelo opta por abordar a paixão avassaladora entre Verlaine e Rimbaud, para discutir uma relação amorosa que poderia acontecer independentemente do sexo. No lugar de uma narrativa convencional, são as poesias que costuram os diálogos, onde os atores foram orientados a seguir um gestual minimalista, para ressaltar a força da interpretação individual. "Sabíamos da responsabilidade do projeto e nos dedicamos a ele com uma entrega visceral", garante George Meireles.

Os cenários foram criados por Marcondes Lima, os figurinos são assinados por Aníbal Santiago - que também estava há anos sem trabalhar na composição de figurinos teatrais -, a trilha sonora é de Fernando Lobo e a maquiagem, de Henrique Melo. A peça ficará em cartaz aos sábados e domingos, às 20h, até o dia 16 de novembro. Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada).






FOLHA DE PERNAMBUCO    SÁBADO - 30/08/2008

Encontros e desencontros clandestinos
“Anjos de Fogo e Gelo” retrata vida dos poetas Verlaine e Rimbaud
por Talles Colatino

Divulgação


Peça coloca em cena momentos decisivos dos poetas

Foram dois anos de reformas, e depois da abertura oficial na última quarta-feira, Recife agora conta com um Teatro Barreto Júnior apto e seguro a receber peças em seu palco. E para marcar a nova fase do espaço, acontece hoje a estréia da peça “Anjos de Fogo e Gelo”, que retrata os encontros e desencontros de dois dos maiores poetas de todos os tempos, Verlaine e Rimbaud.
A vida e a obra dos dois poetas e amantes ganham vida cênica com a direção de José Francisco e conta com George Meireles e Roger Bravo como protagonistas. “Anjos de Fogo e Gelo” retrata um período da vida dos poetas, no qual Verlaine, entusiasmado com os versos do jovem poeta, Rimbaud, o convida para morar com ele e sua mulher, Mathilde (vivida por Stella Maris Saldanha). A partir daí cresce então uma grande cumplicidade entre os dois artistas e uma intensa paixão.
O espetáculo coloca em cena momentos decisivos da vida dos dois poetas. Mesclando a história com poemas de ambos, a peça traça um paralelo entre a vida e a obra poética deles, mostrando como um influenciou o outro. Fica certo que poesia de Verlaine não é mais a mesma desde seu encontro com Rimbaud. Assim como esse mergulha no universo poético de Paul Verlaine, onde sua erudição contribui para que Rimbaud passe a criar uma obra refinada e profunda.
O texto da peça é de Moisés Neto e completam o time Renato Filho (direção de arte), Fernando Lobo (direção musical), Marcondes Lima (cenários), Aníbal Santiago (figurinos) e Henrique Melo (maquiagem).  “Anjos de Fogo e Gelo” fica em cartaz até o 16 novembro,  sempre aos sábados e domingos, às 20h.

Serviço
“Anjos de Fogo e Gelo”
Sábados e domingos, às 20h
Teatro Barreto Júnior
Ingressos: R$ 20 e R$ 10.



» ESTRÉIA
Dois homens e um livro aberto
Publicado no  JORNAL DO COMMERCIO em 29.08.2008
Anjos de fogo e gelo leva o romance entre Rimbaud e Verlaine, poetas franceses para o novo Barreto Júnior

Fabiana Moraes
A história de um dos romances mais comentados de todos os tempos começa a ser encenada amanhã em um Barreto Júnior novinho em folha: Anjos de fogo e gelo, direção de José Francisco e texto de Moisés Neto, conta o atribulado amor entre Rimbaud e Verlaine, poetas-chave da França do século 19. O par será vivido pelos atores George Meireles (Verlaine) e Roger Bravo (Rimbaud), que sobem ao palco ao lado de Stela Maris e Ivonete Melo (elas vivem Mathilde, a mulher de Verlaine, e Vitalie, mãe de Rimbaud, respectivamente). O espetáculo marca o retorno de Meireles, Ivonete e Stella ao palco, além da volta de José Francisco ao universo das montagens adultas – sua última incursão nesse sentido aconteceu há oito anos.
“É engraçado, muita gente tem me perguntado como está sendo volta aos palcos, mas você não volta de onde nunca saiu, não é?”, brinca o diretor, que durante todo este tempo esteve à frente de peças infantis (como A revolta dos brinquedos, que volta em breve aos palcos) e envolvido nas aulas do curso de artes cênicas da Universidade Federal de Pernambuco. “Também estou montando Apareceu a Margarida com a Trupe do Barulho”, adianta ele. É de José o projeto que se concretizou em peça, uma mescla moderna de homoerotismo e poesia. “Não sou um fã de carteirinha da poesia de Verlaine e Rimbaud, e sim fascinado com o rompimento da linguagem poética”, conta o diretor. “Rimbaud desafia a alta burguesia francesa quando diz simplesmente ‘eu não sou assim’, ele quebra as estruturas pelo deboche”, fala.
A forte presença das mulheres foi determinante para a encenação poética do relacionamento entre Rimbaud e Verlaine (aliás, o romance entre os dois poetas foi encenado com sucesso em 2000, quando Pólvora e poesia recebeu o prêmio Shell de melhor texto). “Rimbaud não era ninguém sem a mãe”, opina José Francisco. O cenário de Marcondes Lima faz do palco um verdadeiro livro aberto – é totalmente expressionista, pontua o diretor –, enquanto os figurinos de Aníbal Santiago, verdadeiro pesquisador de indumentárias, seguem a linha realista. É século 19 do sapato ao lencinho.
O ator George Meireles – que havia atuado pela última vez há dez anos em O avarento – pesquisa há quase um ano o papel do exuberante Verlaine, que larga a mulher e o filho recém-nascido para viver o tórrido relacionamento com Rimbaud. “Aos 19 anos, ele já era considerado um grande poeta, tanto que recebeu o título de ‘príncipe’ por parte dos franceses. Victor Hugo ficou impressionado com seu primeiro poema”, conta Meireles, lembrando que Verlaine supera Rimbaud em termos de popularidade naquele país – aqui, é justamente o oposto. A separação de Mathilde, os passeios pelo boulevard Saint-Michel (lugar de “pegação” onde até hoje michês fazem ponto, escandalizando os moradores bem-nascidos do 5º e do 6º arrondissement) e os dois tiros desferidos contra Rimbaud são algumas das passagens vividas pelo jovem poeta e encenadas em Anjos de fogo e gelo. Vivendo o par trágico e amoroso de Verlaine está o ator Roger Bravo, que já foi dirigido por nomes como Carlos Bartolomeu e Marco Camarotti. Um grande trunfo da peça, é claro, é a participação de Stella Maris (Um deus dormiu lá em casa, 1988) e Ivonete Melo (seu último trabalho foi Abelardo e Heloísa, criado em 2000).
Quem for conferir o espetáculo leva um presentinho de Rimbaud e Verlaine: além do programa, será distribuído um CD com poemas e a trilha sonora do espetáculo. Anjos de fogo e gelo ficará em cartaz aos sábados e domingos, às 20h, no Teatro Barreto Júnior. O ingresso custa R$ 20 (inteira) e R$ 10 (estudante).



Festival traz cena pernambucana de teatro para a Bahia
Jornal A TARDE -28/04/2009  Salvador.
Por Roberta Guimarães
A Bahia recebe entre os dias 1º e 16 de maio a oitava edição do Festival Brasileiro de Teatro (FTB) – Cena Pernambucana. A programação acontece nas cidades de Salvador, Feira de Santana e Camaçari e conta com 11 espetáculos em 34 apresentações. O evento tem como objetivo promover o intercâmbio entre os estados, uma vez que, em 2008, foram os espetáculos baianos que invadiram os palcos pernambucanos.

A abertura do evento ocorre na próxima sexta-feira, 1º, com o espetáculo “Caetana”, de Moncho Rodrigues e Weydson Barros Leal, que conta com a participação das atrizes Fabiana Pirro e Lívia Falcão, no Teatro Vila Velha às 20h, em Salvador. Já em Feira de Santana, quem abre o festival é a peça “Samba no Canavial” com Pedro Salustiano no circuito de rua, no sábado, 2. O espetáculo inicia as atividades em Camaçari no domingo, 3, às 17h, na Praça de Abrantes.

De acordo com o organizador e idealizador do projeto, Sérgio Bacelar, da Alecrim Produções Artísticas, o objetivo do FTB é promover a produção teatral do Brasil. “Os principais compromissos do FTB são divulgar a produção teatral brasileira para os brasileiros e fomentar a criação de circuitos interestaduais de circulação, além de democratizar o acesso a bens culturais a partir de apresentações em teatros e espaços públicos". Para tal feito, serão disponibilizados 1,7 mil ingressos para alunos de escolas públicas municipais e estaduais. As apresentações acontecem em espaços abertos para 400 pessoas com ingressos a preços populares nos valores de R$5 (meia entrada para idosos, estudantes, funcionários públicos do estado) e R$10 (inteira).

Após a etapa Bahia, o projeto FTB já tem programação para outras edições ainda em 2009, como a Cena Baiana, etapas Ceará e Maranhão, e a Cena Mineira na Bahia. Em 2010 será a vez de Cena Baiana, etapas Sergipe, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Confira a programação do Festival Brasileiro de Teatro - Cena Pernambucana, etapa Bahia:

Sexta-feira, 1º
> 20h - Caetana
Local - Teatro Vila Velha
Classificação: maiores de 12 anos

Sábado, 2
>10h – Samba no Canavial   
Local - Praça do Fórum - Feira de Santana
Classificação: livre
>20h – Angu de Sangue
Local -  Sala do Coro do Teatro Castro Alves
Classificação: para maiores de 12 anos


Terça-feira, 5

>20h - Conceição
Local - Teatro Vila Velha
Classificação: para maiores de 16 anos

>20h – Corra
Local  - Sala do Coro do Teatro Castro Alves
Classificação:livre

Quinta-feira, 7
>15h – Corra
Local - Sala do Coro do Teatro Castro Alves
Classificação: livre

>15h – Historinhas de Dentro
Local - Xisto Bahia
Classificação: livre

Sexta-feira, 8
>15h – Historinhas de Dentro
Local - Xisto Bahia
Classificação: livre

>20h – Anjos de Fogo e Gelo
Local - Teatro Vila Velha
Classificação:para maiores de 18 anos

>20h – Castanha Sua Cor
Local - Sala do Coro do Teatro Castro Alves
Classificação: para maiores de 12 anos
Sábado, 9

>20h – Anjos de Fogo e Gelo
Local - Teatro Vila Velha
Classificação: para maiores de 18 anos

>20h – Castanha Sua Cor
Local - Sala do Coro do Teatro Castro Alves
Classificação: para maiores de 12 anos

Domingo, 10

>20h – Anjos de Fogo e Gelo
Local - Teatro Vila Velha
Classificação: para maiores de 18 anos









...Anjos de Fogo e Gelo...

PEÇA TEATRAL   DE   MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO
TEXTO  INTEGRAL 


Dedicada a Carlos Bartolomeu, Jomard Muniz de Britto, José Francisco Filho e João Denys
Recife, abril de 2008










PRÓLOGO
(Chegada de Rimbaud ao Inferno:
sua entrada lembra uma criança à beira da morte improvisando doces canções)

VERLAINE: Ele está morto!
(Toca o quinteto, Opus 115 de Brahms)
TRECHOS DE  POEMAS DE PAUL VERLAINE:
RIMBAUD- A lua branca /brilha  no bosque. /De ramo em ramo, /parte uma voz que /vem da ramada. Oh! bem-amado! //Reflete o lago, /como um espelho, /o perfil vago /do ermo salgueiro que ao vento chora. //Sonhemos, é hora... //Como que desce /uma imprecisa / calma infinita do firmamento /que a lua frisa.

VERLAINE- É a hora indecisa...Antes que apagues teu  brilho, /nívea estrela matutina/ volve ao poeta, cujo olhar o amor cegou como um véu, /teu olhar, que se diria /banhado na luz da aurora, e leva o meu pensamento, /longe, além, lá, bem distante, /no sonho em que não cessa de se embalar o meu bem, (mas depressa, que o sol dourado já vem!).

RIMBAUD- Cada concha, no interior /dessa gruta onde a gente se amou, /tem o seu especial sabor. Uma, a púrpura tem da chama /roubada ao nosso coração, /quando o desejo nos inflama”.


VERLAINE:  (Celo:  acorde assustador) Absinto!  (Olha o  cálice com o líquido verde) Absinto!  Combustível para minha estadia no inferno! Infinita  estadia. Sobre o rio maldito,  navega  nosso barco ébrio, nele estão os nossos segredos  mais ocultos. Sobre ele quisemos reinventar o amor! (Verlaine bebe mais)
RIMBAUD: Mocidade aprisionada, a tudo subjugada.  Por delicadeza, eu perdi a vida...
(Toca trecho de “Casta Diva” de “Norma” de Bellini).
VERLAINE: Leva-nos o barco bêbado... até o mais estranho portal...o inferno...
RIMBAUD: É chegada minha hora!
(Verlaine repete em francês)
VERLAINE: Sobre o arco da entrada está escrito: Os que cruzarem este portal, deixem para trás toda esperança.
RIMBAUD: Aos  céus ergui minha estranha sede. Deixei tudo para trás e segui.
VERLAINE: Ele não reconhecia limites
RIMBAUD: Sedento  entre ferozes moscas imundas, eis a minha entrada.
VERLAINE: E eu, na mais alta torre: restam as lembranças, as flores... o silêncio embaixo das pilastras.. o azul... as estrelas esparramadas? (Grita enlouquecido). Prisioneiro e possuído pela alma de Jean Nicholas Arthur Rimbaud! Ele me vê (arregala os olhos)  daquele outro mundo...
RIMBAUD: Ventos noturnos me envolveram... me falaram...
VERLAINE: Na minha memória,  ao entrar, ele parecia uma criança à beira da morte,  improvisando doces canções. Ele, o garoto que veio do interior...
(Música)
MATHILDE: Ele parecia segurar nas mãos uma granada, depois de lhe ter arrancado  o pino!
VERLAINE- Ele! A  mistura de presente, passado e futuro a paralisar o impossível.  Disposto a roubar o fogo sagrado  do altar!
RIMBAUD- Eu não conhecia limites.
MATHILDE: Usou  os seus versos para alimentar  o seu sonho tolo de liberdade.   Roubou meu marido. Destruiu minha família.
VERLAINE: Aqueles olhos azuis..
MATHILDE:  Tão malignos.
VERLAINE: Aquele sorriso...
MATHILDE: Tão satânico!
VERLAINE: Destruindo rima e métrica...
MATHILDE: Ele destruiu boa parte da minha vida. (segura algo com força e respira e respira fundo) E agora eu tenho guardados seus últimos escritos. (olha para baixo) Não tenho força para destruí-los.  Não tenho  coragem. (ergue a cabeça) É como se das... trevas... viesse o ...impedimento.
(Música)
VERLAINE: Com as botas rasgadas pelas pedras do caminho ele chegou até mim...
RIMBAUD: Que me importam  os grandes poetas?  Apossei-me deles e superei-os.
VERLAINE: Trinta e sete prêmios no colégio.
MATHILDE: Bicho  do  mato com sotaque insuportável. Anticristo! Um dia escreveu: 
RIMBAUD: À merda, Deus! Merde à dieu!
 (Ajoelha-se  e chora convulsivamente)
MATHILDE: Blásfemo!  Proscrito! Ele roubou-me o pai do meu filho! Meu filho...
VERLAINE: Meu filho Georges nasceu  naqueles dias tumultuados por tanto haxixe, ópio, absinto...
RIMBAUD: Merde à dieu!
(Música)
VERLAINE: Sim.  Ele era um  menino de família que lia a Bíblia e o  Corão.
MATHILDE:  Família, pois sim! O pai?
VITALIE- O pai nos abandonou quando ele tinha pouco mais de seis anos.
MATHILDE- A mãe tornou-se amarga, seca. Outro dia veio me procurar, ela e a insuportável da irmã dele. Duas víboras. Raça de cães. Odeio esse povinho!Nem o marido agüentou aqueles filhos e a mulher.
VITALIE- Largou tudo sem dar satisfação.
RIMBAUD: (Estranho) Meu pai...
MATHILDE:   Ela se refugiou no trabalho do campo. Coisa de gente sem estudo! (desdenha)
VERLAINE: O primeiro estudo a que se deve submeter aquele que deseja  ser poeta...
RIMBAUD-  ... é o estudo de si mesmo. Precisa ser vidente! E essa vidência vem com o desregramento de todos os sentidos.
MATHILDE: Ele estudava para se tornar um bom canalha!  (ri, jogando a cabeça para trás e erguendo- a para frente lentamente) Atiçando seus...  sentidos... de modo ...assustador.
VERLAINE: Meu menino... dormindo... debruçado sobre um livro sob o céu estrelado da França, no silêncio, depois da caminhada noturna por tantas estradas que percorreu. O  que tanto ele buscava?
MATHILDE: E meu marido juntou dinheiro, com outros poetas e enviou uma passagem de trem  para esse...(torce o nariz)  menininho...
VERLAINE: Do nordeste até Paris. 
VITALIE- Meias de lã  tricotadas pela mamãe, calças curtas, pois ainda estava em fase de crescimento...
VERLAINE- E lá estava  aquele menino-poeta!  (abraça o vazio do palco) Entre os meus braços. (confuso) E agora? O que me resta?
MATHILDE:  Era o prelúdio de um desastre!
VERLAINE: Mathilde era o tipo de esposa ciumenta.
MATHILDE:Rimbaud era arredio, intratável,  monossilábico.
VERLAINE: Ele decepcionou-se comigo. Queria que eu fosse aquele sujeito dos meus poemas. Queria que eu vivesse como escrevia. La vrai  vie!
MATHILDE: Dizia que buscava a verdadeira vida!  A verdadeira vida, pois, pois. Aquele crapulazinho miserável que dormia com os cães pulguentos das ruas foi para dentro da minha casa. Como pude dar cabimento? Ah! Meu Deus.
VERLAINE: Perplexos, foi como os poetas ficaram diante de tanto talento. Alguns o esnobaram por ser do interior.  Ele tornou-se agressivo, querendo viver... só de... poesia.
MATHILDE:  Não dava um  dia de serviço a ninguém!  Nem durante a colheita ajudava a família!  Ficava trancado escrevendo suas porcarias!
VERLAINE: Um  mito que eu ajudei a criar.  Remendar. Quantas vezes ele a precisou de mim? 
MATHILDE:  Pálido,  errante, coberto de lama (pausa) Fezes...desesperado de fome, frio.
VERLAINE: Essa autoflagelação fazia parte do seu ideal poético.
RIMBAUD: Eu já. Conhecia Paris muito bem e me aproveitava disso.
MATHILDE:  O lugar dele era mesmo os albergues miseráveis,  em meio aos vagabundos que vasculham  latas de lixo para encontrar comida.
VERLAINE: Ele me provocava.
MATHILDE:  E Verlaine tentou matá-lo com dois tiros de revólver. Feriu-lhe o braço. (põe as mãos no rosto- crise) O meu marido! Preso na Bélgica! (recupera-se momentaneamente) Jesus foi mais forte e um ano e meio depois,  ele saiu.  Meu marido! Tão canalha comigo... que escândalo. Comigo! Eu, uma mulher tão jovem, rica, bonita, inteligente...
VERLAINE: Enquanto eu estava na prisão, ele recolheu-se ao   sótão  da fazenda e ali escreveu “Une saison en enfer” e a mãe dele, que não dava dinheiro a ninguém, e não aprovava muito o filho poeta, pagou-lhe a edição de quinhentos exemplares.
MATHILDE: Mas Deus é tão justo que  o desgraçado do Rimbaud só teve foi a oportunidade de receber os exemplares do autor.
VERLAINE: Para mim a dedicatória  foi bem seca: “A P. Verlaine...”
MATHILDE: Gastou o dinheiro que a mãe lhe deu! (ri) Na farra (ri mais)  e não pagou ao editor. Bem feito! O pacote ficou  per-di-do e ele, en-lou-que-ci-do, jogou quase todo o original no fogo.  (zomba) Devia ter se jogado também, naquela hora!  Mas preferiu  ser “negociante”  na África.  Armas, café,  ervas... e suponho que escravos também. Ele tem o perfil de quem venderia escravos, embora todos neguem isso. Ele  queria ficar rico e ele não tinha escrúpulos. Isso eu tenho cer-te-za.
VITALIE- Sempre que ele parte, nunca sei se vai voltar...
VERLAINE- Com ele a gente nunca sabia.
(toca a  overture, op. 21  de “Sonho de uma noite  de verão” –  Mendelsohn)
CENA 2
RIMBAUD: Eu  não gosto muito de estudar, mesmo.  Mas  lá na fazenda eu fazia  compras, arrumava a casa,  cuidava do jardim.  Pra que tanta matéria na escola? Não é uma  tortura?  Eu sou um poeta.
VERLAINE: Escute...
RIMBAUD: Porra! Ficar esfregando as calças nas bancas da escola.
VERLAINE: Para vencer na vida, você precisa estudar...
RIMBAUD:  Para quê? Tenho que passar  em  um exame para ser engraxate? Só se é rico nessa vida roubando ou explorando a força de trabalho do próximo.
VERLAINE: Não exagere.
RIMBAUD:  Ah!  Não. Que emprego você imagina para um cara como eu? :  Tratador de porcos? Boiadeiro?  (ri) muito obrigado! Não quero (ri)  Ah!  (se benze e se arrepende de se ter benzido).
VERLAINE: (percebendo que Rimbaud arrependera-se de se ter benzido) Renegando a igreja católica?
RIMBAUD:  (pulando para cima de Verlaine que ri relaxado na cama). A santa doutrina católica. França,  disse o Papa: a primogênita da igreja. Joana D’arc é exemplo interessante do que a igreja pode fazer com uma pessoa. Não é?
VERLAINE: E seus amigos padres?  E Ernesto? Você era... virgem, com ele, também?
RIMBAUD:  Como você é vulgar!  Conservador! (bate com raiva em Verlaine). Burguês de merda! Não nega as origens!
VERLAINE: O par perfeito para você.
(tenta beijar Rimbaud)
RIMBAUD: Não me trate como se eu fosse uma das suas mulherezinhas ou apenas mais um dos seus rapazes.
VERLAINE: Isto está virando novela para adolescentes:  “Bate um coração, lateja minha tesão, sob esta batina” (acaricia as partes de Rimbaud e ri, prolongada e ironicamente).
RIMBAUD: O absinto faz de você uma pessoa bem  pior do que você é, quando está sóbrio.
VERLAINE: Você tem olhos de serpente (pega o lençol  simula masturbação sob o “véu” improvisado- Toca trecho de Mendelsohn)  Ó vem  a nós, grande Maria!  Tu  que és mãe pia do bom Jesus! Do Cristo Santo, ó virgem prenha,  sobre nós venha a tua luz!(ri e se engasga).  O Éter Cósmico sacudiu  minha alma enquanto eu despetalava esta rosa  poética! peguei minha cítara...
RIMBAUD: Como um  salmista, elevei minha voz inocente... Você não sabe o que é pureza!
VERLAINE: Faça-me o favor! Puro? (ri) Você?
RIMBAUD: Puro! Ergui minha voz até as altitudes celestes.
VERLAINE: (vira-se  violentamente)  E depois recolheu as asinhas.  Não foi?  (atraca-se com  o outro)  Onde você escondeu as suas asinhas de anjo?  (rolam pela cama, Verlaine faz cócegas em Rimbaud)  Hein? Seu menino malvado.
RIMBAUD:  Guardadas para não se sujarem! Protegendo  o meu canto virginal.
VERLAINE: Virgem  prenha!  Virgem prenha! Cadê  tua cítara  e as energias misteriosas?  (rolam pela cama até o chão e continuam em estranha dança. Dança macabra).
RIMBAUD:  Você está possesso...
VERLAINE: Possesso está você, seu pequeno canalha!
RIMBAUD:  (cínico) Porca velha!
VERLAINE: Vem!  Vem mamar nos meus peitinhos desta porca, como você mamou nos da sua mamãe. Vem!
RIMBAUD:  Doente!
VERLAINE: Sem  mim, você está perdido,  Rimbaud. Quem vai contar sua história? Analisar sua obra e publicar?
RIMBAUD:  Veremos.
VERLAINE: Veremos uma porra! (respira fundo) Bem fez o seu pai que lhe abandonou aos seis anos.É o seu pai que você vê em mim? Essa violência é por causa dele, é?
RIMBAUD:  Idiota!  Imbecil!  Estúpido! Vaca!
VERLAINE: Vaca é Vitalie, a sua mamãezinha,mulher que não soube ser mulher!
RIMBAUD:  E você e a sua esposinha, Mathilde, hein? Parindo este monstrinho chamado Georges?!  Essa aberração gerada por vocês dois!  (ri, assustadoramente).
VERLAINE: O mal  reconhece o mal...
RIMBAUD:  Você é um cadáver adiado que procria!
VERLAINE: Plagiador. Você é uma pessoa muito má. Eu fiz tudo  por você. Estou até tentando colocar você numa coletânea e...
RIMBAUD:  Dane-se sua coletânea!
VERLAINE- Você devora a si mesmo.Como é doloroso lhe amar( agarram-se) É...desnorteante. Arde. Enfurece. Mal saído da infância e ..tão...homem velho.
RIMBAUD- A sagrada família cobre o meu espírito.
VERLAINE- Penetrando. Envolvendo-o. (acaricia-o)
 (brigam na cama novamente)
VERLAINE: Eu lhe entreguei tudo (Rimbaud  tira um  terço branco do bolso.  Agita-o enquanto fala. Depois o joga no rosto de Verlaine. Silêncio. Aproximam-se os rostos. Beijam-se. Deitam-se suavemente. Um fica sobre o outro).
(música)
RIMBAUD:  Uma gota sai do meu sexo. (êxtase: abraça Verlaine) Gota rubra de vergonha! Lágrima de amor, lágrima... tenho o coração tão cheio... na minha carne... meu coração tão repleto.
VERLAINE: Repleto de quê?
RIMBAUD: (senta-se na borda da cama- pausa, Rimbaud veste a camisa ) Vamos sair. Eu preciso beber.
VERLAINE: Quer sair para se embebedar?
RIMBAUD- Você quer ir comigo ou não?
VERLAINE: Você não vai mudar o mundo. Suas iluminações, sua temporada  no inferno, seu evangelho de São João.... tudo pode ser bem inútil.
RIMBAUD: Sou um Cristo sem milagres,  apodrecendo na miséria profunda de todos os homens, corrupção  universal, que seria preciso curar, mas o milagre não se realiza. Deixo  todos para trás, o demônio, os danados... Jesus, todos ...eu vejo tudo tão claro... os anjos... dando esmolas ao diabo... as flores do mal... minha inaptidão no trato com as mulheres... a pátria...
VERLAINE: Vamos ficar aqui hoje. Faça de conta que eu sou a sua mãe e a sua pátria. Pegue a sua coroa de espinhos. Senhor poeta vidente.
(ele dá a Rimbaud  algo para mascar- ópio-  ele aceita, masca- Verlaine tenta  agarrá-lo,  Rimbaud  que se esquiva)
RIMBAUD:  Não tenho mãe. Não tenho pátria.  Fujo de toda força moral!
VERLAINE: Vem cá, Arthur, me abraça.
(música, som mínimo)
RIMBAUD:  Que gritos preciso soltar? Que animal é preciso adorar?  Sobre que sangue marchar?  A que demônio alugar-me? Erguer com o punho seco a tampa do caixão?  Entrar nele e sufocar? 
VERLAINE: O que você queria?
RIMBAUD:  Nada de velhice!
VERLAINE: Este veneno que lhe dá tanta sede, é a poesia?
RIMBAUD:  A cidade, os campos, o lago... o rio ao luar... O sino  tocando à meia noite, me chamando para o inferno.... (Rimbaud ajoelha-se. Deita-se e adormece sob o praticável da cama. Verlaine sai).

CENA 3
 (Rimbaud  está  dormindo debaixo de um banco  próximo ao hotel onde houve uma reunião de poetas franceses que zombaram dele por ser jovem e da roça).
(Entra Mathilde com um véu negro- Ela toca no banco com a sombrinha e ele acorda).
MATHILDE:  Surpreso  de me ver? (pausa) Sabe o que me traz aqui?
RIMBAUD: Sei pouquíssimo,  madame, e quero   saber cada vez menos. Por isso decidi abandonar a poesia.
MATHILDE: Você  nem começou e já quer parar? Você é tão engraçado.
RIMBAUD:  Não sou mesmo, madame?  As pessoas quando me vêem  me tomam  por tímido  e quando convivem comigo não suportam meu atrevimento.
MATHILDE: Faltam-lhe  forças para continuar na poesia? Ou descobriu que isto não é um meio de vida?
RIMBAUD: Eu tenho que ir embora...
MATHILDE: Eu vim para lhe ajudar.
RIMBAUD:  Ajudar, como?
MATHILDE: Dinheiro. Você quer?
RIMBAUD: Manchado de sangue?
MATHILDE: Não exagere...
RIMBAUD- Ah! Madame. Por Lúcifer! (respira fundo- atrevido) Tenha dó!
MATHILDE: Você praticou magia? Não foi? Fez algum pacto com o... Deus do fogo?
(Rimbaud,  furioso, levanta)
RIMBAUD: Queria ver se ele conseguia me derrubar!
MATHILDE: Eu lhe aviso que você não é mais uma criança. Vim lhe oferecer ajuda.
RIMBAUD: E em  troca o que quer de mim?
MATHILDE: Nada.
RIMBAUD:  Que eu fique bem longe do seu marido, talvez?
MATHILDE:  Alguns amigos meus poderiam lhe ajudar...
RIMBAUD:  É? Que gentil da parte de vocês. (irônico).  Mas já vivi o suficiente para saber que tudo tem seu preço e que o espírito burguês nasceu com Cristo, portanto é abençoado.
MATHILDE: A vida oferece-lhe uma nova estrada. Se me trair, garanto que será expulso da França. Todos estão fartos das suas canalhices.
RIMBAUD: A sociedade francesa que a senhora representa tão bem, madame?
MATHILDE: Sim A sociedade francesa. Uma oportunidade fora do país. Tão a seu gosto. Não é?
RIMBAUD: Eu vou pensar no assunto.
(música)
CENA 4
RIMBAUD: Não vou mais  escrever poemas.
VERLAINE: Não acredito. Vai escrever o quê? Romances?
RIMBAUD: Vou abandonar a poesia. Eu não consegui o que queria. Agora chega.
VERLAINE: Oh! (irônico) boa criança francesa.  Pelo bem estar de todos ele vai parar de escrever. (sério) Não seja tolo. Seus poemas são bons.
RIMBAUD: De que adianta, Verlaine? (chora) não deu certo. A poesia quis me enterrar vivo.
VERLAINE: A posteridade.
RIMBAUD: (Histérico) Que me importa a posteridade?  O que estes canalhas fazem  comigo é injusto!  E quanto a nós dois, sinceramente, eu estou cansado de repetirmos sempre a mesma conversa.
VERLAINE: Associe-se a uma trupe de comediantes.
RIMBAUD: sua mulher me procurou.
VERLAINE: O que ela queria?
RIMBAUD: Me ameaçar e me oferecer dinheiro. Ridícula.
VERLAINE: A família dela conhece muita gente e...
(Rimbaud  veste-se)
RIMBAUD: Vocês nunca vão me entender.
VERLAINE: Aqueles soldados que lhe estupraram  lhe entenderam  muito bem.
RIMBAUD: Você e suas mentiras degradantes.
VERLAINE: (cínico) Esses fios vermelhos que estão escorrendo dos seus olhos, são lágrimas?
RIMBAUD:  Saia do meu caminho. Eu vou embora.
VERLAINE: Foda-se!  Arthur de merda. (Verlaine puxa uma pistola imaginária e... “atira”! Rimbaud  sorri, finge que foi atingido mortalmente,  no coração. Vai caindo e Verlaine o ampara. Brincam). Tudo começou com risos de crianças,  com eles vai terminar.  Esta bebida permanecerá em nossas veias.
RIMBAUD:  Começou com repugnância... termine com perfumes. Começou  com grosseria? Que acabe em anjos de fogo e gelo.
VERLAINE: Estou de joelhos aos seus pés.
RIMBAUD: Não me interessa mais nada daqui. (Verlaine levanta-se)
VERLAINE: Criança monstruosa. Conheço suas manobras.  Este seu vil desespero. Como se fôssemos os seus brinquedos! 
MATHILDE: Flores que você pisa no seu paraíso artificial de absinto!  
VERLAINE: A feiticeira vai se erguer  sobre o poente branco? 
MATHILDE: Pois que se vá! 
VERLAINE: O sino de fogo  vai soar vermelho  entre as nuvens?  Que soe!  Eu volto para minha mulher!
RIMBAUD: Isto!  Volte para Mathilde. Ela é do seu nível. Nós fomos apenas órfãos noivos.
VERLAINE: Nós?  Órfãos noivos?! (ri) você é muito engraçado!  Nosso amor, se é que podemos chamar isto de amor, é mais como um belo crime na lama da rua. Um  circo. Eu que imaginei um mar  agitado com nascimento eterno de Vênus, me deparei com esta coisa sombria...
MATHILDE: A amizade deles era um  castelo feito de ossos... de onde brotava uma música desconhecida. Dentro dele selvagens dançavam sem cessar a festa da noite.
VERLAINE: O poeta satânico e seus sonhos de sofrimento. (cospe para Rimbaud) Seu idiota! Estúpido!
RIMBAUD: Idiota é você!
VERLAINE: O caso era esse?
RIMBAUD: O sonho arrefece.
VERLAINE: Quem sou eu para impedir sua partida?  Se nem mesmo sei porque fico.
RIMBAUD: O que ficou para trás foi levado em carro fúnebre,   água turbulenta, bebida  derramada, ataque de cães, ambições esmagadas, tempo de indigência vergonha de nossa fatal inabilidade.  Somos palermas quando rimos destes suplícios?  Destes crânios, destes albergues? 
VERLAINE: Aonde  você vai?
RIMBAUD: Você sabe.
VERLAINE: Você não escapará.
RIMBAUD: Haverá sempre segredos enlouquecedores, eu bem sei. Saberei ser pássaro silencioso quando tudo se fizer sombra. Adeus ao aqui, seja onde for.
VERLAINE:  É mesmo  adeus?
RIMBAUD: Pode-se dar  adeus à imensidão do universo? 
VERLAINE: Serei sempre seu amigo.  Não importa a distância.
RIMBAUD:  Então... (abraçam-se. Música) adeus.
 (Rimbaud sai. Verlaine senta-se, põe as mãos na cabeça. Afunda. Luz esmaece Mulher aproxima-se).

Cena 5
INTERMEZZO

MATHILDE: Você diz que quer voltar a viver comigo e com seu filho.
VERLAINE: Eu preciso da minha família e vocês são tudo que eu tenho.
MATHILDE: Você foi preso por causa dele... levou o meu nome para lama! Você é mentiroso, mentiu sobre o crime...
VERLAINE: Estávamos na estação.  Eu vinha com o meu revólver  no bolso, mamãe ao meu lado, Rimbaud  atrás.  De repente eu me virei, ele pensou que eu ia atirar nele novamente chamou um guarda e pediu que eu fosse preso. Foi assim.
MATHILDE: Você  e ele  lhe abandonando mais e mais: alistou-se no Exército Colonial Holandês,  recebeu adiantamento, desertou algumas semanas depois.
VERLAINE- Cale-se, por favor, Mathilde.
MATHILDE: Foi trabalhar  num circo!
VERLAINE: Incrível.
MATHILDE: Dinamarca... Roma! (ri) Orgias e problemas, de novo, com a polícia.
VERLAINE: Você tem prazer com a desgraça dos outros?
MATHILDE: O que estou querendo dizer é que se ele lhe amasse, pelo menos um pouco...
VERLAINE: Ele me amou de um modo que você não pode entender...
MATHILDE: Eu lhe dei a sua família. (agride-o) Você não precisa disso. Não é? Você quer o seu êxtase intelectual...sexual...sei lá. Você não vale nada! É isso. Eu tenho nojo de você. Sabe o que é isso? Nojo? Seu filho de uma puta! (bate na cara dele).
VERLAINE: Pare, Mathilde.
MATHILDE: Tomara que ele vá parar num ambiente infecto,  pulgas, mosquitos, calor, água salobra.  Contraia tifo.
VERLAINE: Pare de blasfemar! Ele não merece isto.
MATHILDE: E você. O que você merece, hein? Seu...seu...indecente!
VERLAINE: Eu mereço, como qualquer um merece...
MATHILDE: O quê?
VERLAINE: A salvação.
MATHILDE: (olha ao redor) Bem que disseram que você  está entregue ao vício, bebendo muito, e, pelo que vejo, na mais completa decadência.
VERLAINE: É isso tudo que você sabe sobre ele?
MATHILDE: Logo ele estará num caixão: o corpo seco e mutilado, velas, um coral, uma estranha melodia... mais nada.
VERLAINE: Quanto ao nosso filho... eu tenho direito...
MATHILDE: (brusca) Esqueça que eu e seu filho existimos! Nunca mais me procure. E diga a sua mãe que ela pare de me incomodar também!
(música)


Cena 6
VINGANÇA

MATHILDE: Então você decidiu ficar!  Seu moleque insolente! É um farsante. Este é o fato nu e cru. Você não entende nada de poesia.
RIMBAUD:. Um dia sentei a beleza no meu colo. E a achei amarga e injuriei-a.
MATHILDE: Estou vendo que você tirou do espírito o último traço de esperança  humana. Não aceitar a minha oferta foi a pior coisa que você fez. Mas agora você vai sofrer as conseqüências.
RIMBAUD: (pula sobre Mathilde, assustador) Eu poderia estrangular você se eu quisesse, aqui mesmo e esfregar sua cara morta no chão!
MATHILDE: Faz da desgraça um Deus.  Se espoja na lama!  Se estende para secar na aura do crime.  Faz piada com a loucura!
RIMBAUD- Idiota. (ri)
MATHILDE: Você tem um riso horrível. Hiena! Você e seu caderno maldito!Pensa que tenho medo de você? (ri, mostra uma pistola) Está pensando que isso é fruto do álcool ou drogas  em excesso? É não. É de verdade.
RIMBAUD: Oh! Armada e perigosa. Boa Mathilde. Está com raiva do jovem poeta que roubou o seu macho.
MATHILDE:  Vamos combinar uma coisa: Sua poesia é de merda. (irônica aponta a pistola para Rimbaud) Ver uma mesquita... na torre  de uma fábrica?!  Um salão no fundo  de um lago. Assombrar-se com um cartaz  de teatro de revista. (ri).
RIMBAUD: Longe dos pássaros, rebanhos. Numa clareira de joelhos a beber...
MATHILDE: Beber o quê?
RIMBAUD: Tendo em volta os bosques  de avelãs na cerração de um meio-dia úmido e verde...
MATHILDE: Com você  é difícil  se manter um  diálogo racional.
RIMBAUD:  Bebia algum  licor dourado.
MATHILDE: Bebia um licor dourado. Estava  de joelho nos bosques de avelãs na  cerração de um  meio-dia úmido e verde!  (ri) O que fiz para  merecer isto?
RIMBAUD: E um  temporal varreu o céu. Ao anoitecer.... na areia branca  dos bosques...o vento de Deus... eu via o ouro sem poder beber.  
MATHILDE:  Pouco  me importa o que o senhor bebeu.  Você é  um mal para a nossa sociedade. Saiba que em nome da moral e dos bons costumes...
RIMBAUD:  A moral é a fraqueza  do cérebro.
MATHILDE: Devia estar num  hospício! Isto sim.  Com seus terrores e sonhos soturnos.  Dane-se para os confins da terra!  Foi isto que vim lhe anunciar, em  nome da sociedade  francesa. Ninguém aqui gosta de você. Eu sei das suas falcatruas aqui e noutros países. Eu mesma vou lhe denunciar. Você vai para a cadeia! Está ouvindo? Fuja! Dane-se! Suma, desgraçado!  E não volte mais. Seu pedintezinho nojento. Livre-nos das suas bruxarias.
RIMBAUD: Mágico  estudo!
MATHILDE: Dê um  arremate  aos  seus desejos por aqui!  Siga. Vá!
RIMBAUD: A feiticeira que acende sua brasa no vaso da argila, jamais nos contará o que sabe e que ignoramos.
MATHILDE: Não queremos saber de nada que venha de você.    a certeza da sua distância. Vá  beber, seus mazagrans bem longe.  Destrua lá o resto da sua jovem miséria. E um dia farão um túmulo branco, de menina, para você na sua cidadezinha.
RIMBAUD: Também  é vidente, madame?
MATHILDE: Não é preciso  ser vidente para perceber  aonde o senhor vai com tanta pressa.
RIMBAUD: No  horizonte  da minha cidade: as florestas. Eu  olhei para tudo com o céu nos olhos. Abandonei a minha casa de pedras.
MATHILDE: Em-can-ta-dor. E fez  da vida um sonho contínuo (ironiza) que poético!  Tão ridículo quanto a sua pessoa.
RIMBAUD: Minha vontade não é de lhe encantar. Não quero que meus versos lhe rasguem  o coração, também.
MATHILDE: Ridículo!  Bossal! Pois bem. O recado está dado.  Suma, Jean Nicholas Arthur Rimbaud! Volte para o Inferno que é o seu lugar!
(ela sai, contrariada, por um lado e ele pelo outro)
(música)
CENA 7
(Vitalie e Verlaine os dois personagens estão em espaço e tempo diferentes apenas parecem dialogar)
VERLAINE: E ele largou a poesia... nunca respeitou as musas.
VITALIE: E agora está semi-morto. Desse jeito terrível! Será castigo?  (Benze-se) Deus  me perdoe (fecha os olhos, bate na boca, pega o telegrama e lê em voz alto e estranha): “Hoje, a senhora ou Isabelle, venham  a Marselha.  Trem expresso segunda de manhã vão amputar-me a perna. Perigo de vida. Negócios sérios a acertar”. Negócio sério. Como é difícil ser mãe numa hora dessas!
VERLAINE: Não havia esperança.  Só o suplício era certo.
VITALIE: Câncer no joelho. Se espalhou pelos ossos.  Voltou para a família depois de onze anos de exílio na África. o bom filho à casa torna...
VERLAINE: Penetrou nas entranhas do inferno... Mutilado e sem forças, no desespero, na tortura. O calor... asfixia...
VITALIE: Da África só sairia desse modo, bem que eu pressenti. Coração de mãe não se engana. Ele se parece nisso com o pai.
VERLAINE: Os sóis,  as savanas, selvas,  o desconhecido, a Abissínia...  O que era o seu anseio de desbravar o reino das palavras, diante daquele  imenso reino chamado África?  Ele que esteve em tantos países... tantos infernos.
VITALIE: Quer que eu fique com o dinheiro que ele consegui nesses dez anos. Sabe-se lá de que modo sujo! (respira) Mas é dinheiro. Fazer o quê? Mãe é mãe.
VERLAINE: Seu primeiro inferno foi o  metafísico, o desregramento, a poesia. O segundo foi dos sentidos. Tornou-se um bicho, um ser escuro
VITALIE: Mas poderia ser salvo. Eu sintia isso. Meu filho ainda tinha muito do menino que foi. Uma vez, ele me abraçou de maneira tão sincera, meu filhinho, que eu chorei junto com ele. (respira fundo) De algum modo ele será salvo!
VERLAINE: Restaram-lhe a solidão e o fel. Ele que queria um natal na terra... Arthur:  estrela que brilha ainda na distância... sozinho... alucinado, odiando, morrendo, buscando o infinito. (olha para cima e grita) Blasfêmia? Pudor? Dignidade de alma? Santo Poeta!  Por que não? Cheio de dignidade abismada, cheio de tanta verdade na tristeza amorosa da noite. Esta noite que afoga  o mundo (masca o ópio) a compor o seu ...livro negro...
VITALIE: Ele tinha o coração enfermo desde a infância.


CENA 8
O COLO DA MÃE
(Rimbaud está deitado. sua perna direita será amputada)
(música aumenta: “Passion”, de Peter Gabriel – “Sandstorm”)

           VITALIE–  Arthur! Queria ser o quê? Igual ao seu pai?  Dinheiro? Sexo? Poesia? I independência? (tosse) Como se não bastasse o seu irmão! Frederic, eu pressinto, não será mais que um trabalhador de ônibus. Mas você! Em quem depositei todas as minhas esperanças? Você...você...foi uma... (espécie de choro- pausa) decepção.
RIMBAUD: não é a melhor hora para falar sobre isso, mamãe. E me chame só de Jean.  A  minha situação militar...você sabe...se me descobrem...
VITALIE:  Armas na selva, não é? Meu  filho! Uma fábrica era o que você queria. se não fosse o governo francês...você seria um senhor da guerra naquela região maldita! Isso é negócio que se faça?
RIMBAUD: Um  mero comerciante,  mamãezinha.  Um  mero  comerciante. Para a Europa eu não podia  voltar tão cedo.
VITALIE:  (aproxima-se dele , segura-o como se fosse trocar a fralda). Traficantes de armas costumam  ter como castigo a castração. (pega na testa dele) Deixe-me ver se você está com febre.
RIMBAUD: Não. Não cortaram o meu pênis, não chegou a isso. Mas foi quase! Houve uma greve dos condutores de camelos. Imagine se  eu não falasse árabe...
VITALIE: (espanta-se) Você está ardendo em febre!
RIMBAUD – Mamãe, isso tudo está parecendo um sonho..
VITALIE - Você disse que  recebia algumas mensagens em sonho...
RIMBAUD: Sim.
VITALIE:  Como assim?  Quem lhe fala nestes sonhos?
RIMBAUD: Apolo.  O próprio Apolo.
VITALIE:  Republicano e ateu, eu suponho.
RIMBAUD: Como todo bom poeta parnasiano. (ele sente fortes dores e grita)
VITALIE: “Rimbaud é inteligente até não poder mais;  porém acabará mal”, os professores bem que me avisaram. (mexe nos frascos) Já tomou sua dose boa de morfina hoje? (pega alguma coisa, vira-se bruscamente) Cadê o dinheiro?
RIMBAUD: Eu deixei na caverna...

(música)
VITALIE:  Que caverna?
RIMBAUD: Meu refúgio...
VITALIE: de novo esta história da caverna?  O que faziam, você e seu amigo Ernesto, naquela caverna? Diga! Eu sempre quis saber... agora que você está delirando, talvez confesse...
RIMBAUD: Líamos Baudelaire,  Edgar Allan Poe,  Rabelais.  Criei um código poético e lancei-o numa  simples carta! Eu, o poeta vidente!
VITALIE:  E por que você renega seus poemas? Sua irmã descobriu que eles estão começando a render alguma coisa. Eu estou precisando de dinheiro. Verlaine...
RIMBAUD: Não diga a Verlaine que eu estou aqui! Não quero que ele saiba! Ele seria a última pessoa que eu queria que me visse assim. E quanto aos meus escritos...
VITALIE- Sua irmã Isabelle disse...
RIMBAUD: Águas turvas!  Não passavam  de águas turvas.
VITALIE:  Dizem agora que sua poesia é linguagem de alma para alma resumindo tudo:  perfumes, cores, sons...
RIMBAUD: Não quero saber dos meus poemas...
VITALIE: Imagino que tipo de leitor você tem. Aqueles que admiram  singelas violetas parnasianas  transformadas em doces escarros das ninfas! Que poesia! (irônica, é claro) Meu filho e seus escarros das ninfas...sua virgem prenha. Prenha! (respira fundo) Maria! Que a igreja nos absolva. Onde eu errei na sua educação? Será que errei?
RIMBAUD: Não, mamãe...foi tudo uma grande conspiração (ele está delirando sob efeito da morfina, seu delírio é muito suave) Vislumbrei os sete mares  no cristal líquido do Rio Meuse, nossa cidade. (fecha os olhos, respira fundo, esboça um sorriso) Rosto rente à água, observando. (tenta agarrar os raios imaginários) Os prismáticos reflexos dourados do sol. A correnteza “ondulando meus cabelos”...
MATHILDE: Águas turvas, como você mesmo disse! Todos sabem, meu filho...sobre o bulevar de Saint-Michel e o que você fez nas outras cidades também...
VITALIE:  Ah! Como eu sofri com o que você fez! Você acha que foi fácil? E agora agüentar mais isso? Você!  Assim ...e isso é para sempre. Meu filho que eu eduquei no melhor colégio! Você sabe os sacrifícios que passei. Abandonada sozinha e com quatro filhos para criar, aquele canalha do seu pai...(respira fundo) minha vida se acabou ali!
RIMBAUD: Eu fui um jovem tolo . É isso que você quer dizer, não é?
VITALIE:  Victor Hugo disse  que você era digno de pena. Recusou-se  a ser seu advogado! 
RIMBAUD: Que honra ser citado pelo senhor Victor Hugo! Dane-se, Victor Hugo!
VITALIE: Meu filho bandoleiro...
RIMBAUD: Uma vez a feiticeira verde do absinto, numa dose de apenas três centavos,  disse que eu  deveria devolver os homens  ao seu estado primitivo de filhos do sol.
MATHILDE: Pois bem, senhor filho do sol. Veja o ponto aonde você chegou.
RIMBAUD: Eu  quis viver a vida  inimitável!
VITALIE:  Isso incluiu  insuflar Verlaine  contra a esposa dele? Eu nunca fui com a cara daquele Verlaine. Sujeito intratável.É do bar para o hospital e de volta para o bar! Ele  teve vários amantes antes e depois de você!  E aquela mulherzinha ordinária dele também não é coisa que se preze!
RIMBAUD: Bruxa fedorenta! Princesa camundonga! (range os dentes) Percevejo! É a culpada de tudo.  Estragou tudo...
VITALIE: E você, meu filho? É isto que me pergunto mil vezes: Aonde pretendia chegar com toda aquela loucura? E depois essa vida na África...
RIMBAUD: Poesia e a vida. Beijar as duas.
VITALIE:  Esse seu jeito de provocar as pessoas! Eu sei. É meu filho. Eu sinto. Mas a culpa também é do seu pai que abandonou a casa. Meu filho envolvido com armas e tráfico!
RIMBAUD: Quando Verlaine pegou naquele revólver, disse:  isto é  para você,  para mim, para todo mundo!  Quer ir embora? Pois toma! (imita o disparo)
VITALIE:  Isso é vida que se queira?
RIMBAUD: Completamente  fora de si.
VITALIE:  (olha para a pele dele, a pele, os olhos) Sua pele está horrível. Todo queimado, cheio de manchas. Que cabelo é esse? Você não tem amor próprio? (solta-o bruscamente, está chocada com o estado do filho) Maldita Abissínia!
RIMBAUD: Dizem que lá eu encontraria a arca  da aliança que foi depósito  dos dez  mandamentos... a terra da rainha de Sabá...
VITALIE:  Você está completamente fora de si. Como podemos discutir negócios, com você neste estado?
RIMBAUD: Eu estou bem, mamãe. Você vai guardar estes oito quilos e meio de ouro e também as pedras e o dinheiro.
VITALIE:  E esta mulher?  Que você levou de Harrar para Áden? Que você bancou  a educação dela. Essa africana em trajes europeus...
RIMBAUD: Mais elegante  do que muitas européias.
VITALIE:  É? (riso amargo) Você se casou oficialmente com ela, lá na África? Olha que ela pode querer parte do seu dinheiro...
RIMBAUD: Não seja boba, mamãe
VITALIE:  E o tráfico de armas? A polícia ...você sabe
RIMBAUD: Eu  queria ganhar muito dinheiro e isso incluiu o tráfico...
VITALIE:  Por desertos e florestas na África?  Entre  rinocerontes, javalis?
RIMBAUD:  Eu pretendia partir  para a China ou Japão, logo depois. (ri, sarcasticamente)
VITALIE: (faz cara de desgosto profundo) Sua desgraça foi esse seu espírito sarcástico. Sempre quer ver o lado cômico e ridículo das pessoas. (pega na mão dele) Peça perdão a Deus, meu filho.
(Rimbaud está deitado, delira: Verlaine entra, aproxima-se dele)
RIMBAUD: Allah  Kerim (Deus o queira)  Me diga:  a que horas eles vão me levar  para o navio?
(Rimbaud levanta-se e cai.  Chora. Não sente a perna direita)
RIMBAUD- Eu estou adormecido no vale...o  riacho ...o sol ...aquele soldado...morto... Jovem soldado, boca aberta, a testa nua, morto... já não sente o odor das flores, o macio da relva...a mão sobre o peito, dois furos vermelhos do lado direito... é a guerra...eu preciso chegar a Paris...os tiros...eles...eles não me vêem...meus pés entre os lírios, eu estou muito cansado...mamãe...cansado...eu não...agüento mais...

(Vitalie embala-o, ele treme muito)



 (Verlaine sai das sombras)
            VERLAINE: Onde está o seu namorado?
RIMBAUD: Na guerra. Estamos sofrendo as primeiras derrotas. Meu querido professor,  deixou o colégio.  O grande mestre foi à casa  das tias. E de lá, como eu pensava que ele fizesse, alistou-se. Eu fugi de trem para Paris: queria ver a queda da monarquia... Napoleão terceiro.
VITALIE: Com quem você está falando?
RIMBAUD: Com ele...
VERLAINE: Você ultrapassou os limites.
VITALIE: Ele quem?
RIMBAUD: Meu bilhete era só até Saint-Quentin. Segui e fui detido na Gare du Nord. Cobraram os treze francos para complementar a  passagem  fui parar na cadeia.  Nem  dezoito anos eu tinha. Aqueles dias  ali me ensinaram algo que eu nunca esqueci. Por causa de treze francos!
(Vitalie pega um pano  e umedece para esfriar a testa do filho)
VERLAINE- Olhe bem para mim e responda: o que é que você queria comigo?Se era ao seu grande professor, a quem você amava?
RIMBAUD: escrevi da prisão uma carta. Ele veio e me levou à casa das tias, onde passei algumas semanas, em Douai.
VERLAINE: Sua mãe nunca gostou de mim.
RIMBAUD: Mamãe...
VITALIE: Você está delirando, meu filho. Só estamos nós dois neste quarto. Você está falando com quem?
VERLAINE: Ela não consegue me ver.
RIMBAUD: Eu vou chamar a polícia!
VITALIE: Nem me fale da polícia...
VERLAINE: De novo? Quer que me prendam novamente? Tem certeza?  Sou eu, Verlaine: eu voltei. (tenta tocar em Rimbaud)
RIMBAUD: (afasta-se apavorado, quase derruba Vitalie, que o ajuda a deitar-se de novo) O meu relógio de prata... eu passei  quinze dias andando sem conseguir  nada... preciso vender meu relógio...mãe...
VITALIE: Sim...
RIMBAUD: Você vai guardar meu dinheiro, não vai? Na fazenda. Promete? Eu sou um Comunnard!  Eles vão me prender. 
VERLAINE: Num quartel chamado Babilônia!  Vão lhe  violentar. (ri)
RIMBAUD: Eles não gostam da estética, meu método de vidência.  A revolução está chegando...
VERLAINE: Pobre menino...
RIMBAUD:  Vou esgotar  em mim todos os venenos.: doente, criminoso, maldito... sabedor supremo. 
VERLAINE: Venha  morar  em Paris. Venez,  Chère Grande Âme,  on  vous attend, on vous désire.
RIMBAUD: As ondas  lavam este barco fantasma...vontade de partir, navegar ao céu... chegar ao desconhecido. Não me sentir mais amarrado... mais forte que a bebida... a noite verde em neves infinitas. Perfumes pretos... onda azul, peixes de ouro...barco perdido em brumas roxas.  Céu vermelho...ilhas no céu! 
VERLAINE: E agora, aqui, neste hospital; o que lhe resta? Esta água fria e escura para o seu crepúsculo? 
RIMBAUD: Vou até à infinita vida! Vou sugar seu seio casto e doce e aplacar esta sede ...
VITALIE- Você está com sede?
RIMBAUD- Estou. (Ela vai pegar água)
VERLAINE: E se o leite se transformar em cuspe vermelho e arder no fogaréu?
(música- Vitalie afasta-se para o escuro)
RIMBAUD: Esses pássaros negros! Buscam em mim o lugar onde o beijo dorme...e onde o fauno  morde a flor vermelha com dentes brancos.
VERLAINE: Delírios... como lhe parecem?
RIMBAUD: Suaves queimaduras...  coração sangrando.
(Vitalie volta com o copo com água, dá de beber ao filho)
VERLAINE: Lembrei de quando você afogava esse coração na cerveja e mijava entre  os girassóis. (ri)  Para o  céu! como se fosse água benta.
VITALIE: (preocupada, ansiosa) Eu vou chamar um médico. A infecção deve estar tomando conta do seu cérebro. Eu não agüento mais pensar nesta maldita operação!
(Vitalie aproxima-se do filho, acaricia o rosto dele, aperta-o contra o peito, olha para cima)
VITALIE: Por quê? (suspira) É o que eu me pergunto. Por quê? Por que tanta dor para uma pessoa? Ah! Arthur... O amor é uma coisa muito difícil para mim... muito difícil...
(Vitalie vai para o escuro)
VERLAINE: A cidade era toda nossa.
RIMBAUD: Cadela no cio a comer cataplasmas na noite ardente dos espasmos.
VERLAINE: O mar vermelho no bico dos teus peitos. Sangue negro.
RIMBAUD: Eu estou tão só...
VERLAINE: Eu estou aqui!
RIMBAUD: Estou com sede.
VERLAINE: Você  tem medo de morrer, agora?
RIMBAUD: A eternidade é o mar que o sol invade... Meu navio foi a pique. Partiu-se ao meio a minha quilha. Saí boiando em  alto-mar.
(Vitalie volta e ampara Rimbaud, saem para o escuro)
VITALIE: Venha comigo.
(música)
VERLAINE: Fiquei pensando nele que trocou a vida pela literatura  e depois trocou a literatura pela vida... Amargurado, taciturno,  vazio, desolado Não se achava bem em lugar nenhum... mundo afora, ardendo uma década na África.  Assado em forno de cal. Inesgotável energia.  Rompeu com amigos e parentes para explorar a vida em toda sua plenitude.  Lutando contra amarras,  para se salvar.  Obter a liberdade... Pensando, até à morte, em não ser querido, não servir para nada neste mundo!  Não ser digno de regressar à sua pátria, a França.  Não lhe seria permitido reiniciar a vida normal de um cidadão. Temia  ser preso...
RIMBAUD- Cadeia? Cadeia depois do que acabo de sofrer?  Antes a morte!
VERLAINE- Foi  enganado e traído. Barriga vazia, febre pelas inflamações das paredes do estômago causado pelo atrito das costelas contra o abdômen. A pé, a cavalo, em busca de pão, emprego, um lugar onde cair morto... (imita Rimbaud novamente)
RIMBAUD- Eu morrerei onde me largar o destino! 
VERLAINE- Agora que tudo passou me sinto desolado. Prisioneiro de não sei que gaiola horrível. Ele fez de mim o seu único amigo e conforto.  E agora chove, chora no meu coração. Por que sem amor nem ódio, meu coração sofre?


Cena 8/ Conclusão
RIMBAUD (EM OFF): As  pessoas desta cidade, na África, não são  mais burras nem mais canalhas do que os negros brancos  dos países ditos civilizados;  não são do mesmo tipo, só isso.  Eles são até menos maldosos e podem em  alguns casos,  manifestar gratidão e fidelidade.  É preciso ser  humano com eles.
(Luz vermelha sobre Verlaine)
VERLAINE: No hospital  em Marselha. À beira da morte, ele delirava.  Era preciso organizar a caravana,  buscar os camelos.  Rápido! Estavam  esperando. Queria fechar as malas e partir. Aos trinta  e sete anos. Meu menino, meu formidável explosivo.  Viu talvez  na amputação da perna  uma prova de combate com o anjo. Homem  dos pés de vento. Trocou a lira pelo tilintar  das moedas  de ouro. Seus escritos, tal pombos vermelhos voando, levarão a mensagem,  iluminarão a noite da alma como uma... lição de vida. Ele jamais encontrou companhia.  Estava sempre só. Assustadoramente só, no labirinto... No arremate dos desejos... A história lhe  reerguerá triunfante da morte. Para que apesar  de toda a lama, o mundo veja,  seus pés,  Arthur,  intactos sobre a cabeça da inveja!



fim...



ANJOS DE FOGO E GELO
Peça de Moisés Monteiro de Melo Neto (Moisés Neto) 
 Recife, abril de 2008