Entrevista
concedida por Moisés Neto a Thalita Gadêlha dia 22 de Maio de 2025
1. Como se dá a
construção das suas personagens femininas?
M – A construção das minhas personagens
femininas, faço-as, em acordo com o que vejo sobre o gênero feminino. Não só no
diferencial em relação ao masculino, mas as possibilidades e perspectivas do
empoderamento das mulheres. A alma feminina, para mim, é um mistério constante.
Não acredito que uma mulher possa entender um homem e um homem possa entender
uma mulher. Acredito na transição, digamos, de algumas pessoas que... se
representam, se caracterizam, do sexo que antes seria oposto e você assume; o
caso de um trans, por exemplo. As minhas, mulheres, elas são todas empoderadas,
digamos assim, destemidas e atrevidas. Eu não gosto de criar mulheres
submissas. Eu não gosto de pessoas submissas.
2. Nem mocinhas
nem vilãs: você vê assim também as suas personagens? Seriam Manguegirls?
M – Sim, sim, nem mocinhas nem vilãs.
Manguegirls não porque o movimento mangue, ele não caracterizou muito bem as
mulheres. É um movimento machista. É um movimento de homens. Você tem, por
exemplo, a Stela Campos que tem um disco
excelente “Mustang Bar”, não é, que... para mim... é excelente mas, é um movimento
masculino. Eu não acredito que existam mocinhos e vilões. Do mesmo modo que eu
não acredito em mocinhas nem vilãs. Existem pessoas que exercitam o poder; a
maior parte das pessoas. E outras que gostam de...é... receber ordens.
3. Qual a
influência da cultura norte-americana na sua dramaturgia, na sua escrita?
M- A cultura norte-americana na minha
dramaturgia se dá através da minha admiração por certos escritores. Tem a questão do movimento ‘beatnick’; Jack
Kerouac, Alen Ginsberg, Willian Burroughs, que foram do final dos anos 1950 e
influenciou o movimento hippie dos anos 1960. Bob Dilan, por exemplo, é... ele
se inspirou muito no ‘On the road’, ‘Na estrada’, romance do Jack Kerouac – que
eu até estou lançando um cordel sobre ele. Então... é... no teatro, na
dramaturgia norte-americana, você tem Eugene O’Neill, não é, que tem peças como
‘Longa jornada noite adentro”, que eu adoro, e outras peças do O’Neill; como
tem Tennenssee Williams, que eu adoro, essas na dramaturgia. Na arte pop, que
também é cineasta, que também é, digamos assim, filósofo, é Andy Warhol: o pai da pop art, que me
influenciou bastante. Bob Dilan, é... Jim Morrison, do The Doors, essas coisas
da cultura norte-americana. Agora, não suporto o imperialismo norte-americano,
eu não suporto. E também é... eu quando era criança vi muito a questão dos
desenhos norte-americanos – pode parecer uma bobagem isso, não é- mas, eu
ficava meio impressionado com a maneira como os norte-americanos trabalhavam
com as crianças. Os desenhos animados para crianças... E também as séries da Fox,
por exemplo, eu gostava muito de ‘viagem ao fundo do mar’, não é, ‘túnel do
tempo’, essas coisas assim me influenciaram quando eu era criança e
adolescente. E, óbvio, o cinema norte-americano como um todo. Os grandes
diretores, não?, norte-americanos; ou mesmo as produções de Hollywood com os
estrangeiros como Alfred Hitchcock, que
é inglês. Eu sempre fui muito... um voraz leitor e... hã... isso me influenciou
bastante... da cultura estadunidense e a maneira como eles produziam os
roteiros de filmes... tah...
4. Quais textos deste livro já foram encenados e quais você
gostaria que se transformasse num espetáculo?
Desses
roteiros acima, muitos foram encenados...somente é... ‘Essa coisa nossa’ é que
não foi. ‘Sertão’ teve uma encenação na universidade que me emocionou bastante;
eu gosto muito do texto ‘Sertão’. ‘A Farsa’, é... a ideia original é... o
centro, o cerne né... eu gosto muito... acho muito interessante... que beira o
teatro do absurdo, que me influenciou bastante tá... o teatro do absurdo que é
mais europeu... me influenciou muito: Ionesco...Pirandello... tá...
Beckett...não é... que é... que são guias na minha vida também. Gostaria muito
de ver ‘Sertão’ e ‘Essa coisa nossa’, dos textos meus encenados.
5. Qual o futuro da dramaturgia de Moisés Neto?
Agora...
quanto ao que eu estou produzindo agora, que eu tô escrevendo novas peças...
meus cordéis... meu cordel ele tem um tempo teatral também... tá... eu não uso
heteronímia... mas é... Jomard Muniz de Brito, ele me disse uma vez assim, eu
tava escrevendo o meu doutorado, né... a minha tese, que eu transformei em
livro também... foi publicado pelo SESC, ele disse: Moisés, você tem uma
presença muito forte nas coisas que você escreve, a gente vê... não sua vida,
mas o seu estilo, não é... há uma espécie de autoficção na criação das suas
peças. Como por exemplo: “Para um Amor no Recife”, tem uma projeção muito
grande não é, tudo muito difícil não é, os remédios para a aids eram muito
terríveis e a gente tinha visto Cazuza fazer aquilo, morrer na frente das
câmeras... praticamente... nós sabíamos de Renato Russo que não se entregou
diante das câmeras... então, o futuro da minha dramaturgia, eu acho que vai ser
ver seres humanos como eu... Eu sou uma pessoa muito diferente desde criança; é
difícil porque eu não combino muito com essa coisa de.. de panelinhas de querer
agradar. Eu escrevo quase coo se fosse uma guerra!
Quando eu
sento ao computador... ou mesmo quando eu tô escrevendo a mão... eu gosto muito
de escrever a mão, né, e depois
transcrever... a... ao digital assim.... ao computador, ao notenook.. e
digitar... eu... parece... eu ganho uma força tão grande e eu acho tão bom. Eu
sei que é de mim porque a literatura me salvou muitas vezes, e eu também
procuro salvar a literatura. A minha vida inteira é esse exercício delicioso e
o teatro para mim é essa perspectiva linda e colocar o sim e o não. Eu acho que
eu não sou tão polifônico, mas eu procuro ser. Se você perguntar a qualquer
aluno de Moisés, eles vão ter uma opnião forte sobre mim: ódio, simpatia,
porque eu não sou uma pessoa... como é que eu posso dizer... eu não tou
querendo dizer que eu sou especial não, mas é... há a poucos homens aqui.. no
Recife... como eu. Eu as vezes... quando eu era adolescente eu queria ser
monge, não é... a minha família toda, muitos da minha família, tem essa
coisa... de... de... meu pai trouxe aquelas coisas lá é... dos indígenas, não
é... tanto é que ele pertenceu ao Vale do Amanhecer que tem uma corrente meio
indígena também, de espiritismo... a minha mãe também... ela estava ligada a
isso. A minha avó Diomar, os Beli, a família italiana Beli, que era muito
religiosa, então eu procuro misturar essa coisa da fé... é... eu sou uma
espécie de caçador solitário, não é. Eu sou, eu gosto muito das pessoas, eu
gosto muito de conversar com as pessoas, mas eu sei que a gente não pode... como é que eu posso
dizer, eu nem sei... o meu teatro procura fazer isso. Eu convivo com os meus
personagens com um amor tão grande, eu construo os meus personagens com um amor
tão grande... Quando eles estão em cena... ontem mesmo houve uma leitura de
‘São Bernardo’, mesmo quando eu adapto, eu fico fascinado com a maneira como eu
dialogo com... é... uma narrativa, um romance de Graciliano Ramos como ‘São
Bernardo’ e eu transformo isso. A minha Branca de Neve, o que eu fiz... a
relação da mãe com a filha, da relação
do operário... que tem um anão que é o Banana, com o poder, e essa
questão... como eu misturo... o príncipe... com... ah... um Zé Ninguém... e
como eu transformo. Eu desde criança, eu entendi muito bem os vilões; acho que
a maior parte das pessoas gostam quando tem um antagonista, vilão, eu não sou
fã de vilões mas eu acho interessante como a maldade humana se constitui. Eu
busco muito isso nos meus textos. Falar e viver intensamente, que é o que eu
faço. A minha vida é um jogo muito intenso... Eu faço de cada dia, das 24
horas, 24 milhões de horas. Eu sou um ser muito múltiplo. Eu não sei como eu
consigo amarrar tantas personalidades em mim... eu já estudei... muito sobre
teorias, principalmente as literárias é óbvio. [...] os meus textos são
psicanálise selvagem! Eu faço comigo, eu procuro... eu me atrevo a dialogar
comigo. Eu acho que é por isso que a solidão nunca foi uma estranha pra mim e
que o amor sim sim sim sim sim, o amor sempre esteve ao meu lado. [...] Então o
que será minha dramaturgia no futuro; será tudo isso sempre! [...] Eu gosto de
textos fortes, eu conheço textos fortes. Quanto ao futuro, eu não sei o que é
que o futuro me trará...