CORDEL
OSWALD DE ANDRADE
Autor:
Moisés Monteiro de Melo Neto
1
Lira Neto escreveu biografia
de Oswald
Eita!
que confusão!!
e tudo se viram ao avesso
incendiou literário salão
o danado do Oswald
provocou nova explosão.
2 Mamãe volta a dar ordens
papai quis o prazer proibir
Mas o antropófago-mor
não demorou a tudo demolir.
Eita, defunto tão vivo!
Da penumbra a ressurgir.
3 Do fundo da velha São Paulo
com o Pirralho zumbi e
luzir.
O bronheiro mais penetrado.
Eita! Oswald gênio a bulir
Cheio de mulheres, ele volta
Para esse chato Brasil sacudir
4 Lira Neto traz assim outra
vez
um brasileiro danado de volta
Sobrinho de Inglês de Souza.
Redizendo extinto revolta.
Que rimas irei arrumar.
Pra esse exército sem escolta?
5 Surgem velhas personagens
Bilac? Lobato já se apronta
Pra ressurgir literatura
Brasil.
Alberto de Oliveira, sem
afronta.
Parnasianos? Vanguarda
europeia.
É fava que nem se conta!
6 Oia só tem menina bulindo.
Tem foto de bebê com pitoquinha
Mamãe não pode nem saber.
Do que ele quer com a mocinha.
Eita! que O. Júnior é danado...
E não quer bater só a
cabecinha.
7 Aos 26? Já duas esposas
Kamiá França e tem a Landa
O bicho tá é danado
Aqui tem grande demanda
Se cuide caro leitor.
É fogo de parente à quitanda.
8 E houve mulher disputada
Com os peitinho nascendo,
melhor
Oswald a escrever peças em
francês
Enquanto na Europa guerra é
estupor
De pilhéria em pilhéria vai
Esticando de galhofa, o
melhor.
9 Idealização da pátria, amor?
Maeterlinck se contorça
O sublime escapa das brechas
O cordel aqui se esforça
Mas não cai na esparrela
Sem mostrar a sua força
10 Tem algo de João do Rio
Nas primeiras peças de Oswald
escritas em francês, e aí
traz força, chuta o balde
não montadas, falam mal
Público comum? Debalde
11 Patriarcal formação tem.
E disso não se exime.
Nas memórias que escreveu
A peste não se redime
Ele tenta raptar a menor Landa
Ela rejeitou, nem se abre nem
reprime
12 Em 16: duas peças em francês
Dele Guilherme de Almeida, é
Oswald foi ao quarto de
Isadora Duncan
Famosa bailarina Americana,
excitada até
Entregou seus livros a ela
Que dançou pra ele, beberam, pois
é...
13 Os mais arranjou para Landa
Carmen Lídia, sua menor,
adorada
Dançar pra elite de São Paulo
Em casa de Ricos, a danada
depois dela fracassar no
Rio,
São Paulo o protegia, ela
agrada
14 Festa chique, toda em
francês
Homenagem ao Brasil, Oswald
conseguiu
ainda não transou com a menor
Mamãe ainda não lhe permitiu
Mãe morta, pai doente,
Oswald
ia vendendo terras, sem dó
seguiu.
15 Do filho com a francesa
Kamiá
ele sempre falava ela ficava em Santos
Ele na capital, mal negociante
causando ao seu pai desencanto
ele o chamava de infantil, ele só na Landa
que foi a justiça contra a mãe, prantos.
16 Escândalo no Rio e São
Paulo
Carmen Lídia, Landa, a vítima,
só
Os avós abusavam dela
Queria ir pra um convento, que
nó
Oswald arquitetou isso tudo
O plano, esse trololó
17 Estaria Landa grávida?
Não. O exame deu negativo.
O circo montado continuou
Nojo e ódio efetivo
Não queria mais a avó
Era esse o indicativo.
18 Mas Landa, casou com outro
foi professora de balé
E Oswald “arranjou” outra
A menina Deise, é
Daisy, é Maria de Lourdes
Estilosa, cabelo curto, né?
19 Que opinião tinha dos
homens?
Canalhas, e as mulheres?
Também!
A normalista ganhou Oswald
Ele dois sete, voltou ao
direito, bem
Dayse é Miss Cyclone
(filme)
A garçonnière sem nhem nhem nhem !
20 Ele começa a escrever Miramar
Neologismos, cortes, doidice.
Grande revolução literária
Romance seis anos, artífice
Cosmoronava
paisagens e fatos
Óbvias esquisitices.
21 Temas viagens
transatlânticas
Metrópoles, Europa, coloquial
Pouco adjetivada prosa
Lobato zombou futurismo? Uau!
Bela velocidade? isso!
Di Cavalcanti desenha pra
jornal
22 Mas Miramar não é Quixote
Embora cite (só no jornal), o
livro
Vanguardismo novo no Brasil.
Conheceu Mário de Andrade,
crivo
Em a Primeira Guerra.
Digo logo, não me privo
23 Mário discursa retórica
cívica
Pátria amor dentro do coração
Carnaúba flamulando
À Marinetti Sertão
Oswald pega o discurso e
publica
O jornal selaria esta união.
24 Mitografia gerava Oswald
Sobre si e amigos
Afetos e desafetos
Preste atenção (abrigos?)
Tem segurança este futuro
Prenunciam perigos?
25 Os dois protagonistas de 22
Uniam-se ali, em dezessete
Mário lança primeiro livro
Oswald também, se ateste
Mário era Carola, Lhes digo
Livro passou batido, que
pestes.
26 Anita Malfatti surge
Pintora vanguardista, ela era
Foi à Itália e EUA
Moça assim, o que se espera ?
Não direita com atrofia
Expressionista austera.
27 Recusa ao naturalismo
Foi logo se enturmando
Quilos de tinta, formidável
Arte dos grandes, falando
Europa vanguardista
Continuou expressando
28 Foi a Nova York
Esteve com Duchamp, a jovem
Aqui rompe academicismo
Suntuosos esdrúxulos descobrem
50 quadros exposição
Lobato deu coice, pasmem
29 Daisy era o pirão do menu
Ela, pra ir ao apê de Oswald
Matava aula na escola normal
Sim, a menor chutava o balde
Poderia ser flagrada
A ponderação era fralde
30 A garçonnière era um
covil
Com gramofone à manivela
Tinha muita bebida, lá
Champanhe e absinto nela
Cachaça, rapadura, ele com 28
Um rendez-vous pra ela.
31 Descabeladas fantasias, ali
“O perfeito cozinheiro das
almas”
Era um caderno onde a turma
Registrava tudo com as palmas
Abnegados autores
Êxtase superava as calmas
32 Era um livro de receitas
“Xarope de dinamite era uma
(de Oswald) Dulcineia ou Dulce
nua
Zombava o Quixote na espuma
Cambalhotas com o espírito
Desenho moderno sexo, pluma
33 Fé, esperança, caridade e
Daisy
Diziam os homens do apê, ali
Sim a quarta virtude teologal
O que Deus nos deu aqui
Tempestade clássica de Virgílio
Daisy, morango, ambrosia,
caqui
34 Grande vício desta vida
Até Lobato dela se inebriou
Ela completou 18 anos
Casavam antes dos 20, pensou
Ela estava em outra
“Petit-Pois” do amor, Ervilha,
show
35 A primazia era de Oswald
Guerra rolava na Europa
Alemãs bombas, Paris
Surge Miramar, Oswald
topa
dialoga com primeiro romance
Mistura literária galopa
36 O filho dele com Kamiá
Francesa que trouxe ao Brasil
Em Santos
quase morria, viveu
Orfeu, à virgem Maria, pediu
Ele entrevistou Ana Pavlova,
russa
Bailarina até o Recife, viu
37Também entrevistou Nijinski
Disse que o russo estava louco
Daisy namora um japonês
Em São Paulo não era pouco
Tinha muito, pegou um
O covil enciumou-se, rouco
38 Como “O grito”, de Munch
Um grau acima de zero, junho
De dezoito na cidade
Moradores no gelo, testemunho
3 graus abaixo de zero
Daisy, mal venérea de cunho
39 Gripe espanhola atacou
30 milhões ali morreram
O mundo da guerra em igual
Chega 19, melhor,
pensaram
No carnaval, Oswald brinca
Pai morre (oh!), Daisy e ele
abortaram
40 Dizia filho não era dele
Tire, mate, fure o útero,
envenene
Não é meu não quero
Casou com ela in extremis,
perene
Mas morreu aos 19,
Vida bem vivida, se depene
41 Ele comprou um Cadillac
verde
Mil novecentos e vinte
Alta uma cidade para Santos
Com amigos, sem acinte
Tem 30 anos, rico advogado
Alto luxo, arte, requinte
42 Três romances ao mesmo
tempo
Miramar, Os condenados, Absinto
Vida real ficcionada
É verdade, eu não minto
Montava os livros como cinema
Acreditem no Oswald que pinto
43 Cenas distintas simultâneas
Paralelas, como Grifith,
cineasta
Estilo bizarro, diz Del
Picchia
Couto, autor de “Cabocla”,
entusiasta
Escultor Brecheret, seu
conhecido
Tal Rodin, alma e músculos,
basta
44 Independência, Oswald
Pensou, moral e mental
E foi se articulando
Num plano sensacional
Semisselvagem sem clássico
Nem no início nem no final
45 Moderno o primitivismo
Neoprimitivismo, sim
Oswald e seu grupo: Zeus!
Dali para adiante: assim!
São Paulo, eixo do Brasil
Arte moderna, aqui, enfim!
46 Rua Lopes Chaves, de Mário
Oswald seu carro parava
Mãe viúva, tia solteira, irmã
caçula
Sebastiana, cozinheira,
encantava
Cozinha Brasil, das terças
Pouco álcool, papo rolava.
47 Mário ao piano, em vinte e
um
Uma dúzia de amigos, Anita, Di
Cavalcanti
Lundus no teclado soavam tão
bem
Mário lia tudo, Oswald, pouco
(?) espante
O primeira: mulatice risonha
Surge modernismo, adiante
48 “Pauliceia Desvairada”,
Mário
Segundo livro modernista
Já Oswald seguia na prosa
Contraponto na vista
Montagem de nervosas ações
Elipses de cenas do artista
49 Revolução sem sangue
Nova expressão, diria
Mennoti no Jornal, pois
Tática de guerrilha, ia
“Matemos Peri”, diz Oswald
Convite à demolição, se
lia
50 Porrada em tudo, assim
Estrutura social questionada
Chocante Celeuma surge
Escarcéu na “coisa” parada
Da ficção poética, até aí
Imigrantes valem mais? Tacada
51 Poligenético Brasil
Muitas raças em combate
Local de fala mutante
Índio de barba, lusinegra
arte
Homulher
talvez, novagente
Todaparte,
eterno embate!
52 Novelha alegriador
Vamos matar o identitário
Na mistura essencial
Nada é puro no otário
Nunca o original vence
É sempre misto visionário
53 Galhardia lusitana
Imoralidade deslavada
Surgiu Brasil assim, pois
Não fixa, mas descarada
Zumbi sem negociata
Frenesi, indústria armada
54 Atual todo mundo, vai
Curemos Peri, mestre
Terra em transe,
Brasil
Grossa cavaqueira rupestre
Chumbo grosso na cultura
Eixo nação, transterrestre
55 Sampa mulher de lamasfalto
Novela, Jesus de trancinha?
Não pode (?) Brecheret fez
Pecado mortal, diz vizinha
Fofoca nacional se espalha
É Pauliceia, Mário vinha
56 Poesia citadina Mariana
Atraso sarcasmo e punição
Sua luta americana
Estuporante visão
Bem sentia e pensava sim
Com Ronald de Carvalho,
união
57 Esse outro corrigiu o
Orpheu, sem múmias do Rio
Modernista de primeira, diplomata
Acostumado, a Oswald aderiu
Também jornalista, ensaísta
Era da nata do novo Brasil.
58 Contra Mimese do real
Arte não é fotografia
Mário, o Papa, Oswald? Bispo
O negócio se espalhava, se via
De trem ao Rio 12 horas
Era “Frisson”, sentia
59 Renovar, eis o espírito
Bandeira, como um Haicai
Rio era mais rural que sampa
Nesta? Máquina sobressai
Na industrial, ânsia do novo
Atividade que atrai
60 Entra em cena Graça Aranha
Lançara “Canãa”, em
novecentos e dois
Em 21 aponta crise do mundo
Oswald fica olho, e apois?
Neoliberal americano
Di Cavalcanti se impôs
61 Graça se comparava a Kant
Da razão pura à sua
obra
Pauliceia desvairada viu
Parecia que nada sobra
Futuristas o abraçam
Mais um que nada cobra
62 Sacudiriam olhar público
Faliam coletiva louca
São Paulo sentiria bem
Aquela força que não era pouca
O academicismo de Graça, dia
Se dobraria, voz rouca
63 63. Graça critica os vanguardistas
Ela sabia onde pisava
Fariam painel multifacetado
Questão estética dominava
Astúcia de Oswald bate
A explosão se alastrava
64 Graça, seu Savoir-Faire
Com rumo previa
Não, como dissemos, ele
sabia onde se meteria
o ataque tomando forma
Com apoio da burguesia
65 Só precisavam de um grande
salão
Com centenas de pessoas
Paulo Prado comandaria
O basfond de coisas
boas
À Rabelais, faz o que
queres,
E iam tecendo-se loas
66 Rabelaisianos a
curtir e viver
Sem regras, mas criando, foram
O bolo ia
crescendo, copos levantando
Paulo Prado, luxo em Paris
(adoram)
Apoia Oswald e o grupo
É mecenas, fortunas não
evaporam
67 Pensem de modo grande
Diz o milionário, aos
futuristas
Letras e artes com importados
Muitas farturas, elitistas
Ousadia era só o início
Eram a elite dos artistas
68 Paulo, Mário, Di, Mennoti
De 22, núcleo duro
Passado de pobre e rico
Arte Brasil, eis teu futuro,
Estreou a semana e aí
Vaia e gritaria, seria apuro?
69 De sorriso mordaz nos
lábios
Oswald parecia ter planejado?
Leu folhas datilografadas
Leu trechos de livro blindado
Os outros? Obras de cada um
Segundo dia mais badalado
70 Pronto: escândalo aumentava
Era mídia que queriam?
O circo pegava fogo
Plateia alucinada: zumbiam
Ferozes, sem trégua, avançam
No poema os sapos, coaxam
71. Guiomar Novaes toca o piano
Ela virtuose com Europa nas veias
De currículo internacional
Carnaval das crianças Brasil, eia!
Modernismo quer mais
Um Villa-Lobos? Mão cheia
72 O Nariz arrebitado
dela
Inspirou narizinho de Lobato
Debussy a aplaudiu, em Paris
Ali era outro o fato
A plateia a aplaudiu
Na semana, Fênix relato
73 Governo estadual investida
Município deu o teatro
Festival revolucionário
Analfabetos letrados a quatro
Semana contra bestas humanas
Para plateia de múmias, atro
(infausto)
74 Rompendo o academicismo
Se firmara o novo momento
Ponto sem retorno, pois é
Muito além do pensamento
Sufocadores, rendam-se
Queremos novo entendimento
75 Centenário da Independência
Assim foi com ousadia
Algo que nunca aqui se viu
Isso dizemos com garantia
Erronia, ironizou Mário
Foi nossa a primazia
76 Não eram futuristas,
assim
De Marinetti, não eram
Mas de arte moderna, sim?
Sentido amplo, esperam
E vão fazendo logo, tim tim
Porque com brinde quiseram
77 Não era oportunismo
Sampa: futurismo racial?
Que acontecia ali?
Coisa muita surgia no jornal
Choque, fecundas violências
Ai, ai, ai, nada mal
78 Matar má fé quadrúpede
Eis uma proposta, viu?
Não mais futurismo paulista
Contra cretinagem, Brasil
Imitativas academias
Monolíticas que pariu
79 “Guarani”, de Carlos Gomes
Seria tapeação, só?
Oswald por Villa-Lobos
Quer velhice virar pó
Filho comovido do tempo
Lá e lô, viril dominó
80 Sensibilidade da desordem
Cães ladram, caravana vai
Saltos, invasões abismais
13, 15 e 17, sai
Vida nova, minha gente !
E a repetição? Cai!
81 A cultura de nosso povo?
Gente de grana? Esgana?
Plateia lotada no Municipal
Fila imensa não engana
Sim. Era um sucesso
O público da tal “Semana”
82 Provocação sincera ou
pilhéria?
Não há fotos da Expo, pena
Senso de humor, pilhéria?
Não! Estética, eis a cena
Dispartes que libertam
Novidade de arte plena
83 Foi hostilidade explícita
Mas só para alguns, certo
Villa-Lobos de sandália
Infecção nos dedos, perto
Disseram: provocação
Dormindo, o desperto
84 Consagração pela vaia
Resultado da semana
Ficaram célebres, eles
Poeira, hoje? Se espana
Enfim, chega Tarsila,
aí
Trinta e seis anos, sem fama.
85 Tarsila, largou o marido
(Ele, a traía), teve filha
Era mulher requintada
Modernistas? Maravilha
Enturmou-se logo, veem?
Encerro assim a sextilha
86. Ela cantava modinhas
Mário ao violão, que graça
Oswald se apaixonou, logo
Vem grupo dos cinco, massa
Pessoas incríveis
Era linda, jus se faça
87 Manifesto para isso?
Editorial da Klaxon, um
“Texto Programático”
Propõe “cirurgia” e zum !
Sem mais chororô, Brasil
Chaplin, Clowns, Ziriguidum!
88 Valia a espontaneidade
O burlesco, o excesso
Dessacralizar a estética
Tal café espresso
Xô, erudição carrancuda
Era isso. Esforços não meço
89 Insultados e felizes
Seguiam sem tradição
Oswald deu título à revista
Klaxon, buzina,
sensação
Som estridente e lá vai!
Viva a rápida locomoção!
90 Seguem blagues oswaldianas
Sarabanda espernejante
Equilibristas desengonçados
O improviso é meliante
Os planos eram muito bons
O equilíbrio? Distante
91 Sérgio Buarque, no Rio
Representava-a, também
Moderna São Paulo, adiante
Para o futuro e além
Do real ao abstrato
Café com leite e xerém.
92 Tem saltos e cambalhotas
Tal circense atração
Sai romance “Os condenados”
Ultrafuturismo? Não
Oswald expressionismo
trágico?
Romance, qual
definição?
93 Tarsila e Oswald? Paris!
Lugar mais sensacional da
terra
Haxixe, boemia, oui!
A noite não se encerra
Dançavam Charleston e foxtrote
Box, óperas, amor se aferra
94 Iam ao Moulin Rouge
Metrô a poucos passos
Que ano, o vinte e três!
Paris? Festa! Em tais espaços
E a vida era mais bela
No esquema daqueles paços
95 Deleite, inspiração
Liberdade, lá se vivia
Foram 4 anos carnificina
Êxtase, agora se via
Moral e intelectivo
Que a muitos atendia
96 Não ambiência boêmia
O que “Tarsival”
desejava
(Mário chamava aos dois assim)
Menos álcool, sonho mudava
A destruição anárquica
Da língua, se anunciava
97 Rimbaud? Fim do romantismo
Deles veio referência, é
Nova ordem pós-guerra
Ética e estética, né?
Luso espancar, obrigava
Grosseira delicadeza, fé
98 Sim, Portugal, eles foram
Terra da piada, Tarsila a Servilha
Oswald à Suíça com filho Nonê
Pra colégio interno, ilha
Mãe (Kamiá) casada com outro
De Tarsila? Londres, a filha
99. Coletivo, não dramas individuais
Era a ordem do dia, em Paris
Oswald? Ser traduzido em francês
Mas isso não aconteceria, quem diz?
Eram tantas amizades
Oswald palestra, Sorbonne, condiz:
100 Do colonial ao
modernismo
(Foi o seu mote), foi impressa
Elogia Lobato, “rural”
Língua Portuguesa? Nova à bessa
Blaise Cendras,
Franco-Suíço
Perdeu braço (na guerra), ora
essa.
101 Mas fazia da vida aventura
Rodou o mundo, curtiu o Brasil
Sua prosa e poesia moderna
Dupla Tarsival tão
varonil
Queria vir ao nosso país
Crêpe Suzette,
pois, viu?
102 Bebendo os ares de Paris
O casal esbanja olhares
Oswald com calças rosa
Tarsila em alta costura pares
Oswald e suas piadas podres
O colocaria em azares
104 Brecheret e Di Cavalcanti
Foram vítimas disso
E muitos outros, como Mário
Uau! parecia feitiço
O bicho era carcamano
Era terrível nisso
105. Villa-Lobos também viu
De Oswald a ironia
Falou mal de Debussy
Pôs Erik Satie em via
A briga foi feia, aí
Agitação, ali, fervia
106 Tarsila também deu ferroadas
Em Anita Malfatti, rival
Acusou-a de retrocesso
Egos inflamados, afinal?
Cubismo integral, quadros sem
assunto
Que acham? Nada mal
107 Vinte e três pintou “A
negra”
Marco inicial da fase dela
Que a consagraria de vez
Folclore, étnico, apela?
Escambo intercultural
Ou colonial esparrela?
108 Parisiaram-se, ali?
Perguntou Mário de Andrade
Os caipiras burgueses
Na mata virgem, a verdade
Não arte negra, matavirgem
(Ele dizia?), cubista? “Nonade!”
109 Não imitava os europeus
Ela tinha algo novo
Oswald? Nem Byron nem Wilde
Abaixo Flaubert, viva
o povo!
Brasil exporta arte, é?
Pau-Brasil, primordial ovo
110 Original ou o acadêmico
Contraponto: fatos diversos
Não eloquente falsa erudição
Olhos livres para versos
Neologismo coloquial
Seguir colando universos
111 Poesia Pau-Brasil
ativa
Real preguiça solar
Sem tropical tempo ido
Que faça falta achar
Ambíguo Brasil já, antes
Opostos, João Miramar
112 Energia íntima usar
Surgirá assim sua nova obra
Com esse repensar nossa pátria
Que na falta tem de sobra
Pitoresca meiguice, até
Patifaria que se desdobra
113 Sem reminiscências, pois
Oswald, olhos verdes, cobra
Qual um César Ridente
Um país ele desdobra
Sou Miramar, diferente
Romance (“Cubista” obra?)
114 Colagens, cartas, diários
Bilhetes, vozes, poemas
Vários narradores, é
Lembra vários sistemas
Como montagem de filme
Aqui e ali com problemas
115 Profusão de neologismos
Com originais títulos
Arte disparate? Estilo...
Pra cento e sessenta e três
capítulos
Ironiza o luso falar
Revisão certos acúmulos
116 Telegráfica rajada
Seu texto meio freudiano
Traz do inconsciente
Bárbaro insólito plano
Um tanto comunista
Esfuziante desengano
117 Seus achados
deliciosos
Invenções linguísticas no meio
Aí ele se indetermina
Não se incomoda, está cheio
Natural desleixo, a cara
Gênio? Aí fogo ateio
118. Humor violento, novo
Brincadeira, diz Drummond, sim
De João Miramar, quem sabe?
Volta terceira vez, afim
A Paris, pra Tarsila, babe
Estava longe aquele fim
Vida curta não acabe
119 Pau-Brasil foi sua estreia
Na poesia, publicou em Paris
Antes fora manifesto
Em nova partes, ele quis
Faz feito Marcel Duchamp
Pega doutros, inclui, “eu fiz”
120 Excesso de chacota ou não
Pau-Brasil, (não “Ordem e progresso”)
Na capa de Tarsila incomodou
Bandeira ficou possesso
Escândalo feito de carne
Casou com Tarsila: sucesso (?)
121 Casaram só no civil
Falaram com Papa, sim
Cerimônia, fraque e carisma
Até o Presidente, enfim
Washington Luís, foi
Maiores burgueses da Pátria, assim
122 Era o ano 26
Elogiavam Circo Piolin,
Como o melhor teatro do país
Teatro sob a lona, sim
O tal palhaço?
Melhor autor
Para a cena dali, enfim
123 Verde- Amarelismo e Pau-Brasil
Se enfrentaram no picadeiro
Oswald acusou Del Picchia
De não original, primeiro
Cassiano e Plínio Salgado
Tomar as dores, ligeiro
124 O movimento ainda, se erguia
Nhengatu, diziam eles
Linha indígena, valorizavam
Coisas nossas e mais deles
Uma renovação insólita
Totêmico tupi, daqueles...
125 Intuição
infantil: quebram
Brinquedos para por dentro vê-los?
Diziam os críticos sobre sua poesia.
Poema-pílula, como lê-los?
Livro? “Primeiro Caderno”
Premido e aceito:
sê-los?
126 Sim, romance “Estrela de Absinto”
Agradou a academia
Teve menção honrosa, foi
Contradição nele, seria?
Tarsila o pinta “Abaporu”
“Monstrengo”, Oswald diria.
127 Quem nomeou foi Raul Bopp
Autor de “Cobra Norato”
E sugeriu um “Movimento”
Em torno do tal “retrato”
No quadro “Naif”, ele viu
O que representa de fato.
128 Hoje, tá na Argentina
Mas aqui tem sua raiz
É a nossa Mona Lisa
De pensar, fico feliz
Entre repulsa e fascínio
Antropofagia? Brasis
129 Comedor de gente, voltava
À moda com as vanguardas
Chave crítica pra pensar
Nas ideias aqui guardadas
A cultura brasileira
Não para, culturas agitadas
130 Mau selvagem, o devorador
Rousseau se mexa na cova
Abocanhar o opositor
Guloso e brutal? Uma
ova!
Nem vingança, também não
Ritual mágico, se aprova
131 Canibal é sem cerimônia
Antropófago tem ritual
Anta versus Pau-Brasil
Isso não vai fazer mal
Devoro do inimigo, o melhor
Isso não é tão fatal
132 Aí vão diálogos e sínteses
Tupi or not tupi, tá?
That’s the question,
my friend
E daqui a gente se dá
Eu passado, tu futuro
Mistério de Moisés, vá lá
133. Passado mítico, sim
Pré-cabralina, felicidade
Mário lança “Macunaíma”
Freud: Sexo é o xis humanidade
Negro, índio, branco, trans
Né? Isso é sinceridade
134 Tarsila e Oswald
erram
Deusa e diabo do modernismo
Aí apareceu pagu,
pense
18 anos de erotismo
Íntima de Tarsila, foi
Rebeldes no centrismo
135 Surge Chateaubriand
Magnata da imprensa
Moquém: grelha
indígena
Defumava-se, se pensa
A política na intriga
Luxúria não se dispensa
136 Mário rompeu
com Oswald
Malícia deste com o homossexual
“Miss
Macunaíma”? era o fim
Isso lhe fez bem mal
Foi piada abjeta, eca
O efeito foi mortal
137 Chamaram Pagu: a
mais bela
(do mundo?) admirações?
Oswald, Padre Cícero, Tarsila
Lampião, tantas paixões
Eram tórridas as
transas
Forçavam-se alterações
138 Oswald “casou” Pagu de mentira
Pegou a menina (que loucura!)
Pânico geral:
falência econômica
América em crise todinha
Bolsa quebra em Nova York
Tarsila separa, Pagu gravidazinha
139 “Casaram”, na igrejinha
da Penha
Vejam que coisa mais inusitada
Não houve união civil
Ele sempre infiel, coitada
Oswald não a amava
Era apenas uma “camarada”
140 Às vésperas de parir
Pagu foi deixada só
Ele foi tirar uma virgindade
Nasce o menino Rudá, a mãe? Dava dó
Fugir, se expandir, melhor
Que ser mãe e virar pó
141 Oswald não era
palhaço burguês
Ele e Pagu foram quase mortos
Falou mal da Faculdade de Direito:
Cafeicultores e alunos?
Tortos
Mas o casal comunista
Insistia: vermelhos
portos
142 No Jornal Homem do Povo
Pagu e Oswald
esculachavam
Atiravam para todo lado
Suas regras anunciavam
Comunismo de quem perdeu
O poder que desfrutavam
143 Anticlericalismo
ali
“Cafetinagem” diziam
Unhas e socos nos estudantes
Pagu e Oswald desferiam
As coisas só pioravam
Ojerizas então cresciam
144 “Os
vendidos de Moscou”
Assim o casal era chamado
O Jornal foi proibido
De circular, foi
censurado
“Insolente papelucho”
Assim o bicho foi tachado
145 Fogem pra Montevidéu
Entram em contato com Prestes
Líder da “Coluna Rebelde”
Comunista ou ex-burguês, vestes?
Está Oswald encurralado?
Sua vida muda, hipóteses
146 Sacco e Vanzetti, executados
Nos E.U.A., cadeira elétrica
Erro judiciário, oi
Comunistas perseguidos, ética(?)
Era uma coisa tétrica
147 Oswald e Pagu presos
Soltos, Pagu em convulsões
Traumas de infância voltam
Reiteradas depressões
Acusada de sentimentalismo burguês
Foi operária, vermelhas paixões
148 O partido via Oswald libertino
Não iria aceitar
Pagu foi para cortiço
Depois de tudo melhorar
O partido pediu para ela com
Homens transar/espionar
149 Ela fez isso, e lança livro
(romance) “Parque industrial”
Sobre proletárias do Brás
Homo e aborto?
Natural
Oswald lança “Serafim”
Zé Lins do Rego diz: “Uau!”
150 Teatro, diários, epístolas
“Serafim ponte
grande”, sim
Livro experimental
Metatexto que, enfim
Narrador e personagem
Dialogam, coisas assim
151 Dizem: pornografia barata?
Ridículo alheio expõe
Em estranha sátira
A crítica ali supõe
Um Lampião da literatura
Ex-burguês põe e dispõe
152 Em “O Homem e o Cavalo”
Uma das suas peças, Oswald
Tem imagem de Hitler na cruz
Suástica, paraíso cristão, fraude ?
Estranhamento? É pouco
O autor chutava o
seu balde
153 Pagu foi pra Moscou
Oswald arranjou outra mulher
Pilar, uma artista, sim
Cada um faz o que quer?
Meio anjo, meio fera
União não durou um ano sequer
154 Aos 45, ele decaía
Gilberto Freyre sentenciou
“Caminhos limitadores”
Um ou outro o acompanhou
Antropofagia acabada
“Gongórico”, ele assim soou
155 Famoso, mas pouco lido
Em prosa e poesia, nosso autor
Livros enchiam sua casa
Não vendia bem, um horror
Ele ria de si e dos outros
Ia assim driblando com riso a dor.
156. Jorge Amado elogiou a peça
“O homem e o Cavalo”, publicada
Outros marxistas não curtiam seu humor
“Piada fácil”, diziam, aguada
Lob de esquerda, né?
Pra revolução? Não servia gargalhada
157 Seu teatro: riso picante
Pra burguês, pobre
não curtia
Zé Lins, com “Moleque Ricardo”,
Romance, mais esquerda seria
“Intriga imbecil”, diz Oswald
“Suor”, de Jorge Amado, lia.
158 “Hermético”,
diziam de Oswald
Ele: “abri caminho ao regionalismo”
Pra ele, não havia, novidade
Eles voltavam ao
naturalismo?
Zé Lins? Sem cultura especial
Senso comum, continuísmo
159 Em Moscou Pagu
via miséria
Em trinta e cinco volta ao Brasil
Foi presa e torturada
Aí, Oswald
conheceu, primaveril
Sua outra esposa, Julieta
Furor, ela nele imprimiu
160 Ela estudava na USP
Aluna de Lévi-Strauss, é
De Roger Bastide, também
Monogamia sucessiva, né?
E cheio de amantes, ele seguia
“Espírito Quente”, diziam, até
161 Graciliano elogiou peças
De Oswald: “pena não irem à
cena”
Lê-la poderemos, mas
Poucos dirão “vale a pena”
É teatro de ruptura, isso
Temos consciência plena
162 Primeiro grande autor
Da nossa moderna dramaturgia
Fustigadas pela agiotagem
Oswald mistura vida e obra,
se via
“O rei da vela”, mostra sacanagem
“Abelardo e Heloísa”, parodia
163 Experimental, sempre
Arquétipos ele
desconstruiu
Eita, Oswald danado
Nenhum tal e qual no Brasil
Na peça “A Morta” tira enredo
Marionetes de quem nem existiu
164 A indicação cênica, era:
“Labaredas no palco”
“Sem palmas”, “chamem bombeiros”
“Ou a polícia”, era peido de talco
Pagu fugira da cadeia
Mas recapturaram, Glauco
165 Oswald contra o racismo
Mas homofóbico, seguia
Futucando Mário de Andrade
Foi à Europa, a
guerra se inicia
Depois de um mês,
escapa
Provocação se reinicia
166 Diz que quer ser acadêmico
Fazia barulho aos cinquenta
Só recebeu um voto, o danado
Lança “Marco Zero”,
vender? Tenta
Aos cinquenta e dois, diabético
Mais um romance inventa
167 Bife com batatas, adora
Dentaduras duplas, usa
Pequenas cenas, patchwork
Da sua vida, abusa
Amado elogiou visão de esquerda
Urbano, bastide,
brasil conduza
168 Tropicalismo literário
Diz de Di Cavalcanti: “bom”
Mas os “clérigos” da USP
Acharam por bem criticar o tom
Oswald era hedonista?
Perguntaram alto som
169 Em quarenta e dois
Geração universitária
Se achava no direito
De ser séria e ser otária?
A verdade é inventada?
Tem silêncio na plenária?
170 Aí Mário teve um infarto
Quarenta e cinco foi assim
Oswald tido como piadista
O morto, cheio de glória, fim
“Marco Zero” só dois volumes
“Chão” e “Revolução Melancólica”, sim
171. Dedicara-se ao jornalismo
O sex- appeal-genário
Sentia-se acabado aos sessenta
Pronto sair do cenário
Ansiedade, crise de pânico
Mas nunca foi total otário
172 Oswald fez concurso, USP
Queria ser professor,
lá
Escreveu duas teses até
Ficou pra ali e pra cá
Chamou Sartre “Vaca cheirosa”
(A banca pensou: assim não dá)
173 O último filho de Oswald
E já tinha cinquenta e oito
“Vida infame!”, reclamava
O antigo homem afoito
Falou com Getúlio Vargas
Não molhou seu fino biscoito
174 “Mando tudo à merda”,
disse
Sai seu último livro,
então
Prefácio? Antonio Candido
“Um homem sem profissão:
Sob as ordens de mamãe
Era o fim do valentão
175 A “Um toureiro
cansado”
Ele se comparou, enfim
“Querem ver se o bicho me pega?”
“Amigos do Touro” (Ruim)
“Escolhi mal minhas armas
Não tenho espada: Fim !”
176 – E agora, pra
encerrar
Em cinquenta e quatro, morria
O mais irreverente deles
Modernistas, Oswald partia
Seu último ato na arena
O guerreiro hoje tripudia.
177 Pagou com a vida, o gozo
Curtiu muito, trabalhou
Sua obra, hoje, é história
Moderna, frutificou
A você, que tudo leu
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